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Artigo - Os Direitos Naturais e o Estado Mínimo

José Maria Nóbrega Jr

 

A teoria dos direitos naturais surgiu com as ideias dos filósofos modernos do jusnaturalismo. Thomas Hobbes, John Locke e Jean Jacques Rousseau são os expoentes dessa escola. Também conhecidos como contratualistas – para eles a sociedade civil ou política surgiu com um pacto social onde os indivíduos perdiam parte de sua liberdade para a garantia de sua segurança – esses pensadores defendiam que os indivíduos, mesmo no estado de natureza, tinham certos direitos inatos que, na ausência de um ente que garantisse tais direitos, estavam ameaçados por uma realidade perversa de guerra de todos contra todos (Hobbes), ou sofrendo as intempéries da imprevisibilidade do estado de natureza (Locke), ou pelo conflito gerado com o surgimento das posses que levariam os homens a um estado conflituoso (Rousseau). Os direitos naturais seriam os direitos individuais aos quais os homens teriam a garantia as suas vidas, a liberdade, aos bens e a buscar a felicidade de forma individual. Esses componentes estão enraizados nas cartas constitucionais dos estados democráticos de direito na nossa contemporaneidade.

Os jusnaturalistas tinham visões diferenciadas do estado de natureza. Hobbes enxergava esse estado como um estágio contínuo de conflitos e de falta total de segurança onde a única esperança de controlar os conflitos seria a submissão dos indivíduos a um poder soberano absoluto para a garantia da paz e do arrefecimento do medo (inclusive da morte violenta). Já Locke via o estado de natureza como um estágio de certa harmonia onde esta condição seria interrompida caso a racionalidade não fosse respeitada. Como, para ele, a irracionalidade era algo inerente a alguns homens sem virtude, isto levaria a ameaça da propriedade privada – esta existente mesmo sem a presença do estado político e/ou civil. Dessa forma, só haveria garantia da segurança individual através de um contrato social por consentimento dos cidadãos (proprietários) para a resolução dos inconvenientes provocados pelos poucos atores sociais irracionais encontrados no estado de natureza. Rousseau tinha uma visão idílica do estado de natureza, onde o homem vivia num dado momento histórico (passado primitivo), uma realidade de paz e ordenamento que fora quebrada com o surgimento da propriedade privada. Portanto, para por termo aos conflitos gerados com o surgimento da propriedade, um contrato social entre cidadãos iguais em direitos seria firmado para a mínima condição de controle social na sociedade surgida com a modernidade.

Percebe-se claramente a preocupação dos jusnaturalistas em defender os direitos naturais do homem. Direitos esses que se tornaram universais pelas declarações de defesa dos direitos humanos. Seriam os direitos de primeira geração, ou seja, os direitos básicos de cidadania, antes mesmo dos direitos políticos e sociais. O direito à vida, a liberdade, aos bens possuídos através do trabalho e a livre busca pela felicidade individual deveriam ser garantidas e respeitadas pelo estado. Inicialmente esses direitos estavam vinculados à concepção burguesa de sociedade. Hoje, nas democracias modernas, esses direitos avançaram para a ampla maioria dos indivíduos, sejam burgueses ou proletariados. Patrões ou empregados. Professores ou empregadas domésticas. Estudantes ou profissionais liberais. Militantes políticos ou pessoas alienadas politicamente. Todos e todas que fazem parte de um estado-nação (ou estado-nações, ou mesmo estados-nação).

Os direitos naturais passaram a ser direitos positivos a partir de suas inserções nas constituições democráticas contemporâneas. A democracia moderna, além de uma das formas de governo clássicas, passou a ser um regime político onde o estado é limitado em seu poder e os governos que os administram gerenciam-no através de regras as quais os indivíduos, agora cidadãos ativos do estado de direito democrático, implementam através de seus representantes nos poderes legislativos – poder onde se encontra, ou deveria se encontrar, os interesses legais e regimentais dos indivíduos em sociedade. Todo governo dentro desse regime seria limitado em seu poder pelos direitos naturais dos indivíduos. O todo social está (ou estaria) condicionado as vontades dos indivíduos, não apenas a vontade da maioria.

O jusnaturalismo está presente na Constituição Brasileira de 1988. Mas, esta instituição política é ambígua. Ou seja, limita a liberdade dos direitos naturais ao positivar em seus artigos amplos direitos sociais e garantias constitucionais a grupos considerados minoritários, diferenciando-os dos demais cidadãos. Esses artigos terminam limitando drasticamente o componente liberal (dos direitos naturais) encontrado na Constituição. Com amplos direitos sociais a Constituição leva o estado a se aproximar muito mais de um modelo absolutista (socialista) que liberal. Limita os indivíduos em sua iniciativa privada e amplia a intervenção de um estado paternalista e maximalista.

A democracia como regime politico perpassa o “eleitoralismo” do seu conceito subminimalista. Além da forma de governo onde os indivíduos escolhem ou produzem o mesmo, é um modelo de estado. Um estado liberal somado ao individualismo metodológico (forma de produção do governo onde o cidadão livre escolhe seus representantes para o governo e para o legislativo – órgão de fiscalização do governo). As democracias quando avançam na perspectiva social ao garantir direitos sociais antes da garantia dos direitos naturais terminam por limitar ainda mais o componente liberal, levando os governos a interferirem drasticamente na vida privada dos indivíduos. O resultado disso são tributos que oneram a produção e o trabalho. Ou seja, que limitam a liberdade dos burgueses e dos proletários contemporâneos. Impedem o avanço da economia e elevam os juros do mercado a percentuais insuportáveis.

Portanto, os direitos naturais (o componente liberal) estão na raiz do regime político democrático. Daí o estado passa a ter o papel fundamental de garantir a ordem mantendo os direitos civis básicos (vida, bens, liberdade e, por sua vez, a felicidade) dos indivíduos sob segurança. Quando os direitos de grupos ou certos direitos sociais passam a ser mais importantes que o direito natural individual a democracia está ameaçada. Quanto maior o avanço do estado na cobrança de tributos para distribuir renda e interferir na “felicidade” de seus membros, maior o risco de retrocedermos a um regime paternalista e, por sua vez, autoritário.

 

José Maria Nóbrega Jr. é cientista Político e Professor da CDSA/UFCG


Data: 06/08/2013