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Código Florestal: Ministério do Meio Ambiente promete analisar impactos negativos

Um dia após a polêmica aprovação do Código Florestal na Câmara dos Deputados, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) promete fazer uma análise técnica sobre o impacto da legislação no País. O secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério, Roberto Cavalcanti informou ontem (26) - em audiência realizada na Comissão do Meio Ambiente para avaliar o impacto do Código - que o pedido é da ministra Izabella Teixeira.

 

"O Ministério do Meio Ambiente terá de fazer uma avaliação em resposta à uma orientação superior", disse o secretário. O governo apoiava o texto aprovado no Senado Federal em dezembro.

 

Mediada pelo líder do Partido Verde, deputado Sarney Filho (PV-MA), a audiência teve a presença de especialistas em meio ambiente e acadêmicos que criticam com veemência a decisão dos parlamentares. Eles esperam que a presidente Dilma Rousseff vete o texto em uma tentativa de reverta os retrocessos que o Código representa para os aspectos sustentáveis do País. A avaliação majoritária é de que o texto aprovado pelos deputados atende a negociações políticas e à bancada ruralista. O consultor da Ackerman Consultoria Ambiental, Márcio Ackermann chamou de "irresponsáveis" os deputados que aprovaram o novo Código Florestal que representa um "crime" à biodiversidade brasileira.

 

A sessão contou, inicialmente, com a apresentação do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da comissão que tratou do Código no Senado Federal. Ele lamentou o imenso retrocesso que ocorreu na Câmara dos Deputados, enumerou os principais problemas do novo texto que deverá levar a uma insegurança jurídica, pois toda a negociação política costurada no Senado foi perdida. No final, ele pediu para a presidente Dilma exercer o seu direito de veto. Já Sarney Filho reforçou a opinião dos que defendem o veto presidencial ao Código Florestal.

 

Em sua palestra, o secretário do meio ambiente disse que as discussões sobre o Código Florestal, mesmo que esteja aprovado, ainda não se esgotaram e o resultado de sua votação não representa uma derrota para o governo. "Como não foi finalizado, a gente vai ter uma posição. Temos de fazer uma análise técnica em relação à votação do Código. Por enquanto, o ministério está subsidiando as etapas seguintes ao processo decisório", explicou Cavalcanti.

 

As análises da equipe técnica do MMA serão nos aspectos ecológicos, no impacto das mudanças do regime de proteção aos processos de ecossistemas e de sustentabilidade dos processos biológicos. Já no que se refere à anistia às multas de produtores rurais, Cavalcanti respondeu que não cabe ao órgão analisar os pontos jurídicos do Código.

 

Exigências internacionais

 

Independentemente da aprovação do polêmico Código Florestal na Câmara, o secretário de Biodiversidade e Florestas do ministério acredita que o cenário para o produtor rural não mudou no que se refere às cobranças do mercado internacional sobre a combinação de segurança alimentar e sustentabilidade no campo. Na prática, o secretário observa que os produtores rurais terão de se render às cobranças dos consumidores internacionais dos produtos agrícolas brasileiros.

 

Como exemplo, ele destacou que na semana passada desembarcou em Brasília uma comissão da China em busca de saber sobre as políticas brasileiras destinadas à proteção da biodiversidade, alinhadas à produção de alimentos, em médio e longo prazo (para os próximos dez ou 15 anos). Hoje, a China é um dos principais importadores de commodities (agrícolas e minerais) do Brasil. 

 

Conforme entende Cavalcanti, o desafio de associar produção e preservação ambiental e florestal não muda da noite para o dia e isso interessa a todos os setores, tanto os ambientalistas quanto o agronegócio, em razão de cobranças do mercado internacional que vem dando prioridade à produção agrícola sustentável. Ele destaca a necessidade de "conciliar produção florestal, produção agrícola, proteção ambiental e sustentabilidade em um quadro inclusivo".

 

"O agricultor tem de ter controle de erosão e tem de ter água. Aqui no Cerrado, por exemplo, chove apenas seis meses por ano e onde se tira água para o restante de seis meses?, questionou Cavalcanti, para responder. "De áreas de veredas dos rios e etc, dessas que são as esponjas do Cerrado. São esses os tipos de análises que precisam ser feitas".

 

Políticas públicas

 

Nesse contexto, Cavalcanti destacou que o desafio de adotar políticas públicas para a preservação ambiental implica em um conjunto de ações que podem ser alcançadas por outros mecanismos. "O Código Florestal não é o único e nem sua aprovação no Congresso Nacional fecha a questão", analisou. Para ele, é preciso discutir planejamento de médio e longo prazos, pois essa é uma questão que envolve a economia brasileira.

