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Artigo - Estou com o Papa e não abro

Wagner Braga Batista

 

Cheguei ao Rio de Janeiro sob forte chuva e frio cortante. Porém a cidade exalava cheiro e calor humano.

As onze horas da noite, defrontei-me com milhares de jovens de mãos dadas.

Sem se importar com o rigor climático caminhavam pelas ruas. Não se tratava de uma manifestação política, mas de um ato de congraçamento, de alegria e de religiosidade. Com seus cânticos e coreografias, celebravam sua fé. Ocupavam o centro das atenções de trabalhadores cansados, retidos no transito congestionado, bem como de atônitos moradores da orla marítima, que, excepcionalmente, trocaram  televisões pelo espetáculo da vida.

Pela janela do ônibus, tinha a oportunidade de observar a sintonia desta gente, vinda de todas as partes, depositária de tantas vocações, misto de culturas e de linguagens, partilhando a presença e vivenciando o que chamam de comunhão.

Por meio de precário conhecimento sociológico aprendi que vocações religiosas apresentam desdobramentos controversos.

Podem se expressar por meio de tendências conservadoras, sufocando anseios e necessidades prementes, comportando-se como o ópio do povo. Mas, também, estimulam o exercício da consciência e da fraternidade que sedimentam identidades na luta em defesa dos oprimidos e explorados. Pode-se dizer que ambas vocações estão comprometidas com teleologias que negam a materialidade dos fatos e exigências da vida terrena.

Contudo, esta suposição não me parece tão plausível.

Paradoxalmente, eu que careço de espiritualidade, conseguia identificar sua pujança. Conseguia perceber como mitos, crenças, convicções, linguagens e a fé, assim como a razão, são mobilizadoras de poderosas forças materiais.

Dominado por sentimento telúrico, percebia que o Rio de Janeiro, transmutara-se no que verdadeiramente é.

Injustamente, reputado como capital do crime por articulistas que ignoram a existência de São Paulo e de Brasília, a cidade forneceu solenes demonstrações de respeito humano e de solidariedade.

Sua população resgatou a imagem da cordialidade que ocupa meu imaginário de infância.

Novamente, vivifiquei o Rio de Janeiro da generosidade, da gentileza perdida, da cordialidade, da conversa despretensiosa, das piadas politicamente incorretas que convidavam a amigos ao riso e a celebração de suas diferenças.

Práticas como confraternização e comunhão são universais. São fecundas. Comuns a todas culturas e a todos os homens. São frutos da religiosidade verdadeira e de autênticas convicções humanitárias.

Intimamente me regozijo de ter presenciado estes fatos auspiciosos.

Apesar de não ser religioso, senti a grata satisfação de assistir ao desencadeamento de fecundo processo de renovação e de revitalização da igreja católica apostólica romana.

Pude vê-la se reaproximar dos pobres e deserdados. Abdicar da pompa e da riqueza para afirmar ideais da cristandade.

Vê-la promovendo o diálogo e o ecumenismo que se contrapõem a emulações belicistas e competitivas geradas pela economia de mercado.

Vê-la rejeitando anátemas e cismas religiosos para sinalizar o encontro e a fraternidade de povos e culturas distintas.

Vê-la mergulhada num esforço de modernização, que não a limita a se ocupar com a hermenêutica de textos sagrados, mas impõe que se projete na tentativa de compreender a realidade social, de atender exigências da  atualidade e a necessidades humanas.

Mais uma vez, ouvi Francisco, falar de seus missionários:

-A igreja não pode falar exclusivamente por meio de seus textos, incapacitando-se para se comunicar com o povo.

É alvissareiro ouvir o Papa se debruçar sobre a gente humilde, abençoar mães solteiras como todas as mães, abraçar resgatados das drogas, condenar o assassinato de meninos de rua na Candelária e festejar a esperança de um mundo melhor.

É promissora a mensagem deste jesuíta que acena com a coragem para revitalizar a política e combater a corrupção.

Deste homem, que, humanamente, se vale do púlpito para repelir o pragmatismo da economia perversa, que transforma a queda da bolsa em tragédia, mas se mantém incólume frente à desnutrição e à morte de crianças.

Esta é a globalização da indiferença, assevera o Papa, ensejando uma cultura do encontro.

Ouvi suas palavras:

-Urge a proximidade, não é possível que diferentes crenças e convicções subsistam a custa do sofrimento alheio.

Sou marxista, porém estou com Francisco...e não abro.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 29/07/2013