topo_cabecalho
Registro da história da divulgação científica no Brasil

Site Brasiliana e livro que resgata o suplemento de ciência do Jornal do Commercio são as novas contribuições para a memória do jornalismo científico.

 

Um quebra-cabeça que vem sendo montado nas últimas décadas com o esforço de jornalistas e pesquisadores.  Assim pode ser definida a história da divulgação científica no Brasil que, aos poucos, é contada e organizada. Dois lançamentos se somam a esse esforço: o site Brasiliana (http://www.museudavida.fiocruz.br/brasiliana), que reúne dissertações e teses defendidas na área, e o livro 'Um gesto ameno para acordar o país - A ciência no Jornal do Commercio (1958-1962)', organizado por Leopoldo de Meis, juntamente com as jornalistas Luisa Massarani e Claudia Jurberg, e centrado no suplemento dominical de ciência publicado no Jornal do Commercio.

 

Ambos foram apresentados nesta terça-feira (22), na Casa da Ciência, Rio de Janeiro. O evento contou com uma mesa-redonda coordenada pela própria Luisa Massarani (Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz) e integrada por Ildeu de Castro Moreira (Instituto de Física da UFRJ) e Bernardo Esteves (jornalista da Revista Piauí), além de Leopoldo de Meis. De distribuição gratuita (especialmente a bibliotecas), a publicação traz um DVD com grande parte das edições do suplemento de ciência do periódico econômico.

 

De Meis participou da equipe original do suplemento, cujas páginas traziam textos de Walter Oswaldo Cruz, Carlos Chagas Filho, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, José Goldenberg, Oswaldo Frota Pessoa, José Leite Lopes, Luiz Gouveia Labouriau, Maria Yedda Linhares, Chana Malogolowkin, Haity Moussatché, entre outros. Antes de completar vinte anos, De Meis, hoje cientista do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi convidado, junto ao também jovem Carl Peter Von Dietrich, para trabalhar no Jornal do Commercio. A ideia partiu de Walter Oswaldo Cruz, orientador de Iniciação Científica de ambos.

 

Romantismo

 

"No princípio era difícil, íamos atrás das notícias e aprendíamos olhando outros jornais para ver como se escrevia para periódicos. Não era muito diferente do que nós estávamos acostumados na divulgação científica", relembra De Meis. O cientista recorda que, à época, havia um número reduzido de pesquisadores no Brasil e que parte das entrevistas era obtida em congressos.  "Nossa grande fonte era a SBPC, que era a união maior de todas", destaca.

 

Também publicavam perfis das instituições, artigos de revistas estrangeiras, sumários, resumos e comunicações da Academia Brasileira de Ciência (ABC), "a pedido de Arthur Moses", explica. "Quando ele nos chamava, nos tremíamos nas bases. Tínhamos que publicar o que sobrava da revista da ABC. E era impossível dizer não para ele", lembra, entre risos.  Muitas das matérias, segundo De Meis, eram escritas "no boteco, tomando chope". "Era uma coisa romântica, mas tinha seu valor", justifica.

 

Ildeu de Castro Moreira, que, junto a Luisa Massarani analisou o suplemento à luz do contexto político da época, destaca que a comunidade científica da época se congregou em torno do jornalismo científico. "Era um momento de desenvolvimentismo do País, com o governo JK, e os cientistas eram um fator importante de discussão política e para pensar a ciência como um motor de desenvolvimento", conta. "A ideia de que a ciência abre caminho para a independência do País foi o pano de fundo nessa iniciativa (o suplemento)", acrescenta, lembrando também que na mesma época a imprensa brasileira estava sofrendo uma transformação importante, com a entrada de ilustrações e fotografias, o que deixou as páginas mais leves.

 

Semelhanças com a atualidade

 

O livro, cujo título 'Um gesto ameno para acordar o país' é uma referência a uma frase da matéria inaugural do suplemento do Jornal do Commercio, também traz um texto de Bernardo Esteves, autor de uma dissertação sobre a divulgação científica no Brasil entre 1945 e 1964. O texto está centrado, sobretudo, no suplemento 'Ciência para Todos', do jornal carioca 'A Manhã', mas também comenta outras iniciativas, como a página 'No Mundo da Ciência', da antiga Folha da Manhã.

 

Durante a apresentação, Esteves mostrou capas de alguns desses jornais, quando a ciência chegava a "ser manchete", além de ilustrações de experiências (muitas feitas à mão, como as do professor Ayrton Gonçalves da Silva) e outras curiosidades (como "piadas científicas"). "Os cientistas queriam falar de ciência para a sociedade, mas também pretendiam conquistar seu apoio", pontua, lembrando a dificuldade de se conseguir bolsas ou mesmo salários fixos como pesquisadores.

 

Além disso, Esteves mostrou que alguns temas abordados há cinco ou seis décadas ainda são discutidos hoje, como é o caso da dificuldade de importar material científico do exterior.  Citando o blog de Stevens Rehen, ele mostrou uma pesquisa de 2010 que dizia que 76% dos cientistas já perderam material científico retido na alfândega e 99% decidiram mudar os rumos de suas pesquisas em virtude das dificuldades para importar os reagentes necessários.

 

Brasiliana

 

O evento terminou com a apresentação do site Brasiliana, cujo objetivo é mapear a história da divulgação científica brasileira e iniciativas desenvolvidas nesse âmbito, do século 18 aos dias de hoje. A página conta com uma base de dissertações (por volta de 170) e teses (cerca de 40) defendidas na área.

 

De acordo com Massarani, são "pérolas específicas e dispersas" que vêm sendo encontradas ao longo das últimas duas décadas. "Ainda há muito material para se descobrir. É um site singelo em sua concepção, mas importante para a convergência de material", ressalta. O site oferece dois tipos de navegação: histórica (cronologicamente) e por tópicos. Também conta com um mecanismo de busca por palavra-chave. O projeto é uma parceria entre Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, UFRJ e UFMG, apoiada pelo CNPq.

 

(Jornal da Ciência)


Data: 23/11/2011