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Artigo - A luta pela anistia, ampla, geral e irrestrita em Campina Grande: A primeira moção do movimento pro-associação nacional de docentes do ensino superior (parte 3)

Wagner Braga Batista

 

 

Em fevereiro de 1979, encontrávamo-nos durante o período de recesso academico quando a ADUFPB-CG recebeu a convocação para reunião de entidades de representação e de movimentos pro-associações de docentes que se realizaria no mesmo mês, na USP, em São Paulo.

 

Seria o primeiro encontro de representantes destas entidades convocado formalmente. Outras reuniões, em caráter informal, tinham se realizado de maneira fortuita em eventos que reuniram professores de várias IES, a exemplo da XXX Reunião Anual da SBPC, efetuada em julho de 1978, na USP. Na oportunidade alguns colegas, que participariam a criação da ADUFPBCG, mantiveram contatos e conseguiram obter estatutos de associações de docentes existentes e esboços das que se encontravam em processo de formação.

 

A convocação para este primeiro encontro suscitou a necessidade de reunião emergencial da diretoria da ADUFPB-CG.

 

Duas particularidades desta reunião devem ser mencionadas.

 

A primeira, a associação alimentava-se do vigor e das contribuições de seus associados. Sua democracia interna assegurava a representação direta de todos associados nestas reuniões, Garantia a paridade entre militantes de base e dirigentes. A dinãmica da associação de docentes não estava centrada na diretoria, que era um organismo meramente executivo. Para materializar este propósito, entre outros procedimentos, todas as reuniões eram abertas. O acesso era franqueado a todos associados com direito de voz.

 

Neste contexto, num estágio bastante precoce da nossa entidade de representação, a efetiva militancia dos associados convertia-se no sustentáculo das ações sindicais. .

 

A segunda particularidade: a diretoria da ADUFPB-CG era um organismo colegiado no qual o diretor-executivo exercia funções delegadas por seus pares e pelo conselho de representantes. Não havia a figura do presidente da associação, criada alguns anos depois.

 

Na reunião, realizada durante o recesso escolar, sem que todos os diretores estiivessem presentes, em meio a dissenso, prevaleceu a posição de que deveríamos participar do evento. Não só pela sua importancia, mas também porque favoreceria nossa articulação com entidades em processo de formação e minimizaria a falta de conhecimento sobre estas iniciativas sindicais. A posição adotada pelo Secretário da ADUFPB-CG, Marcelo Agra, foi decisiva, uma vez que se somou a de um grupo de professores mais engajados neste processo.

 

Marcelo Agra, depois adotou posições que comprometiam o sindicato com disputas na estrutura administrativa da universidade.

 

Nossas posturas se tornaram divergentes, no entanto não seria temerário afirmar que foi o esteio da entidade em seu estágio precoce. Com muito empenho, não só montou sua infra-estrutura minima, da qual  ainda fazem parte várias peças de mobiliário, entre as quais sua mesa de reuniões, bem como sistematizou e organizou sua documentação.

 

Sem ser um militante dotado de convicção política, mostrou-se um dirigente compromissado, diligente e ativo. Apesar de nossas profundas divergências, sempre manifestamos reconhecimento pela sua enorme contribuição para a consolidação da ADUFPB-CG.

 

Enfim, fomos escolhidos, juntamente com João Augusto Lima Rocha, João Menino, para representar a ADUFPB-CG no evento .

 

Levávamos na bagagem moção pela anistia ampla geral e restrita,  apresentada pelo CBA –Campina Grande e endossada pela ADUFPB-CG.

 

Esta convergência de propósitos proporcionara algumas atividades conjuntas em outras oportunidades, a exemplo da realização do debate no Teatro Municipal Severino Cabral em apoio aos ocupantes da fazenda que dera origem à comunidade do Pedregal, realizado em 19 de dezembro de 1978.

 

Antes da reunião em São Paulo, no dia 14 de fevereiro de 1979, participamos do aniversário de fundação do Comite Brasileiro pela Anistia, em Niterói, no Rio de Janeiro, juntamente com outros companheirios.

