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Artigo - E o dia nasceu feliz...

Wagner Braga Batista

 

Na região do agreste, a maior Campina Grande do mundo ganhou destaque nos noticiários internacionais.  

Num furo de reportagem,  o dono de cinco cadeias de TV nos states,  três poços de petróleo no Kwait e dois ônibus espaciais da NASa, que humildemente trabalha como cronista na finada Gazeta do Sertão. , fizera uma revelação bombástica.

 

Na véspera da eleição, anunciou aos quatro cantos da Terra que, subitamente, a cidade foi invadida. Milhões de extra-terrestres, satanás, caboclos tranca-ruas, cavalos do cão e quengas velhas tomaram a cidade de assalto.

 

Estátuas demoníacas brotavam em cada esquina. Pombas giras ameaçadoras  invadiam lares a procura de maridos pudicos e faunos luxuriosos assediavam esposas insatisfeitas. Abortos clandestinos fugiam de clinicas respeitáveis e perseguiam  jovens mulheres. Nos espaços públicos, uniões estáveis entre casais do mesmo sexo atentavam contra as famílias.

 

Neste quadro desolador, desenvolvimentos insustentáveis ocupavam parques, industriais, comprometiam empresários responsáveis, agiotas e escusas negociatas financeiras. Bandos de carcarás, corruptos e quero-queros arrombavam portas de moradias, insultavam donas de casa, ameaçavam a ordem e a paz cotidiana.

 

O caos se instalara na maior Campina Grande do Mundo e, breve, espalhar-se-ia pelo brejo, curimataú e todo agreste.

 

Nada mais havia a fazer. Campina Grande e a UFCG estavam entregues à própria sorte.

 

Os monarcas, insignes donos do pedaço, oligarcas com apreço à pobreza e venerandos proprietários do povo não tinham a quem recorrer.  Os super-heróis de outrora, temerosos da ira das forças do mal, capitularam frente a sanha da modernidade. Renunciaram aos super-poderes, à mística das revistas em quadrinhos e se venderam em troca de cargos na prefeitura e no governo do estado.

 

Roy Rogers e Flecha Ligeira evadiram-se das telas de cinema. Zorro e Tonto esconderam-se no armário. Capitão América, envergonhado com as torturas no Afeganistão e o assassinato de quinze mil civis no Iraque, abdicara do dever solene de povos do fim de mundo.  Todos nossos heróis de sempre se acovardaram. Nem mesmo o camarada Lula se apresentava para contar uma piada ou dar um palpite neste momento difícil.

 

As colunas sociais ficaram desertas. Não havia mais banquetes e convescotes para apimentar o vazio de existências tão salutares. Efemérides e ecosenhoras, alvoroçadas, terçavam colares de pérolas, doses de botox, amantes frugais e brincos de diamantes. Desperdiçavam seu inegável talento, reservado à alta cultura, assoladas pelo temor de uma pomba gira plebéia.

 

Declinavam de cirurgias plásticas e de próteses de entretenimento, apressando-se em antecipar sua estada mensal em Miami. Definitivamente, renegavam o amor à Campina e os fins de fins de semana em Bariloche ou João Pessoa, para se evadir para sempre

 

O pragmatismo do sebo nas canelas deixou para trás caríssimos tratamentos para a suas delicadas peles.

 

Os clubes de serviço e irmandades maçônicas, buscando atender à comunidade, na falta de acesso a Bill Clinton, telefonavam insistentemente para Gotham Citty para se socorrer com Batman. Franquias religiosas e logomarcas de igrejas de aluguel pintavam de negro suas fachadas e aderiam incondicionalmente aos cultos africanos, depreciados na véspera.

 

Nos bairros nobres, uma alma sequer pelas ruas. No entanto, jóias, direitos consuetudinários, hereditários, grandes extensões de terras, sigilos bancários e DNAs disputavam com unhas e dentes o direito à salvação. Engalfinhavam-se para se refugiar em toscos cofres enterrados no Buraco da Gia ou a prerrogativa de se esconder em contas secretas em bancos suíços.

 

Malas entupidas de euros e dólares corriam pelas ruas do Mirante. Cuecas sujas de dinheiro suicidavam-se em pânico.

 

Mensalões pulavam pelas janelas e carecas postiças eram repassadas por míseros por dez tostões na Feira de Troca.

 

Inclitos e insignes senhores, desfaziam-se da soberba e da habitual frieza. Não mediam esforços em demonstrar seu pânico e dar vazão ao súbito sentimento de insegurança. Compravam iates no Caribe e heliportos em São Paulo. Trocavam seus títulos de sócios proprietários do mundo, de arrendatários de shoppings e de mandatos legislativos por vastas áreas em campos de golfe na Flórida. Nada mais havia a fazer, senão mudar de Brasil, abandonar Campina Grande, a Paraíba e se locupletar em outra parte do planeta.

 

Em Campina Grande, o mundo virara de cabeça para baixo. As águas do Boqueirão escorriam rua acima e desciam pela ladeira do Campinense para inundar o Açude Novo. 

 

No entanto, em meio ao pânico dos donos do pedaço, graças ao resultado das urnas, a felicidade reinava nas ruas. Alegres, meninos de rua, sem tetos, aposentados, nomeados vagabundos por FHC, estudantes de escolas públicas, servidores municipais, idosos, portadores de necessidades especiais, pobres, desempregados aproveitavam o dia de sol e se banhavam fraternalmente sob o obelisco. À tarde aproveitavam o vazio do Teatro Municipal e encenavam a uma nova peça teatral: “A farsa das elites e das oligarquias enquistadas no PMDB e o temor da pobreza”.

