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Artigo - Os 190 milhões de palhaços e mágico da quarta-feira

Wagner Braga Batista

 

 

Num festival burlesco, a Escola de Samba dos Democratas da Paulicéia elegeu o chefe da matula da Câmara de Vereadores para fazer parelha com a cantora da UDR, Kátia Breu.

 

A paulicéia desvairada, terra dos insignes carecas da ambigüidade ou calvos da ambivalência, continua sendo uma grande máquina. Não puxa inúmeros vagões. Assemelha-se mais à figura rodrigueana dos barqueiros do Volga. Enquanto poucos vociferam, milhões de homens são compelidos a fazer força para tirá-la do leito do rio.

 

Homens argutos, empreendedores e desprendidos, a elite paulista prefere álcool em mim do que gasolina no lombo. Primeiro, são politicamente responsáveis e ecologicamente ambientais, depois porque os derivados de petróleo tornaram-se altamente poluentes depois que despencaram na bolsa de valores.

 

Além do mais, no Rio de Janeiro, país da plebe rude, ignara e festiva, virou moda a tal da gasolina.

 

Ateiam fogo em prefeitos democratas maluquinhos e automóveis da alta classe média não gozam de grande prestígio junto aos habitantes das mais de mil comunidades favelizadas.

 

Mas, o Brasil, filho da Brasiléia, não é só isto.

 

A Brasiléia, célula mater do Distrito Federal, campeã da proficiência ética, para não ficar atrás do surto de competências cadastradas no cadastro de competências extraordinárias e exuberâncias estéticas de sextas-feiras, agraciou-nos com um show de mágica na quarta-feira.

 

Em Brasiléia, tiraram da cartola um coelho trajado de responsabilidade fiscal, ajuste orçamentário e cortes de gastos públicos que assegurou aumento salarial para senadores, deputados e ministros, até mesmo os que atuam no Complexo do Alemão.

 

Sem temeridade, pode-se dizer que a Brasileira é Flórida, cada vez mais se aproxima do primeiro mundo.

Aliás, do admirável mundo novo.

 

A grande vitória eleitoral permitiu que todos fossem representados no parlamento. Se os lobistas do player Obama estão lá, quem não haveria de estar?

 

Até mesmo os palhaços terão um representante neste grandioso fórum da democracia.

Em nome de todos nós, Tiririca, o militante da causa hilária, proletária e caudatária da cultura circense agora nos representa.

 

E, lá foi ele, em nome de todos os 190 milhões de palhaços marginalizados exercer seu mandato parlamentar.

 

Espantado, o palhaço Tiririca, que vaticinou a estabilidade econômica e o bem estar geral da Nação, afirmou que ainda não estava preparado de todo. Mas, em se tratando de palhaçadas, prepararia algumas.

 

Tinha até imaginado um novo bordão: Ao lado de gente decente haveria de estar muito contente, “mais melhor”, desde que não fosse de repente.

 

Porém, não deu certo. Foi de repente demais.

 

Para acelerar o “mais melhor”, recebeu um presentão da gente de bem da sinecura. Ao aportar no Congresso, capital da República de Nós Mesmos de Brasília, estranhou.

 

Ali não havia palhaços. Havia biografias, Suas Excelências, Comendadores, Desembargadores, insignes deputados e nobres senadores. Tanta gente impoluta e nenhum pobre filho da ..... Também, não havia palhaços.

 

Agora, no entanto, há. Um só, nosso representante.

 

É preciso reiterar que, na Republica de Nós Mesmos, os palhaços foram duramente discriminados e excluídos ao longo destes quase dois séculos de atividade parlamentar.

 

O parlamento não é lugar para palhaços. Palhaços devem ser mantidos fora dele.

 

Estranhou.

 

Num país que prima pela diversidade e pelo respeito às diferenças não poderia ocorrer  inconcebível discriminação. Um só palhaço no Congresso ao longo de tantos anos. Todos os demais marginalizados, desempregados, sem teto, sem terras, chupando os dedos, vendendo tapioca, prostituindo risos e mágoas para não morrer de fome.

 

No entanto, no Congresso, agora aportava um palhaço.

 

Um só palhaço no Congresso Nacional enquanto outros milhões exultavam e pagavam  para ver o mirabolante espetáculo circense da quarta-feira, dia de expediente na Republica de Nós Mesmos.

Nesta quarta feira, apresentar-se-ia um fabuloso mágico. Tão extraordinário, que só encena  levitações e prestidigitações. Porém, apenas nas quartas-feiras. Nos outros dias ocupa-se nas práticas do absenteísmo, muito comuns em universidades públicas.

 

Neste dia, o ilusionista consegue o prodigioso ato de retirar astronômicos aumentos de salários de cartolas.

 

Surpreende, porque no dia a dia, não surgem salários, nem remunerações fora ou dentro de cartolas. Aumento, nem pensar.

 

Porém, nas quartas-feiras, na Republica de Nós Mesmos, os ectoplasmas e desenvolvimentos sustentáveis tiram salários do nada.

 

Os mesmos salários que, no dia a dia e diariamente, são subtraídos dos bolsos de trabalhadores, saem das cartolas dos mágicos de quartas—feiras, religiosamente e sem pestanejar.

 

E o palhaço, único representante da classe de outros 190 milhões, estava estarrecido.

 

Foi pouco?

 

Num país que deputados ganham mais do que quarenta e cinco vezes o valor do salário mínimo para não comparecer ao trabalho, o prodigioso ato deve ser registrado.

 

Certamente, o circo tem que ser homenageado.

 

E assim foi.

 

Celebraram o picadeiro em meio à ausência da platéia e a anuência dos palhaços marginalizados, os chamados outros ou nodosostros, como queiram designar aqueles que vulgarmente são conhecidos como eleitores.

 

E nosostros, continuamos pagando pra ver o extraordinário mágico da quarta-feira.

 

A bem da verdade, o espetáculo nada ficou a dever á ética partidária e à legislação em causa própria, honrosa exceção do PSOL.

 

Para viabilizar os cortes em ações sociais, o suculento bife do combate à fome e uma nova aeronave superpresidencial, a bufunfa devia ser grande. Nada melhor do que a aprovação de um salário de 27 mil e seiscentos reais que não comprometessem verbas de gabinetes, jetons, diárias e passagens para os comensais da algibeira.

 

Mas, tudo bem, com isto salvamos a idoneidade do Caciolla e dos privatistas de FHC. E o camarada Lula? Nada a temer, continua navegando nas águas do Rio São Francisco.

 

E aporta daqui e aperta de lá, como não chove nas terras desta gente. Tiveram também  que desviar águas que sobram na torneira do Senado, da Câmara dos Deputados e no pequeno roçado de Gilmar Mendes, vizinho à gleba da CBF, para banhar as margens do São Francisco.

 

Ao final do repasto todos estavam felizes.

 

Nossos Mallufs, Daniel Dantas e Caciollas nada têm a reclamar.

 

Tivemos um final de ano sustentável. Sustentabilíssimo. 

 

Graças ao mágico da quarta-feira, às lobotomias verdes, ao repasto de marrons glacês e à gente fina, finíssima.  

 

Graças à ação providencial dos profissionais da pobreza, que rondam galinheiros às vésperas do Natal e identificam as carências da gente humilde que mora no Pedregal, vamos ter pescoço de frango e pés de galinhas para cear.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 16/12/2010