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Artigo - A pobre Maria das Dores de Barueri

Wagner Braga Batista

 

 

Castigado pelos céus por preterir Fluminense, vimo-nos diante de outro tropeço.

 

Tropeçamos nas eleições para o Clube de Mães do Pedregal e escorregamos numa enorme casca de banana. Ou melhor, no campo molhado.

 

Crédulos, entramos em campo de sapato alto em solidariedade a uma jovem da alta sociedade paulista que queria se redimir de seus pecados.  Porém o campo estava alagado, escorregadio, cheio de traíras no gramado, fomos mordidos nos calcanhares e levados ao chão por descuído.

 

Em flash back contaremos mais uma desventura do solidário tricolor das Laranjeiras.

 

Perseguindo a triste sina de assistir pobres times sendo derrotados pelo futuro campeão brasileiro, à véspera da eleição de candidatos sem partido, aventurei-me a pegar um vôo sem garantia de regresso. Ia no roldão, sendo levado por uma onda verde e uma massa marrom, pastosa e mau cheirosa que me empurrava para Barueri.

 

Por devoção ao Fluminense, sai de Campina Grande, com intenção de voltar no dia seguinte. Desloquei-me para a pequena cidade de Barueri, em São Paulo, onde não há programas de governo, nem nomes de candidatos.

 

Lá chegando procurei pelo estádio onde o Fluminense jogaria com o time que recebeu o nome desta nobre e acolhedora cidade.

 

Para surpresa minha, na véspera da partida, o adversário mudara de endereço. Com medo de ser reconhecido, confundido com algum candidato Ficha Limpa, saíra de circulação.  

 

Na iminência de ser obrigado a entrar em campo, o pobre Barueri procurou um cartório, fez outro registro de nascimento, mudou as cores da camisa, o escudo do time, trocou de endereço e de nome pela terceira vez consecutiva.

 

A partida estava programada para as 16 horas. Porém para surpresa de todos, dez minutos antes do jogo não aparecia o adversário. 

 

Enquanto o time do Fluminense se aquecia em campo, sai desesperado pela cidade. Botava anuncio nas rádios e jornais. Os alto falantes na praça pública chamavam insistentemente. Batia de porta em porta e nada.

 

Procurava pelo adversário do Fluminense e ninguém naquela bela cidade sabia do seu paradeiro. Barueri. Já desistia desta inglória tarefa quando me entregaram um número de telefone.

 

Rapidamente fiz a ligação e uma voz em falsete atendeu desconfiada. Dizia-se chamar Maria das Dores, alegou que não gostava de futebol, que era uma senhora comprometida e que nunca ouvira falar de Barueri. Resolvemos então ir ao seu encontro.

 

Na soleira, recebeu-nos um plantel de jogadores que juravam de pés juntos se chamar Maria das Dores. Havia Maria de brincos, tatuada, barbada, fazendo embaixada, com piercing nos testículos, olhos nas sextas-feiras, cabelos de moicano, perna depiladas, bigodes e peitos cabeludo. Eram onze jogadores e mais dez cantores de pagado em uma só Maria das Dores.

 

A sofrida Maria, quando localizada, estava amargando uma difícil condição. Perdida e desamparada pela prefeitura local e pelos patrocinadores traíras, caíra na vida. Caíra tanto que se encontrava em último lugar na tabela do campeonato à mercê da segunda divisão.

 

Na decadência, amasiou-se com o empresários de jogadores, agentes do marketing esportivo e apontadores do bicho permissivos, todos com segundas e terceiras intenções. O pobre do Barueri agora só queria ser reconhecido por este nome.

 

Maria das Dores recebera um estádio completo do poder público e trezentas chuteiras para se profissionalizar em Maria Chuteira. Recebeu bolsa de estudo, mas se perdera na via e caia bêbada pelas tabelas. Renegando o patrimônio político, cultural e a luta recente de tantas mulheres arrojadas, era ultrajada em publico e apanhava incontinenti.

 

Recomendada a recorrer à Lei Maria da Penha, preferia se comportar como mulher de malandro. Toda vez que Maria das Dores entrava em campo apanhava publicamente, aos olhos de todos. Apanhava de seis a um do Avai e de todos que nela quisessem bater.

 

Em pleno século XXI, Maria das Dores não honrava a luta secular pela emancipação de tantas mulheres. a tradição de lutas

 

O time do Fluminense, movido pela forte consciência cristã, sentiu-se apiedado.

 

Seus jogadores, como autênticos cavalheiros ou gentlemen de Itaboraí não poderiam se conduzir deste modo.

 

Convidaram Maria das Dores para um chá com torradas, um passeio numa alameda florida e para se sentar num aconchegante banco de jardim das Laranjeiras. Ali declinaram momentaneamente desta vitória em conidções desiguais e adversas e se comportaram como com nobres cavalheiros.

 

Deram as mãos à jovem senhora, reconduziram-na ao campo com o nome que agora se outorgava: Grêmio Prudente de Barueri.

 

Uns diziam que era fair play, outros um simples ato de cavalheirismo.

 

E o Fluminense abriu mão da vitória, engoliu um gol em impedimento, não reclamou do juiz, não atacou a CBF e nada fez em nome da redenção da jovem senhora.

 

Aparentemente derrotado, continuava líder do campeonato.

 

Uma hora, após este gesto edificante, voltava à Campina Grande. Eleitor do dia seguinte, teria que votar em silencio e remoer no escuro do quarto obscuros meandros que me levavam a outras infortuitas estórias.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 05/10/2010