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Artigo - O dia em que Campina Grande parou

Wagner Braga Batista

 

Campina Grande é uma cidade peculiar.

Depois de três décadas bebendo água do Boqueirão, consigo perceber alguns traços característicos  da vida desta cidade. 

Campina Grande é uma cidade progressista. Pode sofrer eventuais retrocessos políticos, mas é uma cidade politica e culturalmente democrática.

Arrisco-me a dizer que, aqui, qualquer sujeito que quiser ser reacionário, se obriga a se dizer de esquerda. Ou, ao menos,  parecer de esquerda.  

Não terá exito neste mister, se disser que é autenticamente reacionário.

 Sendo assim, terá que fazer carreira em outro logradouro.

Ontem, novamente, a cidade respirou ares de civilidade e de democracia.

Reeeditou uma passagem ímpar da história do movimento sindical brasileiro, vivenciada há quase 20 anos atrás.

Trata-se da greve geral nacional convocada pelas centrais sindicais de trabalhadores, CUT, CGT e Força Sindical, em 21 de junho de 1996.

Na oportunidade, a mobilização envolveu milhões de trabalhadores. Em todo Brasil, apenas uma cidade parou:  Campina Grande.

A manifestação do dia 11 de julho do corrente reproduziu com maior organização, consistência e vigor a experiência passada.

Campina Grande mais uma vez forneceu inegável demonstração de corencia política. Além do que, não houve registro de incidentes graças à maturidade e ao equilibrio de organizadores da manifestação e o bom senso das guarnições policiais.

Sem renunciar aos objetivos da manifestação, evitaram contenciosos, que de um lado colocariam em risco à manifestação, de outro submeteriam policias ao crivo crítico da opinião pública.

Manifestantes reduziram o tom dos discursos e puderam ser ouvidos por grande parte da população, ainda receosa, e pelos comerciários que saiam das lojas para aderir à manifestação pacífica, democrática e acolhedora.

Graças a esta postura política, a manifestação cresceu, gozou da simpatia da população e certamente eliminou desconfianças em relação aos objetivos deste movimento amplo e unitário.

O ato unitário, convocado por 8 centrais de trabalhadores, por entidades estudantis, movimentos sociais, pastorais e organizações populares, atendeu à agenda nacional que mobilizou   centenas de milhares de trabalhadores que convergiram para cerca de 82 manifestações em todo país.

A pauta de reivindicações, consistiu de oito pontos:

1 – Redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, sem redução salarial

2 – Fim do Projeto de Lei nº 4330 que amplia a terceirização

3 – Reajuste digno para os aposentados

4 – Fim dos leilões do petróleo

5 – Investimento de 10% do PIB em Educação

6 – Investimento de 10% do orçamento da União na Saúde

7 – Transporte público de qualidade e a preço justo

8 – Reforma agrária

Circunscrito à pauta de reivindicações, formulada pelas centrais sindicais, este amplo movimento absorveu demandas, bem como manifestação contrária ao monopólio do setor de comunicações.

Pois bem, voltemos a falar da excepcionalidade de Campina Grande.

Graças à interlocução e ao bom entendimento entre organizadores da manifestação e as guarnições policiais.

A postura respeitosa , sem comprometimento da identidade politica dos manifestantes e dos objetivos do ato público, assegurou que não houvesse confrontos, nem vandalismo ou provocações.

Diversamente do que ocorreu em várias cidades do país, Campina Grande permitiu que a sintonia do povo com seus anseios se manifetasse, livremente, nas ruas.

Nosso velho companheiro Michell Zaidan, ciitando Walter Benjamin, advertia-nos:

 

...para a classe operária e o povo humilde e simples o Estado de Exceção é a regra. Aquilo que os demais chamam "Exceção" (a suspensão das garantias constitucionais e das liberdades fundamentais) é uma interrupção episódica num Estado que é a norma permanente para as classes subalternas. Quando se trata de combater ou reprimir o diferente, o discordante, o revoltoso, imediatamente o chamado "Estado de Direito" se transforma num Estado autoritário, que criminaliza qualquer tipo de manifestação ou protesto. É aí que o "poder de polícia" do Estado democrático, autoproclamado como sua salvaguarda, se torna o poder, o simples poder contra os cidadãos.[1]

 

A consciencia dos organizadores da manifestação e a força da organização popular evitaram que o poder de polícia se manifestasse contra si.

Com muita maturidade, organizadores da manifestação reconheceram a contribuição das guarnições de policiais militares ao propor que as lojas comerciais liberassem seus empregados e evitassem incidentes inoportunos.

O que está ocorrendo em vários Estados do país- manifestações de truculência do aparato policial-  não se verificou nas manifestações locais.

Este é um aspecto que requer reflexão.

Sem renunciar às particularidades dos movimentos sociais, suscita a necessidade de diálogo que evite confrontos desnecessários e coloque a segurança pública a serviço da defesa de direitos do povo..

A nosso ver, na atual conjuntura, a verdadeira radicalidade do movimento social implica em que se situe  em patamares políticos e organizativos mais elevados. Quais sejam, a definição de pautas unitárias, a coesão política dos segmentos que o compõem, a busca de hegemonia por intermédio de debates democráticos e fraternos, a ampliação e mobilização de todos setores da sociedade que estão hesitantes, mas são sensíveis às manifestações de rua.

Consiste em ganhar a confiança da população, fornecer densidade à luta pelo aprofundamento da democracia, pela revitalização de instituições públicas e pela ampliação de direitos sociais.

Deste modo, poderemos avançar para a  consecução desta pauta de reivindicações consensual que contempla demandas básicas de grande parte da população..

Para alguns companheiros, são objetivos limitados. Talvez sejam.

Mas são tangíveis para a imensa maioria da população que começa a despertar para  a luta em defesa de seus direitos.

Lembrem-se: direitos sociais desconhecidos, são direitos inexistentes.

Há uma infinidade deles, previstos em lei, postergados ou subtraídos pela falta de regulamentação, bem como pela falta de atençaõ e de execução pelo poder público.

É preciso colocar estes direitos sociais em primeiro plano, acima de interesses corporativos..

Os interesses corporativos e residuais não podem se sobrepor a direitos sociais. A demandas inadiáveis e irretutíveis da grande maioria da população brasileira.

 


[1] Michel Zaidan Filho, Estado de exceção URL: http://gilvanmelo.blogspot.com.br/2013/07/estado-de-excecao-michel-zaidan-filho.html

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 16/07/2013