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Artigo - E a paz foi restabelecida no Rio de Janeiro

Ao lado de milhões de torcedores do tricolor, aguardávamos ansiosamente a abertura das bilheterias.

 

Trezentos e sessenta e cinco anos de sofrimento e o peso da segunda e da terceira divisão na alma nos assolavam.

 

Nos ombros, carregávamos três séculos de cartolas, diretorias ineptas, empresários inescrupulosos, jogadores chupa-sangues e mascarados, além do extraordinário Washington, que incapaz de marcar a favor e sempre arruma um jeito de marcar contra.

 

Mas, enfim, aproximava-se o dia do avatar.

 

A redenção aguardáva-nos no dia seguinte. Abriria as portas do Engenhão e todos torcedores seriam redimidos dos pecados e falcatruas praticados em seu nome

 

Com um ano de antecedência, todos se comprometeram a se fazer presentes. A pagar com o próprio sangue, com as lágrimas de sucessivas humilhações e com o dinheiro suado, subtraído do pão de cada dia, o direito de testemunhar a redenção tricolor.

 

Assim, organizadamente, dispuseram-se a pagar, mais uma vez, para redimir as safadezas dos que se locupletam com seus sacrifícios, angústias e aflições.  Comprariam ingresso para mascarar as falcatruas praticadas em seu nome e assistir o derradeiro espetáculo do campeão gramsciamo de 2010.

 

No entanto, ignoravam que se defrontavam com um novo adversário.

 

Os mesmos sanguessugas que grudaram nas carnes do Fluminense e agora transferiam-se para seus corpos nas imensas filas que contornavam estádios, avançavam por alamedas, seguiam pelas linhas de trem, subiam morros e seguiam pelas ondas de radio na cidade do Rio de Janeiro.

 

No templo do futebol, a fila ornava-se incomensurável. Penetrava na UERJ, assistia aulas dos cursos de Ciencias Humanas, substituía professores faltosos, participava de assembléias de servidores, rodeava a Mangueira, seguia em direção a Bonsucesso e os últimos integrantes presenciavam o vergonhoso achaque de maus policiais na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão.

 

Na fila, há três dias, os torcedores do Fluminense amargavam a promiscuidade e a roubalheira praticada pelos que controlam a venda de ingressos.

 

Morria torcedor na fila e outros apanhavam da polícia. Mães choravam por não poderem levar seus filhos para ver o campeoníssimo tricolor. Pais, com seus rebentos, vergando a camisa tricolor, sentiam-se indignados

 

Jovens estudantes, argüiam a falta de probidade na venda de ingressos, chamando a si a responsabilidade pela justa distribuição de renda, pela equidade social e pelo direito de assistir a decisão do campeonato brasileiro de 2010. Enquanto isto, a cartolagem e os agiotas do futebol exultavam com a farra dos ingressos. Proclamavam as leis do mercado, a artificiosidade da oferta e da procura, criando dificuldades para, por altíssimo preço, vender facilidades no cambio negro.

 

Indiferentes aos sacrifícios e aos prejuízos de milhões de torcedores do Fluminense, os agiotas do futebol contabilizavam seus lucros. Juntavam salários exorbitantes de jogadores que não se apresentavam em campo e, juntamente com o portuguesinho de chinelo, que carrega 750 mi kg de ouro no bolo, traziam baldes para conter a enxurrada de grana que jorrava das torneiras de diretores, patrocinadores, empresários de jogadores ET caterva.

 

Propunham que o novo presidente tricolor construa um chafariz ou uma catarata portátil para favorecer a lavagem de mãos e tanto dinheiro que escorre em suas torneiras, proporcionadas pelo sofrimento e pelas humilhações a que são submetidos os milhões de torcedores do Fluminense.

 

Indignados, os humildes e apaixonados torcedores do Fluminense e de todos os clubes do país, irmanavam-se e clamavam pelo fim das falcatruas no futebol brasileiro, enquanto, na zona sul, refestelados de frente para o mar, responsáveis pelo tráfico político e de jogadores de divisões de base acordavam com narcotraficantes do futebol novas estratégias de manipulação e o preço a ser cobrado em próximas iniciativas desta natureza.

 

E na fila, milhões de torcedores eram achincalhados pelos donos das bilheterias, pelos patrocinadores dos preços dos ingressos e pelos empresários da humilhação coletiva.

 

Subitamente, disfarçado de cambista, eis que surge Vil Teixeira.  O diligente e operoso cambista conseguia vender tudo, numa rapidez que impressionava os mais experientes especialistas neste mister.

 

Tinha acabado de chegar de bancos suíços, da SANUD ETABL, em Liechenstein, de crimes contra o sistema financeiro e  agora iria repassar no cambio negro quarenta mil ingressos subtraídos do público do Maracanã.

 

Oferecia, por uma merreca, um ministro dos esportes, convites para um banquete, num nababesco congresso de convescotes e de deferências em Brasília, que seria realizado numa Comissão Parlamentar de Inquérito, com um luxuoso vestíbulo que dava acesso ao lavabo, onde todos os comensais poderiam lavar as mãos.

