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Artigo - Drummond, Nava e a greve nacional dos professores

Wagner Braga

 

 

Entretido com o cheiro do azul e as incongruências do frio, afinal o frio faz bem aos ricos e sacrifica os pobres, não me dei conta de que estava em Belo Horizonte.

 

Nesta cidade, ouve-se chamados. E eu, um ser comum, também, ouvi um chamado.

 

Não se tratava de um chamado divino, nem tampouco fantasmagórico, proveniente das plagas de Ouro Preto ou Mariana.

 

Como estava próximo à sede da Guarda Municipal, imaginei que fosse uma abordagem ou tivessem me confundido com um personagem de novela, o canalha do Pereirinha, e intentassem um autógrafo.

Equivocara-me.

 

Eram dois velhos conhecidos, oriundos de antigas estantes repletas de pó e da extinta Livraria São José, na rua do mesmo nome, no Rio de Janeiro. Lá, em meados dos anos 60, tive contato com os primeiros fungos e bacilos, bem como com os livros da Editora Vitória, sucateados após o golpe de 64, que me contaminaram com o incurável vírus do marxismo.

 

Mas, enfim, voltando ao cruzamento da rua Bahia, ouvi o chamado.

 

-Ora vejam!

 

Atônito, surpreendi-me com a invulgar falta de cerimônia de dois expoentes da literatura nacional e baluartes da cultura mineira: Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava.

 

Julgava-me um reles anônimo nas ruas desta cidade e eis que de repente sou brindado com este notável encontro e a interpelação de Nava.

 

-E aí meu jovem?( é claro, o jovem foi uma deferência ) E a greve das federais?

 

-Há anos estou distante das lides sindicais.

 

-Mas, como? Retrucou o cronista. Você está dando ombros para a educação pública?

 

-Não é bem assim. Ainda abismado, relutei em me pronunciar.

 

-Estou curioso, replicou Drummond.

 

- Veja o descaso com a educação. O manifesto dos liberais foi esquecido. O ensino pago avança a passos largos e nossos mestres nas instituições públicas ficam a bater cabeças.

 

Nostálgico, falou de Capanema e de Getúlio. E eu, para evitar polêmica, mantive-me calado. Fiquei a me ver frente ao ex-camarada Aloísio Mercadante, ou talvez, aquele que se vulgarizou nas hostes petistas, como o ex-Aloisio Mercadante.  Também acometido de saudosismo,  lembrei-me de suas proclamadas políticas de transição, que ao invés de viabilizar as PUCs, abriram caminho para convalidar a transferência de recursos públicos para o ensino privado.

 

-Pois é, não podemos esquecer a educação e as instituições públicas, asseverou Drummond.

 

-Correto, anuiu Pedro Nava.

 

- A greve deve colocar em primeiro plano a educação pública no ensino superior. Além de paralisar momentaneamente as universidades públicas, vocês professores têm um  grande desafio: fazê-las funcionar intensa e continuamente, com esmerada qualidade, assegurando que a educação pública superior atenda ao anseio de todos que necessitam dela.

 

- Pois é Nava, retorquiu Drummond, há alguns problemas.

 

- Carlos, permita-me, também tenho minhas ressalvas, porém não é hora propícia para externá-las.

De forma serena e ponderada, disse Nava:

 

-Depois de encerrada a greve, vocês, verdadeiros professores, devem fazer valer seu compromisso com a educação: assegurar a efetiva reposição das aulas e coibir a ação dos faltosos.

 

Isto dito, acrescentou Nava:

 

- Carlos, não podemos nos furtar à responsabilidade. Estamos ciosos da importância desta luta. Vamos emprestar nosso apoio à greve e nos unir aos professores.

 

Imobilizados pelo peso dos anos, pediram-me que arrancasse cartaz  da banca de jornal mais próxima. Nava sacou do bolso do terno a caneta tinteiro Parker 51 e, ali mesmo, sem nenhum melindre ou constrangimento, em presença de uns poucos jornalistas e transeuntes boquiabertos, redigiram esfuziante manifestação de irrestrito apoio à greve dos professores.

 

Uma flor nascera no asfalto. Estava consumada mais uma prodigiosa ocorrência histórica.

A partir daí, dois fatos tornaram-se incontestáveis.

 

Primeiro: a greve nacional dos docentes das IFES foi elevada a um novo patamar.

 

Com o apoio expresso, subscrito por estes notáveis escritores, não se limita mais às narrativas episódicas e conquistas efêmeras, galgou o patamar da História recente de nosso país.

 

E eu, radiante, involuntariamente tornara-me portador desta moção, sem espaço na mídia, mas disseminada no coração de todos brasileiros. Diga-se, de todos, mineiros e brasileiros, sem exceção. 

Segundo: está provado. Eu, um agnóstico, que enveredava pelo ceticismo, de repente, a partir deste gesto de solidariedade, fui levado a crer que o germe do socialismo impregna o corpo e a alma do povo mineiro.

 

Definitivamente provado. Eu e Otto Lara Resende  estávamos redondamente enganados.

 

Carrego nas mãos, para a dadivosa Campina Grande, a prova inconteste deste gesto de apreço aos professores e, quiçá, à humanidade: os mineiros não são solidários apenas no câncer...

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 11/06/2012