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Artigo - A base teórica do Tolerância Zero

José Maria Nóbrega Jr.

 

O Tolerância Zero tem como base teórica o  artigo seminal de Wilson e Kelling (1982), “Broken windows: the Police and neighborhood safety”, que foi o ponto de partida do programa de segurança pública de Nova Iorque e de outras cidades. As broken Windows não se mostram como uma teoria elaborada. Seria mais uma série de “noções” onde uma delas tem como base uma teoria “involutiva” do crime, onde este começaria pequeno, cresceria e se tornaria grande. Teria como base a ausência de autoridade e de ordem nos espaços públicos. Esses espaços se tornariam amplos para a prática de delitos quando da ausência do estado como autoridade, como mantedor da ordem (Soares, 2008: 170).

 

As janelas quebradas seriam uma alusão aos espaços públicos vertidos de pequenas incivilidades. Pichações, urinar em público, bêbados na rua, moradores e meninos de rua, invasões de áreas públicas e privadas, dentre outros levariam a comportamentos destrutivos do espaço urbano dando a impressão de que não existe ordem. Com esses alargamentos, o crime seria o próximo passo.

 

Essa teoria intenciona medir a relação causal entre desordem e criminalidade. Parte de um princípio normativo que define desordem como um comportamento inadequado também relacionado a pequenas incivilidades. A fragilidade no controle social por parte das autoridades públicas abriria espaços para práticas delituosas advindas do comportamento desordeiro.

 

O estudo de Wilson e Kelling (1982) revolucionou as análises científicas da moderna criminologia norte-americana. O foco da teoria é o ambiente abandonado pelo poder público que geraria espaços oportunos de práticas desordeiras ou delituosas. Com a presença do ator estatal e de sua disposição para agir no controle do comportamento desviante, evitaria o crime no futuro.

 

Skogan (1990) realizou uma pesquisa em algumas cidades americanas para tentar medir o impacto da desordem na criminalidade. Apontou para uma forte correlação entre desordem social e criminalidade, onde a sua pesquisa – que foi baseada num total de 13.000 pessoas residentes entrevistadas em Atlanta, Chicago, Houston, Filadélfia, Newark e São Francisco – demonstrou que a desigualdade, a pobreza e o desenvolvimento econômico tinham pouca relação com o crime, mas as desordens provocadas por espaços abandonados e comportamentos advindos da falta de controle social estariam na raiz da criminalidade naquelas cidades analisadas.

 

Kelling e Coles (1996) demonstraram a relação causal entre criminalidade violenta e a não repressão aos pequenos delitos e contravenções. Apontaram que a polícia americana veio abandonando seu caráter de controle e manutenção da ordem pública no século XX, para dedicar-se exclusivamente ao combate à criminalidade. O aumento da violência estaria, segundo os autores, ligado a mudança de estratégia adotada pela polícia. A prevenção do crime também era atributo da polícia e, com o passar do tempo, ela arrefeceu seu caráter preventivo apenas dedicando-se a combater a criminalidade. O papel do policial como agente da comunidade, entrando e convivendo com ela, foi abandonado, o que favoreceu o aparecimento de escotilhas sociais para a prática delituosa.

 

Kelling e Coles (1996) apontaram para a necessidade da criação de relações de confiança entre a comunidade e a polícia para a geração de accountability por parte daquela. Sem confiança institucional seria praticamente impossível manter a ordem pública e, ao mesmo tempo, combater à criminalidade violenta. A confiança seria o combustível para uma relação de reciprocidade entre a comunidade e a polícia que depende muito dessa relação para solucionar crimes. Por isso, seria de fundamental importância o policiamento comunitário para a criação do vínculo de confiança entre a polícia e os indivíduos da comunidade em questão.

 

O abandono, por parte do estado, da manutenção da ordem pública leva ao recrudescimento da criminalidade, pois das pequenas janelas quebradas (pequenas incivilidades,como apontado por Soares (2008), geram-se espaços mais amplos de oportunidades de violência que, das janelas quebradas, ao restante da casa ou do edifício, numa linguagem metafórica, toda a estrutura social desmorona. As pequenas incivilidades geram os pequenos delitos e desses surgem os crimes violentos.

 

 

José Maria Nóbrega Jr. é doutor em Ciência Política pela UFPE e professor adjunto da UFCG.


Data: 12/12/2012