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Artigo - Ficamos a ver navios em Sete Lagoas

Wagner Braga Batista

Depois de reunir vários ancestrais com mais de trezentos mil anos, estávamos todos num alegra confraternização à beira de Sete Lagoas. Bebíamos a gostosa aguardente e comíamos  torresmo com tutu a mineira a fartar. Como era manhã de domingo, como autênticos e prazerosos matutos, dávamo-nos ao luxo de tirar bichos do pé.

 

Durante estes séculos de privações, padecemos fome e frio através do indescritível trajeto que nos trouxe do Estreito de Behring. Banqueteávamo-nos com pedras e gafanhotos quando havia o que comer. Enfrentamos a selvageria, a barbárie, o colonialismo e depois as elites civilizadas. Fomos duramente expropriados por homens de bem que temiam a ditadura da maioria empobrecida. Atravessamos anos de atroz liberalismo culto, agora a pobreza aculturada pode comer feijoada aos domingos, saltar da classe E para a D e tirar tranquilamente bicho do pé à beira de Sete Lagoas.

 

Esta grande massa de pobres e miseráveis, agora queria ter acesso aos estádios de futebol interditados por Vil Teixeira. Não podendo ingressar no Maracanã, sequiosa de gerais e de arquibancadas migrara célere para Sete Lagoas.

 

De todo Brasil, milhões de torcedores estavam a postos para torcer pelo Fluminense.

 

Nos aeroportos atrasaram todos os vôos e as rodoviárias passageiros vestidos de verede, branco e grená eram interceptados pelos torcionários do General Garrastazu. Conseguimos furar o cerco disfarçados de timbus e preás. Enfrentamos hordas de preguiças com dentes de sabre e preguiças e enormes PhDs com poderes sobrenaturais. Após furarmos o bloqueio estávamos jogando pelada e comendo torresmo em Minas Gerais.

 

Graças às bolsas de marsupiais de família, conseguimos ter o que comer e beber, furamos o bloqueio e os ardis publicitários e agora nos confraternizávamos com o povo verde e outras espécies de gente, quase extintas, em Minas Gerais.

 

Pontualmente, às 17h e 39 min batíamos às portas da Arena do Jacaré, outro conterrâneo em extinção.  Esperavamos uma grande recepção com bandeiras, atos públicos e manifestações em prol do Fluminense e do futuro da humanidade, mas só havia silencio e portas fechadas. Ansiosos aguardamos disciplina e pacificamente pela abertura dos portões do estádio. O tempo corria apressado e a enorme delegação tricolor de Campina Grande acompanhada de tantos ancestrais sepultados em Sete Lagoas, mantinha-se totalmente desinformada do destino do jogo e do paradeiro do time do Fluminense. Ao final do primeiro turno, soube que muitos de nós fôramos enganados.

 

Disseram que o surfista da meia noite cometera aborto, que Muricy preparava dossiês secretos para os times adversários e que o admirável Conca era jogador de basquete. O mais grave desta onda de desinformações atingia o núcleo central do sistema e o time do Fluminense. Disseram que o centro avante atuava com 99 e na realidade era apenas um costumeiro 151. Caímos inadvertidamente no conto do vigário de paulistas e mineiros.

 

Pelo radinho de pilha soube que o estádio de Sete Lagoas fora interditado, o jogo fora transferido para Uberlandia e se encaminhava para o segundo turno. Esta trama diabólica anunciava que o resultado estaria sendo antecipado para todo Brasil, por agencias de pesquisa de qualidade inquestionável, antes do final do jogo.

 

O que fazer?

 

Tinham desregulamentado o campeonato e suprimido o legitimo direito de torcer.

 

A partir daí, ao invés de times de futebol entrariam em campo máquinas de lavar dinheiro. Envergariam a camisa do clubes estratégias empresariais de marketing   certificadas por institutos credenciados e avaliadas por agencias reguladoras que defenderiam sanções para torcedores e direitos plenos para o mercado.

 

E assim, cada vez que uma máquina de lavar dinheiro entrava em campo, os torcedores do time adversário aplaudiam. Ao apresentar o plantel de contraturas e jogadores bichados, pagos regiamente com deduções fiscais, notas falsas e contratos fajutas e dinheiro de municípios e de governos de estados os adversários regozijavam . Quando 600 quilos de ouro se contundia em troca de jogadores dos times de base  do Fluminense para o Chelsea, torcedores adversários tinham verdadeiros orgasmos.


E o radinho de pilha nos informava que a torcida do Cruzeiro se esbaldava. Quando o zagueiro do time adversário, que recebe cem mil reais por mês, chutava contra o próprio gol,  as raposas mineiras ovacionavam.

 

A catarse maior ocorreria quase ao final do jogo. Entraram 400 mil reais em campo para beber água numa bica na bandeira de corner e saciar a sede de não fazer nada.

 

E assim, companheiros tricolores, ficamos a ver navios em Sete Lagoas.


Data: 13/10/2010