 

Vendia por preços exorbitantes votos para países que desejavam sediar a Copa do Mundo. Cobrava propina de mercadores, marqueteiros e patrocinadores de vantagens privadas oferecendo retalhos de camisas, calções, meiões e cuecas de jogadores da seleção de vale-tudo.

 

Benemérito da justiça, conseguira alugar um moquiço em Londres, várias empresas de publicidade e um título de sócio proprietários dos lucros da Copa do Mundo de 2014. Agora, trocaria todo um vasto patrimônio, transportado num caminhão repleto de ironias, reticências, chantagens e arrogâncias, por um pequeno fusquinha carregado de 900 milhões de isenções fiscais.

 

No entanto, o destino reservava-lhe um promotor público, o olhar crítico de torcedores, a mis em cene  de parlamentares oposicionistas e desagradáveis surpresas.

 

Flagrado com a mão na botija do Comitê Organizador Local, da Copa do Mundo, ao invés de correr para os Jogos Olímpicos, de 2016, adentrou pela Floresta da Tijuca, seqüestrou desenvolvimentos sustentáveis, alívios à pobreza, educações cidadãs, modernizações de centros urbanos, melhorias em aeroportos, colocou tudo num saco e se utilizou destas pobres criaturas como reféns.

 

O notável investidor e brilhante empresário do mundo esportivo-financeiro, juntamente com torcionários de Garrastazu, migroria para um novo negócio.

 

Formaria uma súcia, uma falange ou uma milícia de Federações. Aproveitaria o vazio político, para se instalar no bairro da Penha, com ramificações em campos de futebol e clubes de várzea.

 

Enquanto isto, no bunker dos marqueteiros, no Complexo do Alemão, a confusão se instalara. Documentos secretos norteamericanos encapuzados, armados de AR 15, corporações transnacionais, chefes de Estados, senadores e deputados de quinze mil reis, resistiam às denúncias. Contestavam, veementemente, a veracidade atentados, torturas e assassinados praticados contra povos da Ásia, África e América Latina.  Sufocavam com sacos plásticos testemunhas do financiamento e do apoio militar a golpes praticados em nações em todo mundo.

 

Neste esforço de resistir às evidências, tapavam o sol com a chamada imprensa livre a serviço do bem, com cadeias de emissoras uniformizadas de Casa Branca e com sete chaves das prisões de Guantánamo, Abu Ghraib e cárceres clandestinos em várias partes do mundo.

 

Sem hesitar, lançavam escombros de antigas notícias forjadas e factóides para soterrar esconderijos, onde pululavam acordos sigilosos, xeleléus da embaixada norteamericana e funcionários de primeiros escalões do governo informantes da CIA.

Em pânico, em meio ao inesperado revés sofrido pela imprensa livre, fugiam pelos esgotos e canais de águas fluviais remanescentes da ALCA, adversários do MERCOSUL, comerciantes do patrimônio público e figurões do governo FHC comprometidos com a privatização do Brasil.

 

Para conter o caos, só havia uma alternativa: Fluminense neles.

 

Para serenar os ânimos e trazer a paz ao Brasil, partiu em caravana a torcida tricolor de Campina Grande. Isto feito, o povo brasileiro poderia esperar dias melhores.

 

Os milhares de torcedores paraibanos e campinenses que afluiam para torcer pelo campeão gramsciano de 2010, levavam uma mensagem subscrita pelo papa João XXIII, o justo, e por João Otávio, o ínclito.

 

Numa inegável demonstração de consenso, de reconhecimento dos direitos humanos e apreço pela concórdia, asseveravam:

 A capital mundial da generosidade, da cordialidade e da gentileza não pode servir de fachada para acordos espúrios entre traficantes e forças ocultas que procuram intimidar a população do Rio de Janeiro e obscurecer os méritos do campeão gramsciano de 2010.

 

Em homenagem ao Fluminense e a todas torcidas que clamam pela transparência, a ética e a dignidade do futebol brasileiro, o papa João XXII, auxiliado por seu confrade, que se tornou padroeiro do tricolor das Laranjeiras, vulgarmente conhecido como João de Deus, assegurou a toda população do Rio de Janeiro que haverá um dia esplendoroso.

 

Domingo, dia cinco de dezembro de 2010, para saudar o Fluminense,  o sol brilhará de ponta à ponta em todo Brasil.

 

Sentenciou:

Pela manhã todos poderão privar das belezas do Rio. As praias estarão repletas e graças às políticas sociais do camarada Lula terão comida à mesa para o almoço em família. O dinheiro da poupança servirá para adquirir o manto da vitória e às 17 h todos os brasileiros estarão a postos. Os excluídos dos estádios, os viciados em radinhos de pilha e os entorpecidos pela televisão poderão solidariamente torcer pela dignidade do futebol brasileiro e pelo campeão moral de 2010, o nosso querido Fluminense.

 

E assim, por obra do Fluminense, será restaurada a cordialidade, instaurada a probidade e ampliado o acesso de todos às políticas sociais em qualquer quadrante do país para que, enfim, reine a paz no Rio de Janeiro.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 02/12/2010