Por conta desta atividade fomos contemplados com registro no informe confidencial nº 646/81- SI/SR/DPF/RJ (Polícia Federal), obtido trinta anos depois, por meio de habeas data, no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro:

 

Participou (aludindo à professora Ismênia de Lima Martins, entâo presidente da ADUFF) de mesa, composta das seguintes pessoas: Eugenio Martins, Iramaia Benjamin, Helena Greco, Dilma Borges Vieira, Judite Lisboa, Wagner Batista, Ricardo Panaid e Edmundo Bacha, que dirigiu a reunião do 1º aniversário do CBA, as 21:30h, no Teatro João Caetano, em Niterói, Rio de Janeiro, com a presença de cerca de 700 pessooas, entre jornalistas, políticos, estudantes e personalidades do mundo artístico e cultural.

 

O I Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários, salvo engano, realizou-se durante os dias 19 e 20 de fevereiro de 1979, contou com a participação de 24 entidades e movimentos pró-associações de docentes.

 

Debateu questões organizativas, diretrizes e cronograma para a atuação do movimento de professores do ensino superior nascente.

 

Pequena nota intitulada Professores vão criar projeto para a anistia, publicada no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, datada de 23 de fevereiro de 1979, sem outras referencias, faz registro do Encontro:

São Paulo — Em encontro de 24 associações de docentes universitários de todo o país, ficou decidida a constituição de uma comissão para elaborar um ante­projeto de anistia "ampla, geral e irres­trita".

 

Essa comissão tem prazo até o dia 5 para entregar o documento pronto, em Brasília, no Oongresso Nacional das Associações de Docentes Universitários. No mesmo encontro, na Capital pau­lista, foram aprovadas diversas outras moções e houve uma homenagem ao professor Paulo Duarte, aposentado pelo AI-5 de sua cadeira na Universidade de São Paulo. Foi também aprovada uma carta que denuncia "toda a ação do Es­tado sobre a Universidade".

 

A questão da anistia ganhava enfase e densidade crítica no meio acadêmico, principalmente pela punição arbitrária de professores, pesquisadores e alunos por meio de diversos instrumentos excepcionais em diferentes circunstancias.

 

Vários professores tinham sido afastados do magistério, a exemplo do que ocorrera em outras instituições sociais, não apenas por suas convicções, mas também por conta de dissensos, diatribes e delações de seus pares. Disputas internas, algumas vezes, foram resolvidas por meio destes procedimentos execráveis.

 

Evidencias destes fatos constrangedores,  sensibilizavam até mesmo, professores com perfil conservador, que manifestavam indignação com a prática destes métodos insidiosos. Aos poucos, até mesmo professores refratários ao processo deemocratização interna de instituições públicas de ensino superior, manifestavam-se favoravelmente ao fim da punição de sues colegas.

 

Deste modo, a defesa da anistia galvanizava atenções no meio acadêmico.

 

Várias associações de docentes constituiram-se por meio da afirmação da democracia interna e da restauração de direitos de professores e alunos subtraídos pelo regime militar e seus prepostos em instituições de ensino superior.

 

Neste contexto surgem denúncias condensadas nos chamados livros negros de várias instituições de ensino superior. O primeiro deles editado pela ADUSP. Na oportunidade em que se realizou o primeiro encontro de associações de docentes estava em elaboração. Ainda dispomos da cópia datilografada da versão que deu origem ao “Livro Negro da USP”.

 

Participaram do primeiro encontro cerca de 50 professores, 33 dos quais subscreveram a moção em nome de suas entidades. avia outros professores da USP que se faziam presentes no evento, mas não tiveram oportunidade de assinar a moção, apesar de concordarem com seu teor. Entre eles, Modesto Carvalhosa, então presidente da ADUSP, Carlos Baldeijão, secretário desta entidade, Eunice Duhran, Judith Klotzel.

 

Num dos intervalos das reuniões, em comissão,  fomos ao Presidio  do Barro Branco realizar visita e ato de solidariedade aos presos políticos.

 

O movimento docente esboçava, de modo incipiente, duas tendências que se manifestavam  em entidades de profissionais liberais de diferentes áreas de conhecimento. De um lado, a expectativa de que se constituisse como organismo de representação de interesses eminentemente corporativos, valorizando a excelência academica, de outro, que expressasse sua feição proto-sindical.

 

Já vivenciara experiencia similar durante o processo de formação da Associação dos Cientistas Sociais do Rio de Janeiro, três anos antes.

 

De forma mais radical, e inconsequente, enxergávamos a entidade como um canal de participação destinado a legitimar intervenção política de correntes políticas proscritas pelo militar.