 

À noite, sob esplendoroso luar da cidade abandonada, brincavam de ser crianças que se reencontram no parque da felicidade coletiva, o Parque do Povo. 

 

Na falta de super-heróis, dos torcionários do General  Garrastazu, das infâmias produzidas pelas cinco famílias que controlam a verdade e das bolinhas de papel armadas com mísseis atômicos,  lembraram-se,  então, dos últimos bastiões da democracia, derradeiras reservas morais da nação, eternos vigilantes contra as forças do mal e invasões extra-terrestres: os incansáveis guardiões da liberdade, os velhinhos comunistas de Campina Grande, abandonados no São Vicente de Paula.

 

Imediatamente recorreram aos bancos de sangue locais. Em caráter de urgência, precisariam reanimar  os treze velhinhos com célere infusão de cinqüenta litros de sangue na veia para que se restabelecesse a harmonia e a cordialidade em Campina Grande.

 

E assim foi feito.

 

Depois de um revigorante banho de formol, os velhinhos estavam prontos para mais uma jornada épica em defesa do socialismo, do futuro da humanidade e do restabelecimento da concórdia na nossa querida Campina Grande.

 

Dia seguinte, 1º de novembro, às três horas e quinze minutos, estavam a postos para interminável sessão de masturbação intelectual, seguida de intensa peregrinação por Campina Grande.

 

Sem esmorecer, visitaram às famílias de milhares de desempregados e rememoraram a Wallig. Conversaram com trabalhadores submetidos a duras rotinas no Distrito Industrial, com motoristas e trocadores de ônibus, sob jornadas estressantes, feirantes e pequenos agricultores sem direitos sociais.

 

As quatro horas e trinta e sete minutos reuniam-se com servidores públicos municipais para emprestar apoio as suas consignas. Antes de amanhecer, os incansáveis os velhinhos, ensejavam melhores perspectivas de vida para biscateiros e jovens sem horizonte entregues às drogas. Clamavam por uma política pública eficaz que retirasse adolescente e adultos das mãos de traficantes.  Sinalizavam a melhoria da educação pública e políticas de segurança respaldadas no respeito à cidadania e aos direitos humanos. Cobravam dos poderes públicos atendimento rápido e condigno nos hospitais e postos de saúde.  Exigiam a melhoria dos equipamentos de uso coletivo no especo público. Denunciavam o desprezo pelas minorias e a ira da homofobia. A hipocrisia dos que alegam defender a vida humana, mas se mostram indiferentes à sorte de mulheres e de crianças aviltadas e abandonadas.

 

Eretos e vigorosos, os velhinhos comunistas ganhavam as ruas da cidade. Empunhavam bandeiras flamejantes, bengalas com as cores do arco-iris e erguiam cadeiras de rodas exigentes de acessibilidade. Após percorrerem as periferias da cidade, seguiam rumo à Praça da Bandeira.

 

Eufóricos, os velhinhos comunistas não sentiam o peso que muitos jovens carregam na consciência. Lépidos e falantes, cerceados apenas pela falta de mobilidade, pelo passo trôpego, pela surdez e pela deficiência visual, detinham-se para falar com pombos e trocar informações com o rádio de taxistas.

Tudo bem, em nome da causa. Nada a reclamar. Sentenciavam nossos incansáveis velhinhos.

 

Saudosos, os velhinhos comunistas reviram antigos companheiros no calçadão da Cardoso Vieira e sob as marquizes do Café Aurora,

 

Depois de trinta anos de exílio, abraçavam amigos, eventualmente separados por vicissitudes e contenciosos transitórios. Olhavam com tristeza, o patrimônio cultural e os cinemas de Campina Grande, loteados, devastados e desprezados pelo poder público.

 

Procuravam e não viam os entusiásticos falastrões dos dias anteriores. Desapareceram, assim como suas promessas. Reconheceram, sim, párocos, pastores, espíritas, integrantes de cultos com raízes africanas, religiosos, que fiéis as suas crenças, mantinham-se ao lado dos humildes e necessitados. Estavam presentes em pastorais, em comunidades periféricas, associando-se aos que não dispõem de passaportes para outros Brasis, contas bancárias no erário público e cartões de crédito para comprar o outro mundo.

 

Eufóricos, os velhinhos comunistas, todos vivos, perderam a eleição em Campina Grande, O que importa, se chegaram sãos ao dia seguinte. Melhor do que tudo isto, subsistiram às escoriações, à corrupção, à lavagem cerebral, à falta de dignidade, à cooptação, às infâmias, às paradas cardíacas, a transferência do patrimônio publico, à osteoporoses, à quase total privatização do ensino público, às mentiras, aos preconceitos e às mágoas.

 

Findo o dia, trôpegos, os velhinhos comunistas não tinham visto nenhum satanás, alma penada, extra-terrestre, pomba gira ou qualquer entidade bizarra. Não havia caos ou pânico em Campina Grande. Havia, sim, a felicidade que irradiava do povo.

 

Cheios de júbilo retornavam ao acólito do São Vicente de Paula, Sem entorses, convulsões, taquicardias, tosse ou apnéia, voltavam ao sono dos justos, ciosos da missão cumprida.

 

Sem nenhum temor, estavam convictos de que Campina Grande, a maior do mundo, dormiu e amanheceu feliz.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 04/11/2010