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Artigo - O ensino superior e a regulamentação da profissão de designer (Parte I)

Wagner Braga Batista

 

A análise de qualquer processo social exige a recuperação histórica de sua origem e de seu transcurso.

Este procedimento nos permite contextualizar o que estamos analisando, bem como fazer projeções, realizar prognósticos e indicar possíveis tendências deste processo.

 

O grupo social que despreza sua História incapacita-se para constituir identidade e coesão orgânica.

Esta advertência é relevante para desenhistas industriais e designers ao se defrontarem com o processo de regulamentação da profissão.

 

Enfatizamos que o processo de regulamentação da profissão, ora tramitando na Câmara dos Deputados, está sujeito a condicionamentos históricos que nos remetem a alguns desafios e questões, entre elas:

Como se formou e se moldou este campo profissional?

 

Quais suas peculiaridades?

 

O que identifica o profissional desta área?

 

Não podemos nos eximir da tentativa de respondê-las.

 

Observamos que a nossa atividade se insere no amplo espectro das profissões liberais.

 

Para exercê-las exige-se que os profissionais tenham formação superior. Donde se infere que, uma vez regulamentada a profissão, seu exercício implicará em que todo profissional seja graduado nesta área de atividade.

 

Profissionalização e educação formal caminham juntas.

 

Ao examinarmos os nexos que se estabelecem entre a formação e a prática profissional, partimos do pressuposto que a qualidade da atuação profissional é indissociável da qualidade da formação educacional.

 

Quando falamos de requisitos essenciais para o reconhecimento e a regulamentação da profissão não podemos ignorar as práticas profissionais vigentes e os padrões de qualidade dos cursos de desenho industrial e de design.

 

Estes indicadores de desempenho são imprescindíveis para fundamentar a defesa da regulamentação da profissão.

 

Com este objetivo, procuraremos articular indicações de  avanços no campo educacional com a conquista da  visibilidade e do reconhecimento da atividade profissional.

 

Levantamento feito em abril de 2012 no cadastro de cursos do EMEC- Banco de dados do INEP, ofereceu-nos o seguinte quadro:

 

Unidade Federativa

Bacharelado

Tecnológico

EAD

Total

Acre

-

1

1

1

Alagoas

2

5

1

7

Amazonas

4

6

2

10

Amapá

1

2

1

3

Bahia

16

8

2

24

Ceará

4

12

1

16

Distrito Federal

6

14

2

20

Espírito Santo

10

6

2

18

Goiás

6

10

2

16

Maranhão

5

4

2

9

Minas Gerais

32

22

2

54

Mato Grosso do Sul

5

4

2

9

Mato Grosso

-

4

2

4

Pará

6

6

2

12

Paraíba

3

6

1

9

Paraná

45

17

-

62

Pernambuco

7

11

1

22

Piauí

2

6

1

8

Rio de Janeiro

37

27

1

64

Rio Grande do Norte

1

3

1

4

Rio Grande do Sul

47

29

2

76

Rondônia

-

3

3

3

Roraima

-

2

1

2

Santa Catarina

66

25

2

92

São Paulo

134

120

3

254

Sergipe

2

2

1

4

Tocantins

-

1

1

1

 

Fonte: BATISTA, Wagner-  Contribuição para a análise dos processos de avaliação dos cursos de Desenho Industrial e Design ,  Anais do X Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luis, UFMA, 2012.

 

Em setembro do corrente, algumas mudanças quantitativas  já se faziam notar.

 

Pudemos constatar a existência de 779 cursos de bacharelado e tecnológicos cadastrados neste Banco de Dados do INEP, sendo 698  de design e outros 81 de desenho industrial.

 

Destes, 178 encontram-se extintos ou em processo de extinção.

 

Estes cursos, realizados em regime presencial, estão distribuídos em todo país, salvo nos estados do Acre e Tocantins, nos quais são oferecidos apenas na modalidade a distância. 

 

Concentram-se na região sul / sudeste, com maior densidade no Estado de São Paulo, que responde pela oferta de 255 cursos, 32, 7 % deste total.

 

Se por um lado é significativa a expansão do ensino de graduação, que oferece lastro para a atividade profissional e fortalece a defesa da regulamentação da profissão, por outro lado há que se reparar a deficiente qualidade dos padrões educacionais, expressos pelo desempenho insatisfatório de 8,47 % dos cursos existentes, sinalizado  pelo Conceito Preliminar de Curso- CPC igual a 2 ou 1. Ou seja, há expressiva indicação de disparidades, de lacunas e de deficiências na formação de desenhistas industriais e designers.

