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Educação mira parte do lucro das estatais

Emenda ao projeto do Plano Nacional de Educação será discutida por comissão da Câmara.

O lucro das estatais federais, como Petrobras, Banco do Brasil e Eletrobras, está na mira do ensino público brasileiro. Nos próximos dias, deputados da comissão especial responsável pela tramitação do Projeto de Lei 8.035, que trata da segunda edição do Plano Nacional de Educação (PNE), começam a debater uma emenda que prevê a destinação de 5% do lucro líquido das empresas vinculadas à União para investimentos em transporte e infraestrutura escolar, como, por exemplo, reformas, compra de materiais e construção de bibliotecas e laboratórios de informática e ciências.

 

De acordo com o Ministério do Planejamento, o levantamento mais atualizado (de 2009) sobre o desempenho das mais de cem estatais federais aponta lucro líquido consolidado de R$ 56,115 bilhões, valor que significaria quase R$ 3 bilhões em recursos novos para a educação básica. Para os próximos anos, o valor poderia chegar perto de R$ 5 bilhões, pois as companhias foram impactadas pela crise econômica em 2009. A proposta beneficiaria principalmente estados e municípios com indicadores educacionais ruins e gasto anual por aluno baixo. O recurso seria repassado para um fundo a ser gerido pelo Ministério da Educação (MEC).

 

Formulada pelo especialista em financiamento educacional José Marcelino Rezende Pinto, professor da USP de Ribeirão Preto, e apresentada formalmente ontem pela entidade Campanha Nacional pelo Direito à Educação na Câmara dos Deputados, a emenda se encaixa como uma estratégia à meta 20 do PNE, que determina aumento gradual do investimento público em educação até 2020. O MEC, que não se pronunciou, sustenta que a evolução da arrecadação pública garantirá mais recursos para o setor, tese bastante contestada por movimentos do setor e pela maioria dos parlamentares da comissão especial do PNE.

 

Rezende Pinto lembra que, por orientação governamental, as empresas estatais, exceto Petrobras e Eletrobras, destinam parte de seu resultado para a composição do superávit primário. A emenda, diz, "coloca uma nova responsabilidade estratégica e emergencial" para as empresas controladas pelo governo. "As estatais podem dar uma contribuição importante em termos de equidade, com um recurso relativamente pequeno e precioso. A maioria das escolas públicas não tem bibliotecas decentes, não chega a 5% o percentual de escolas públicas com laboratório de ciências. Dotar as escolas com o mínimo de infraestrutura significa melhorar a qualidade", diz o acadêmico, que também preside a Associação Brasileira de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

 

Apuração do Valor revela que a ideia foi bem recebida por parlamentares de partidos da base do governo e da oposição. A reportagem ouviu dez dos 27 deputados da comissão especial do PNE. O deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) foi o primeiro a acolher a proposta e garante que o assunto entrará na pauta da comissão especial do PNE. "O projeto do governo apresenta metas tímidas e controversas, não se sabe se os recursos serão suficientes para o cumprimento das 20 metas do plano. A Campanha congrega os melhores especialistas do setor para assuntos de financiamento da educação, por isso vamos assumir a emenda", afirma Santiago.

 

Para a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), ex-secretária estadual de Educação de Tocantins, "a ideia é boa" porque apresenta novas fontes de recursos. "Hoje o maior gasto com educação está nas costas dos Estados e municípios, a União precisa se responsabilizar mais. Defendo a proposta, mas precisamos tomar cuidado para não tornar o PNE em uma bandeira única de financiamento. O plano tem uma série de metas qualitativas que precisam ser discutidas." A deputada Fátima Bezerra (PT-RN), principal parlamentar petista para assuntos educacionais, é mais reticente: "A ideia é válida porque vem na direção de ampliar recursos. Precisa ser mais bem analisada, mas acho que o Congresso Nacional está mais sensível a propostas que demandam mais recursos para a educação."

 

Teresa Surita (PMDB-RR), vice-presidente da comissão especial do PNE, é favorável à transferência do lucro líquido das estatais federais para a educação desde que a medida não afete os negócios. "O direcionamento de parte dos lucros precisa ser feito na perspectiva da responsabilidade e da finalidade social das empresas sem, no entanto, prejudicar seus modelos de negócio", pondera. Seu colega na comissão Rogério Marinho (PSDB-RN) compartilha a opinião e emenda "É preciso analisá-la tecnicamente para saber se é viável."

 

Área econômica deve combater idéia

 

Nos bastidores, espera-se que a área econômica do governo trabalhe para impedir que a proposta de destinar 5% do lucro líquido das estatais federais seja incorporada ao PNE antes mesmo de o plano seguir para sanção presidencial.

 

O principal argumento contrário expõe uma eventual inconstitucionalidade da medida. "Seria mais um imposto para o cidadão, porque as estatais não são do governo, que tem apenas 30% da Petrobras, o resto é do acionista. Há tantas outras boas medidas no plano e vem uma entidade e coloca uma proposta inconstitucional", afirma o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Câmara. O líder da oposição Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) destacou que destinar recursos de empresas públicas para uma área social "tem viabilidade técnica e jurídica", porém ele não acredita "que o governo libere sua base para apoiar".

 

Especialista do governo federal explicou que a ideia de "taxar" as estatais fere o artigo 150 da Constituição, segundo inciso: "instituir tratamento desigual entre contribuintes...". Além disso, continua a fonte, as estatais já recolhem a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que incide sobre o imposto de renda já recolhido sobre o ganho. "Seria uma terceira incidência tributária em cima do lucro. A alternativa seria uma emenda constitucional."

 

O cientista político Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, entidade que propôs o uso do lucro das estatais para financiar a infraestrutura educacional, lembra que o fundo social do pré-sal foi criado por lei ordinária, assim como o projeto de lei do Plano Nacional de Educação (PNE). "A hierarquia da lei não conta, o principal desafio será saber como isso será recebido nas assembleias de acionistas. Além disso, trabalhamos pela perspectiva do princípio da lei e o mais importante agora é discutir o tema e que a emenda seja lapidada, afinal prevemos a criação do fundo em dois anos a partir da sanção do PNE", diz Cara.

 

Por envolver empresas com capital aberto, a proposta pode ser mal recebida pelo mercado, na opinião de analistas financeiros. "A notícia pode fazer com que investidores vendam ações, mas é coisa pequena. O problema maior é saber se a distribuição de dividendos será afetada", acredita Álvaro Bandeira, da corretora Ativa.

 

Para Pedro Galdi, da SLW, o governo tem poder para mexer na distribuição do lucro das estatais por ser o acionista majoritário. "A empresa é do governo. Agora ele quer fazer isso, quer que a lei seja aprovada?" Ele explica que parte do lucro das empresas compõe uma reserva patrimonial e, posteriormente, é apurado o lucro ajustado, que é distribuído entre os acionistas. "Se a conta educação pegar o lucro ajustado, aí sim o mercado vai chiar", prevê Galdi. Procurados, Petrobras e Banco do Brasil não se pronunciaram.

 

(Valor Econômico)


Data: 01/06/2011