 

Com um pé nestas entidades habilitar-nos-iamos a atuar em várias outras esferas da vida social. Esta visão equivocada, aparelhista e instrumental, inviabilizava a ampliação e a ação unitária destas entidades de classe. Colocava em risco sua legitimidade e acarretava seu subsequente esvaziamento.

 

A sobrepolitização do debate sobre o papel destas entidades ao invès de potencializar suas ações contribuia para sua atrofia.

 

Por outro lado, era evidente a digressão de entidades que se transformavam em plataformas para a  visibilidade e afirmação estritamente profissional. Ou seja, mostravam-se como estreitos canais adequados apenas para viabilizar o carreirismo.

 

No caso do movimento docente, seria temerário associar estas vocações a agrupamentos diferenciados pela faixa etária. Contudo, professores com mais tempo de magistério, sem desprezar o papel sindical da entidade, inclinavam-se pela defesa da valorização da meritocracia e de demandas acadêmicas. Defendiam, deste modo, uma entidade com perfil eminentemente acadêmico

 

Vagamente, recordamo-nos de algumas intervenções com este teor. À epoca, este grupo se fazia representar por alguns professores da USP, PUC-RJ, IUPERJ, UFF, URGS, entre outras IES.

A juventude, a vitalidade de militantes, as tendências e as convicções políticas emergentes  contribuiram para que se afirmasse, desde o nascedouro, o caráter sindical da futura ANDES-SN.

 

A moção pela anistia, ampla, geral e irrestrita, mimeografada e assinada pelo CBA, de Campina Grande, estava assim redigida:

 

Aos participantes do Encontro Nacional de Associações de Do­centes Universitários

Companheiros

 

As vozes de proeminentes personalidades públicas, hoje,  são reforçadas pelo coro uníssono de vários segmentos da populacão brasileira. Bispos, militares, profissionais liberaier operários, estudantes, donas de casa, são múltiplas as vozes cujos reclamos ganham relevo. São instituições sociais e entidadades de classe que se pronunciam a favor da ANISTIA AMPLA,GERAL E IRRESTRITA. Somos nós brasileiros que clamamos    pelo fim do regime autoritário e denunciamos a farsa da  exceção institucionalizada. É o povo brasileiro que dá mostras de re­púdio à postura capitulacionista de alguns de seus represententes eleitos que estendem as mãos ao atual governo, venden­do a sorte de tantos democratas no exílio ou nas prisões. Queremos um Brasil brasileiro. Construído pelo empenho conjunto de todas as forças que se batem pela Soberania nacional e  pelo fim do estado de indigência em que vive o grosso de nossa po­pulação, provocado pela prédação de nossas riquezas por interessés  alienígenas ou anti-sociais.

 

Nossa aspiração é que a Nação Brasileira recupere a dignidade perdida ao longo destes 15 anos de regime militar. Nestes 15 anos de constantes violações dos direitos civis nos quais a prática da democracia foi gravemente estiolada pela imprecaução do arbítrio.

 

Queremos com urgência que as liberdades essenciais sejam alcançadas de forma que as injustiças perpetradas contra tantos brasileiros sejam reparadas e todas as correntes de pensamento comprometidas com a democracia possam contribuir para a emancipação política e econômica do povo brasileiro.

 

Neste sentido, endereçamos um apelo aos participantes do Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários para que apoiem de modo irrestrito a luta pela Anistia Plena, que beneficie a todos os brasileiros que agiram movidos por convicções políticas, e que este apoio se concretize de maneira ine­quívoca, com a ida à Brasília, dia 5 de março do corrente ano, de uma comissão de docentes aprovada neste Encontro, para junto com as demais entidades pró-Anistia, entregar ao Poder Legislativo uma proposta de projeto que estabeleça os mecanismos que regulamentarão a ANISTIA AMPLA , GERAL E IRRESTRITA.

 

Subscrita pelas representações de entidades de professores e de movimentos pró-associações de docentes, presentes no I Encontro Nacional de Associações de Docentes Universitários, esta foi a primeira moção, aprovada por unanimidade, selando o compromisso deste novo sindicalismo com a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita..

 

Podemos dizer que a ANDES-SN nasceu sob o signo das lutas democráticas e de insofismável compromisso com o fim das perseguições abusivas, das punições arbitrárias, bem como da defesa incondicional da reintegração de todos atingidos por medidas de exceção e pela anistia, que seria parcialmente conquistada meses depois.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 26/08/2013