 

O quadro da pós-graduação também é deveras significativo. Oferece indicações bastante positivas do aprimoramento da formação acadêmica e da pesquisa em nossa área de atividade em sintonia com a expansão da pós graduação strictu senso no Brasil.

 

 

REGIÃO

Programas e Cursos de pós-graduação

Totais de Cursos de pós-graduação

 

Total

M

D

F

M/D

Total

M

D

F

 

Centro-Oeste

277

134

7

29

107

384

241

114

29

Nordeste

665

335

17

72

241

906

576

258

72

Norte

180

100

5

25

50

230

150

55

25

Sudeste

1.596

409

22

217

948

2.544

1.357

970

217

Sul

696

266

6

84

340

1.036

606

346

84

Brasil:

3.414

1.244

57

427

1.686

5.100

2.930

1.743

427

CAPES URL: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarRegiao

 

 Data Atualização: 19 de setembro de 2012 Legenda:   M - Mestrado Acadêmico   D - Doutorado   F - Mestrado Profissional   M/D - Mestrado Acadêmico/Doutorado

 

Ainda que os programas de pós-graduação estejam concentrados na região sudeste, o que provoca enormes dificuldades para a capacitação de profissionais de estados do norte e nordeste, torna-se auspiciosa a existência de centenas de doutores e mestres distribuídos em todo o pais, bem como o registro de 8 programas de pós graduação em desenho industrial e design e 20 cursos específicos ou congêneres neste nível de qualificação.

 

 

GRANDE ÁREA: CIENCIAS SOCIAIS APLICADAS

ÁREA (ÁREA DE AVALIAÇÃO)

Programas e Cursos de pós-graduação

Totais de Cursos de pós-graduação

Total

M

D

F

M/D

Total

M

D

F

 

DESENHO INDUSTRIAL ( ARQUITETURA E URBANISMO )

15

8

0

2

5

20

13

5

2

 

Brasil:

422

186

2

74

160

582

346

162

74

 

CAPES: URL: http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarArea&codigoGrandeArea=60000007&descricaoGrandeArea=CI%C3%26%23138%3BNCIAS+SOCIAIS+APLICADAS+

Data Atualização: 19/09/2012  Legenda:   M - Mestrado Acadêmico   D - Doutorado   F - Mestrado Profissional   M/D - Mestrado Acadêmico/Doutorado

 

O avanço do ensino de graduação e a subsequente formação de 8 programas de pós-graduação específicos e duas dezenas de cursos congêneres, refletiram-se no desenvolvimento de projetos de pesquisa e de extensão, consolidados em resultados que fornecem visibilidade a esta área de conhecimentos.

 

Oferecem, também,  a percepção de que esta atividade não é apenas empírica e operacional, uma vez que requer contínuo e sistemático aprofundamento teórico e científico.

 

Sou de uma geração, que sofreu um abrupto corte em sua formação provocado por medidas repressivas e pela influencia ideológica dos articulistas do regime militar.

 

Fomos induzidos a supor que os estudantes e profissionais de desenho industrial e design não gozavam de modo pleno de suas faculdades mentais e estavam proibidos de pensar.

 

Neste contexto, prevaleceu a lógica empirista que condenou o design a ser refém de manuais técnicos e do empirismo que inibiam a reflexão, a pesquisa e a elaboração teórica.

 

A defesa da regulamentação da profissão é indissociável da melhoria dos padrões de qualidade do ensino de Desenho Industrial e Design. A expansão vertiginosa do ensino privado na década de 1990 e as limitações do precário Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior- SINAES contribuem para a existência de enormes hiatos no desempenho educacional.

Atualmente há 767 cursos de Desenho Industrial e Design, implantados em todo território nacional.  Cursos de Design a distância, com padrões de qualidade questionáveis, são ofertados em quase todo país, exceto no Estado do Paraná.

 

Sob outro prisma, a existência de 93 cursos em processo de extinção, 23 de Desenho Industrial e 70 de Design, bem como de 94 extintos, 13 de Desenho Industrial e 71 de Design, revelam grandes disparidades no ensino.

A análise da expansão desordenada dos cursos evidencia a inexistência ou fragilidade de política educacional e de estratégias de planejamento em instituições de ensino superior.

 

Face à quantidade de cursos e a estimativa de formandos ao final de cada semestre letivo somos levados a presumir que a cada ano 7 mil desenhistas industriais e designers ingressem no mercado de trabalho.

 

O impacto sobre mercado de trabalho saturado e permeável a relações profissionais adversas é visível.

