topo_cabecalho
Artigo - Autonomia intelectual versus produtivismo acadêmico

Amaury Fragoso

Os impactos do processo de reestruturação produtiva vivida pelo país nos anos 80 começam a ser sentidos pelas universidades públicas a partir dos anos 90. A cobrança de produtividade, intensificação do trabalho e a flexibilização na forma de contratação e nos direitos ditam as políticas destinadas à educação e à carreira dos docentes. As políticas para a educação passam a demandar ainda mais do ensino superior um formato de pesquisa baseado na intensa produtividade acadêmica.

Em 1996, é adotado um novo Modelo Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) de Avaliação para os cursos de pós-graduação e, em 1998, o governo federal apresenta a Gratificação de Estimulo a Docência (GED) para os professores das universidades federais, hoje extinta. Em ambas as medidas, adotam-se critérios quantitativos e de competitividade para definir a avaliação.

A pós-graduação cresceu consideravelmente no Brasil nos últimos 20 anos. Em 1996, o país possuía cerca de 1000 cursos de mestrado e 500 cursos de doutorado. Já no início de 2010, eram em torno de 2600 cursos de mestrado e 1500 de doutorado. Esse crescimento, entretanto, foi acompanhado de grandes alterações na organização dos programas de pós-graduação e na estrutura da carreira dos professores universitários.

Atualmente, o aumento de tarefas atribuídas aos docentes nas universidades federais é escandaloso. A intensificação do trabalho pode ser percebida mais claramente nos professores que atuam em programas de pós-graduação vinculados ao modelo da Capes e demais órgãos de fomento à produção científica.

Com responsabilidades na graduação, projetos de extensão, participação em instâncias representativas e demais setores, os professores das universidades federais que trabalham em mestrados e doutorados têm seu tempo reduzido para produzir estudos de qualidade, além de sofrerem grande pressão para que os resultados das pesquisas sejam publicados o mais breve possível.

Os docentes passaram a estar sujeitos a competição para conseguir os recursos necessários aos projetos de pesquisa, o que extremamente desigual para os professores jovens.. Com isso, cada vez mais o docente é cobrado para que produza quantitativamente, sem refletir sobre o que está e para quem está produzindo, além de ter o seu tempo de lazer e a saúde consumidos por um trabalho em que dificilmente, vai se sentir realizado.

A pressão sofrida pelos docentes que atuam na pós-graduação é um elemento que contribui para que os professores peçam afastamento das atividades. É claro que não explica todos os problemas de depressão e falta de saúde no trabalho, mas, certamente, é um dos fatores que deve ser levado em consideração.

Além disso, as relações humanas ficam comprometidas e o que importa é a pontuação do programa de pós-graduação. Temos conhecimento de casos em o docente se sente assediado moralmente pelo coordenador do programa. Mas isso não quer dizer que não exista pressão na graduação, nas atividades de extensão e nos setores administrativos, institucionais e políticos da universidade. O modelo em que estamos inseridos nos impede de barrar esses efeitos, estamos tão sobrecarregados que não conseguimos refletir sobre a nossa atividade.

Além das conseqüências físicas da sobrecarga do trabalho, um grande número de docentes demonstra frustração em não conseguir dominar todo o trabalho devido aos processos de alienação e a não realização com a carreira como um dos grandes problemas e na maioria das vezes mesmo produzindo, se sentem improdutivos.

A lógica é que quem faz pesquisa aplicada publica mais. Isto não é verdade, se assim fosse, quem publica mais é melhor em detrimento daquele que publica menos, nós teríamos programas sem teoria nenhuma. E isso é péssimo para o ensino superior brasileiro.

Muitos docentes que atuam na pós-graduação já se perguntam se deveriam pesquisar algo relevante para a sociedade ou estudar um tema que tornará a publicação mais fácil. Se a pressão é toda em cima da quantidade de publicação, com certeza, ele fará a segunda escolha. E temas que são importantes para a comunidade não são aprofundados. Temos que ter clareza de que a relevância da pesquisa está associada ao impacto social, pelo fato de que todos que estão na universidade devem à sociedade, pois são financiados por recursos públicos.

Desta forma, sendo a universidade sustentada pela sociedade, deve ser socialmente referenciada. Estamos cada vez mais presos a essa lógica produtivista que nos tira os momentos de lazer e autonomia intelectual. Precisamos superar esse modelo e lutar em todas as instâncias e espaços contra a precarização do trabalho docente e da educação pública.

É necessário um debate público acerca da situação em que a produção de pesquisa e a educação se encontram no Brasil. Nós temos um compromisso com a sociedade e muitas pesquisas nem chegam perto da realidade brasileira. É preciso refletir e traçar diretrizes para que a produção de conhecimento esteja adequada ao nosso espaço, tempo, necessidades e desejos.

Amaury Fragoso é professor da UAF/UFCG


Data: 19/08/2011