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Artigo - A luta pela anistia, ampla, geral e irrestrita em Campina Grande: a criação do Comite Brasileiro pela Anistia (parte 2)

Wagner Braga Batista

 

A criação do Comite Brasileiro da Anistia, em Campina Grande, foi realizada no Auditório do Convento de São Francisco graças à mediação de Padre Cistiano, paroco da Igreja de Bodocongó.

 

Esta iniciativa foi precedida pela divulgação de boletim anunciando o evento, contendo informações provenientes  de outros núcleos, bem como as Resoluções do I Congresso pela Anistia, realizado em 5 de novembro do mesmo ano, em São Paulo, uma análise sobre a Lei de Segurança Nacional, documento explicitanto o caráter amplo e irrestrito da anistia pleiteada subscrito por 19 entidades, bem como manifesto e convite para a fundação do comite assinado pelo núcleo pro-formação do CBA.

 

Foram impressos mil exemplares mimeografados deste boletim que foram distribuidos em entidades civis, especialmente na UFPB, bem como entre simpatizantes da campanha.

 

Realizado no Dia Internacional dos Direitos Humanos, numa linda manhã de domingo, o evento reuniu 44 pessoas.

 

A primeira diretoria do CBA contava com a participação do autor deste texto, de Jonas Marques de Araujo Neto, do Prof Iedo Fontes e do vereador João Fernandes, filiado ao MDB-Jovem de Campina Grande.

A criação do CBA, de Campina Grande foi saudada com manifestações de apoio de entidades congeneres do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Alagoas. Com cartas de presos políticos  do Instituto Penitenciário Lemos de Brito, no Rio de Janeiro, e da penitenciária Professor Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, bem como de associações de professores constituídas ou em processo de formação.

 

A recuperação mnemônica e a leitura de registros do evento permite-nos identificar, entre os sócios fundadores, Marcelo Agra, João Otávio Paes de Barrros, Lamarck Bezerra, Mário de Souza Araujo Filho, João Augusto Lima, Rocha, Cremilda Maria de Oliveira e Souza, Romulo Maranhão do Valle, Ines Tavares, Leimar de Oliveira, Hermano Nepomuceno, Antonio Felinto Neto, Noaldo Ribeiro, Carlos Alberto da Silva, Leonidas Henriques Filho, João Bosco e alguns outros companheiros.

 

Em seu Estatuto, o CBA – Campina Grande enunciava seus objetivos:

 

A) Trabalhar pacificamente e dentro das leis do país pela anistia plena e universal a todas as pessoas atingidas por ato de exceção praticado pelo governo, a todos os presos políticos e a todos condenados em virtude de processos contra si movidos com fundamento no Decreto-Lei n 2 898/69 e na Lei n» 5.250/67;  B) Concorrer para o conhecimento, discussão e resolu­ção dos problemas referentes à anistia e aos direitos humano;  C) Elaborar estudos teóricos sobre a anistia e os di­reitos humanos, visando a sua aplicação prática; D) Concorrer para o aprimoramento das instituições democráticas, notadamente aquelas empenhadas em pugnar pela adoção de me­didas que promovam a anistia e os direitos humanos;  E) Trabalhar em prol de uma legislação que regulamen­te a anistia.

 

  A seguir, manifestava a disposição de seus integrantes de realizar ações para promovê-los, entre elas,  promover reuniões, cursos, seminários e conferências sobre temas ligados aos vários aspectos e fatores determinantes da anistia, para seus membros e/ou pessoas interessadas, prestar serviços de assessoria a entidades e organismos de acordo com o presente estatuto, desde que expressamente soli­citado, colaborar com instituições existentes ou que venhama existir, em assuntos relacionados com seus objetivos, mantendo conta­to com instituições e que trabalham pela anistia e pelos direitos humanos, divulgar publicações para a promoção da anistia e dos direitos humanos, bem como de temas relacionados com  seus objetivos, bem como realizar outras atividades necessárias à consecução
cão de seus popósitos, mantendo sempre um regime de colaboração com instituições ou entidades de direito público ou privado, que se ocupem da problemática da anistia e dos direitos humanos.

 

A formação do CBA criou um canal de participação organizada e sistemática, que propiciou a realização das atividades acima citadas.

 

Estas iniciativas congregavam companheiros  identificados com a luta em prol da anistia e populares sequiosos de informações, até então, subtraíadas pela censura remasnescente e pela auto-censura de jornalistas. No entanto, a imprensa da cidade, silenciada durante tantos anos, mostrou-se receptiva às iniciativas do Comite pela Anistia. Cabe destacar, especialmente, o papel arrojado de dois jornalistas, a saber, Wiliam Monteiro, do Diário da Borborema, e de Geovaldo de Carvalho.

 

De forma corajosa, muitas vezes publicaram integralmente as avaliações de conjuntura e as denúncias feitas pelo Comite Brasileiro pela Anistia.

 

 Na televisão,  Chico Maria abriu as portas de seu programa para entrevistar personalidades, ainda estigmatizadas por prepostos do poder autoritário e pelo senso comum, contaminado com a propaganda política do regime militar.

 

Deste modo, a imprensa citadina contribuiu significativamente para socializar o conhecimento de fatos que eram mantidos em segredo por alguns de seus moradores temerosos diante de arbitraiedades precedentes, a exemplo das barbaridades praticadas pelo Major Camara e a existencia de granjas utilizadas para tortura de presos políticos,. À época, denunciadas por Jorge Cirne (Jorjão).