 

Egressos de cursos deficientes encontram barreiras maiores e se veem na contingencia de desenvolver atividades incompatíveis com sua formação, além de se sujeitarem a condições de trabalho que depõem contra estatuto profissional desejado.

 

A consolidação do processo de regulamentação impõe a definição de padrões de qualidade educacional compatíveis com o elevado nível que se almeja para o exercício da profissão.

 

Em que pesem estas advertências convém enfatizar o que é proeminente e positivo em nosso campo de atividades.

É salutar que tenhamos alguns excelentes cursos de graduação, programas de pós-graduação  consolidados, teses e dissertações com reconhecido padrão de qualidade, centenas de grupos de pesquisa formados, periódicos científicos indexados, eventos técnicos científicos sendo realizados desde 1994, entre outras evidencias que comprovam a qualificação profissional de alto nível, exigência basilar para o exercício legal desta profissão.

 

A nosso ver, uma vez aprovada no Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, a efetividade da regulamentação profissional estará apoiada num tripé:

 

1- A qualidade da formação educacional;

2 - A proficiência técnica dos profissionais;

3 - O aprimoramento do senso crítico e ético dos integrantes desta área de atividades.

 

Toda formulação esquemática, presumidamente didática e de fácil assimilação, é limitada. Porém adotamos este procedimento porque, a nosso ver, duas dimensões do processo de regulamente são imperativas. Uma que precede a regulamentação, a consistente formação propedêutica dos estudantes. Outra que nos remete a uma visão prospectiva,  a prevalência do senso crítico e ético no tratamento de questões afetas ao exercício da profissão regulamentada.

 

A luta pela regulamentação da profissão não se iniciou ontem. Temos um amplo legado de experiências que deve ser recuperado e valorizado a bem da história do desenho industrial ou design no Brasil.

 

Passadas algumas décadas, quase meio século de tentativas de regulamentação da profissão , desde a formulação do Estatuto da Associação Brasileira de Desenho Industrial- ADI, em 1963, podemos registrar sete experiências das infrutíferas de aprovação de sete projetos de lei com este objetivo.

 

Quadro sinóptico

 

Autor / Projeto de Lei / ano

Título

Desfecho / ano

Athiê Jorge Coury,  PTB/ SP PL 2946/1980

Dispõe sobre o exercício da profissão de Desenhista Industrial e dá outras providências.

Arquivado nos termos do Artigo 116 do Regimento Interno da Câmara em 2 de fevereiro de 1983.

Celso Peçanha, PTB/RJ

PL 1055/ 1983

Regulamenta o exercício da profissão de Desenhista Industrial.

Arquivado com base no Artigo 1º , alínea A, da Resolução 6/ 89 da Câmara dos Deputados em 05 de abril de 1989

Maurilio F.Lima, PMDB/ PE

PL 3515/ 1989

Regula o exercício da profissão de "Designer."

Arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara em 2 de fevereiro de 2002

Chico Amaral, PMDB-SP

PL 4241/ 1993

Regulamenta o exercício da profissão de Desenhista Industrial

Arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara em 2 de fevereiro de 2002

Hugo S. Lagranha  PTB/ RS PL 1965/1996

Regula o exercício da profissão de desenhista industrial e dá outras providências

Arquivado com base no Artigo 133 do Regimento Interno da Câmara em 21 de maio de 1998

José Carlos Coutinho PFL/ RJ PL 6647/2002

Regulamenta o exercício profissional de desenhista industrial, e dá providências.

Arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara em 31 de janeiro de 2003

Eduardo Paes PSDB/ RJ 

PL 2621/2003

Regulamenta o exercício profissional de Desenhista Industrial, e dá providências.

Arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara em 1º de fevereiro de 2007

Jose Luiz Penna, PV / SP

PL 1391/2011

Dispõe sobre a regulamentação do exercício profissional de Designer, e dá providências.

Em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania- CCJC

BATISTA, Wagner-   Contribuição para a análise dos processos de avaliação dos cursos de Desenho Industrial e Design Anais do X Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luis, UFMA, 2012

 

No momento, defrontamo-nos com uma situação auspiciosa.  Encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania- CCJC, da Câmara Federal, o Projeto de Lei 1391, de autoria do deputado José Luiz Penna, que nos oferece novo horizonte na luta em defesa da regulamentação da profissão.

 

Esta sinalização requer a sensibilidade, o compromisso, o envolvimento e a mobilização de todos estudantes e profissionais de nossa área.

 

É mais um aceno e um passo na direção de um cenário que pode se configurar na melhoria nas condições de trabalho, a exigência de qualificação profissional e a imposição de preceitos éticos que dignifiquem o exercíico profissional.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 15/10/2012