 

Dessa forma, ele conclui que a missão do Ministério do Meio Ambiente não muda com o novo Código Florestal, no que se refere à sustentabilidade dos ecossistemas e recomendação para proteção às nascentes. "O Código Florestal faz diferença porque é uma legislação federal, mas todas as questões de sustentabilidade do agronegócio estão na mesa de todo dia. E o Brasil tem forte presença no fornecimento agrícola mundial", disse, reconhecendo, entretanto, que o Código Florestal é quem norteia o agricultor.

 

Avaliação de especialista

 

O sociólogo Sérgio Sauer, professor da Universidade de Brasília (UnB), com foco em reforma agrária e desenvolvimento rural sustentável, disse que o novo Código Florestal visa ao imediatismo na produção de alimentos para atender à demanda internacional, o que deve provocar fortes danos à biodiversidade em longo prazo. Sauer considera que os argumentos usados pelos deputados na aprovação do Código centram no tripé: produção de alimentos, exportação de commodities e no contexto de ilegalidade à maioria dos pequenos produtores rurais.

 

Segundo ele analisa, uma das principais consequências do novo Código Florestal será sobre a contaminação da água, pelo forte uso de agrotóxico nas florestas, comprometendo a segurança alimentar.

 

Conforme Sauer, hoje o Brasil vem avançando na produção de grãos, principalmente do complexo soja (grão, farelo e óleo) para exportação, enquanto recua na produção de alimentos como arroz, principalmente na região Sul do País, feijão e mandioca (a produção dessa última está estável há 20 anos), conforme disse, citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

Ele também considerou ilegal o não ressarcimento dos produtores rurais à sociedade brasileira pela exploração do solo brasileiro para o plantio agrícola sem preocupação com a sustentabilidade no campo.

 

Diante de tal cenário, Sauer acredita que o Palácio do Planalto vetará o texto aprovado na Câmara. "Apesar de falar de um tema quase pós-morte, acredito que perdemos a batalha, mas não perdemos a luta", declarou, na audiência.

 

APPs versus enchentes nas cidades

 

Consultor da Ackerman Consultoria Ambiental, Márcio Ackermann rebateu a opinião do secretário do Meio Ambiente de que o novo Código Florestal não tem muita importância para as políticas voltadas para a proteção da biodiversidade do País. "Ele representa muito. É um crime o que está sendo cometido aqui [na Câmara dos Deputados]. Espero que a presidente Dilma reverta o que foi aprovado aqui", disse Ackermann geógrafo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e mestre pelo Instituto Tecnológico de São Paulo (IPT/SP) que possui 25 anos de experiência na área ambiental.

 

Ele chamou de "irresponsáveis os deputados que ignoraram a importância que exercem as Áreas de Preservação Permanente nas áreas urbanas no novo Código Florestal". "Aqui o debate foi em defesa das grandes propriedades de terras e da produção agrícola. O escopo geral não foi republicano e nem de proteção ao bem público", analisou. "Isso é de uma irresponsabilidade tamanha e que não foi diferente no Senado Federal", disse em sua apresentação na audiência.

 

Segundo ele, a incidência de enchentes e alagamentos em capitais, como São Paulo, é reflexo da não aplicação de APPS, o que gera mais prejuízos à sociedade do que o reflorestamento estratégico nas cidades. Segundo cálculos apresentados pelo consultor, cada enchente que ocorre na capital paulista gera prejuízos de R$ 65 milhões. Além disso, são desembolsados R$ 300 milhões para a construção de cada piscinão de 300 metros quadrados (m2). Ele declarou que a Avenida Paulista, o coração da cidade de São Paulo, é um topo de morro, uma APPs, mas "ninguém" sugere o reflorestamento dessa Avenida em sua plenitude. "Temos instrumentos tecnológicos que podem ajudar nessas questões", disse.

 

Ele acrescenta que mais de 50% das residências de famílias de baixa renda estão em algumas capitais brasileiras assentadas em áreas de preservação permanente, o que gera prejuízos à biodiversidade.

 

Déficit hídrico

 

Baseados em estudos do IPT, o geógrafo acrescentou que, em razão da poluição de rios que cortam a capital paulista, como o Tietê, o déficit hídrico paulistano hoje é semelhante ao do Nordeste.

 

Para ele, o Brasil perde a oportunidade de implementar políticas públicas voltadas para o reflorestamento e de reversão de déficit hídrico. "Em vez de avançarmos nas políticas públicas, estamos retrocedendo há 50 anos nesse caso".

 

(Jornal da Ciência)


Data: 27/04/2012