 

Esta denúncia foi enriquecida com detalhes pelo dramático depoimento do vereador João Dantas, prestado à Comissão Estadual da Verdade, no dia 06 de agosto do corrente.

 

Passados poucos dias, a confluencia de esforços de duas entidades recém criadas, a Associação de Docentes da UFPB- Campina Grande e do CBA, viabilizou a realização de concorrido debate no Teatro Municipal Severino Cabral em apoio à ocupação da fazenda que daria origem à comunidade do Pedregal.

Em 1983, havia 1040 domicilios precários na comunidade (IBGE) que se transformou num bairro da cidade no momento presente.

 

Uma série de eventos desta natureza, com a participação de centenas de assistentes, ocorreu no Teatro Municial.

 

Eram precedidos de ritual grotesco. Tinhamos que entregar ofício à Policia Federal. Lá chegando éramos submetidos a práticas vexatórias, à ofensa e à intimidação, perpetrada por  alguns de seus agentes,  que já não tinham mais nenhum poder para impedir a realização destes atos públicos.

 

Produzia-se uma situação bizarra, a Polícia Federal  sem poder para impedir a realização do evento sentia-se no dever de ameaçá-lo com provocações e com a presença de reconhecidos agentes em todas estas atividades.

 

Possivelmente também se utilizava de serviços adicionais prestados por individuos remanescentes de organismos de informação em processo de esvaziamento, a saber o comerciante Bartolomeu e um sargento aposentado, conhecido como Mauricio.

 

À luz do presente, destituida do papel de organismo repressor, de instrumento da falsa segurança nacional,  a polícia Federal pode se voltar a sua função legal, qual seja contribuir para o aprimoramento da cidadania, para a garantia de direitos inalienáveis, bem como investigar e coibir ações em prol da defesa social, a exemplo do tráfego de drogas,  da prostituição de crianças, do uso de trabalho escravo e infantil, dos diferentes atos de violação de direitos humanos e da prática da corrupção que subsiste em nosso país.

 

Com a participação do ex-deputado José Jofilly, abordando a repressão às Ligas Camponesas, na Paraíba, do parlamentar vinculado à ala autêntica do PMDB, Marcondes Gadelha, denunciando arbitrariedades e a legislação casuística do regime militar , do jurista Hélio Bicudo, relatando atrocidades do Esquadrão da Morte, os crimes praticados pelo seu expoente mor,  o delegado Sergio Fleury e sua diligente atuação como promotor público para punir estes atos abomináveis, entre outros eventos, contribuiram sobremaneira para socializar denúncias e informações sobre a luta pela anistia e dotá-la de maior alcance popular.

 

Aos sábados, pelas manhãs, em livarias campinenses, especialmente a Livraria Pedrosa e a Livro Sete, foram lançados vários títulos com temáticas alusivas à anistia e aos direitos humanos com palpitantes debates. Entre eles, A tortura: A história da repressão política no Brasil, de Antonio Carlos Fon, Esquadrão da Morte, de Hélio Bicudo, Dossiê Herzog, de Fernando Jordão Pacheco,  Liberdade para os brasileiros: Anistia Ontem e Hoje, de Roberto Martins,  a reprodução mimeografada do relatório sobre a Repressão à Igreja no Brasil, reflexo de uma situação de opressão, do Centro Ecumênico de Documentação e Informação- CEDI, editada pelo CBA- Campina Grande.

 

Em paralelo, por meio da generosa e dedicada militancia de estudantes, que despertavam para a luta política, o CBA preenchia a vida pública da cidade. Ocupava espaço em eventos culturais, distribuia panfletos no centro da cidade, realizava varios atos públicos no calcadão da Venãncio Neiva e, às escuras, colava cartazes e fazia pichações em áreas periféricas de Campina Grande.

 

Fato pitoresco. Após a colagem de cartazes, realizada de madrugada, dirigiamo-nos dia seguinte ao local para ver a reação dos transeuntes.

 

Na Feira Central deparamo-nos com a estranheza de comerciantes e feirantes diante dos cartazes em favor da anistia.

 

O que era aquilo? Perguntavam-se.

 

O esforço em prol da divulgação e da popularização da anistia absorveu fecundas energias desta juventude que não mediu esforços para fazer valer suas convições.

 

Dia e noite um dedicado grupo de estudantes e professores mantinha-se mobilizado.  Enfrentavamos discussões acaloradas, acompanhadas de algumas atividades por vezes desgastantes, para dar corpo a esta campanha generosa, centrada numa palavra tão expressiva para nós, porém ainda desconhecida de grande parte da população campinense.

 

Este processo era similiar ao que ocorria em vários logradouros do país, uma vez que no início de 1979, a luta pela anistia, ampla, geral e irrestrita já não estava limitada apenas a grandes centros urbanos, espalhara-se por cidades interioranas e regiões periféricas do país.

 

Aos sábados, miltantes dos Comites Brasileiros pela Anistia da região nordeste dirigiam-se ao Presidio de Itamaracá, para se somar aos familiares de presos políticos para-lhes prestar a  assistencia possivel e a indispensável solidariedade.

 

A época havia 17 presos políticos em Itamaracá.

 

Estas ações desenrolar-se-iam durante todo o ano de 1979. Intensificaram-se às vesperas do mês de agosto, após o anúncio do projeto de lei de anistia parcial do governo.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 


Data: 23/08/2013