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Artigo - A ascensão social dos suínos

Wagner Braga Batista

 

 

Pela primeira vez, os porcos, queixadas, caititus e javalis tinham conseguido estabelecer um pacto em defesa de interesses comuns.

 

Redigiram um programa mínimo que contemplasse suas principais reivindicações. Por precaução, ao invés de constituir, prematuramente, um partido débil e inconsistente, resolveram criar uma piara. A confusão no amontoado era tanta, que o coletivo porcino ainda não tinha em vista uma forma de organização política mais elevada.

 

Cônscios de suas limitações ideológicas e de classe, os porcos reduziram o patamar de suas reivindicações, suas legítimas aspirações históricas e foram chafurdar na lama.

 

Unidos em prol da mesma causa, colocaram dinheiro na poupança e com os rendimentos pintaram a pocilga. Para conter o arrivismo no matadouro, compraram novos cadeados, eliminaram os buracos da cerca e reformaram a sala de estar do chiqueiro. Encomendaram uma mesa de centro, cortinas de gaze de linho e um imenso sofá para receber os donos do abatedouro.

 

As sensíveis melhorias no padrão de vida e os significativos avanços no IDH, permitiam aos porcos dedicar-se à compra de bens duráveis e dar vazão às sadias expectativas de consumo.  

 

Inicialmente, alguns adquiriram cosméticos e protetores solares. Outros, para aliviar a depressão e a ansiedade foram fazer terapias alternativas. Suas parceiras tornavam-se freqüentadoras de spas, de clubes de mães e de eventos sociais. Praticavam diletantismo as segundas, terças, quartas e quintas, as sextas dedicavam-se às compras nos shoppings . Para manter a família, vendiam badulaques e cosméticos durante toda a semana.

 

Os porcos, dia a dia, melhoravam as suas condições de vida, vislumbravam novos horizontes e construíam cercas cada vez mais altas no chiqueiro. Sentiam-se, também, mais confortáveis com a abundancia de lama que inundava a pocilga. Porém, queriam muito mais.

 

Dirigiram ofício ao dono do abatedouro e solicitaram providências contra as infestações de tungídeos,  nematideos e taenias. Num longo memorando, mostraram-se agradecidos pelas preocupações, providencias e benefícios proporcionados pelos responsáveis pelas medidas sanitárias no chiqueiro, ressaltaram os ganhos entre custos e benefícios, advertindo para enormes prejuízos causados pela contaminação e perda de qualidade da carne suína.

 

Graças à gestão integrada, os donos do abatedouro tinham plena confiança nos seus porcos. Revelando reciprocidade tratava com deferência seus colaboradores e desenvolvia políticas de assistência aos porcos.

 

Aos poucos, tinham acesso à castração e ao tratamento contra estafilococos. Graças à união da classe, obtiveram direito a medidas preventivas contra a depreciação dos derivados de carne porcina. Gratuitamente ganharam remédios contra estreptococos, vacinas contra a gripe e a febre suína. Sentindo-se envaidecidos com o tratamento vip que lhes oferecia a empresa, participaram de campanhas promocionais do matadouro. Deram depoimentos elogiosos, abriram às portas de suas casa e, juntamente com suas famílias, reconheceram o tratamento personalizado e a paridade com seus congêneres europeus.

 

Como inequívocas demonstrações de agradecimento, escreveram cartas ao capataz, ao magarefe e aos donos do abatedouro publicadas na imprensa.

 

Como verdadeiros colaboradores, sentiam-se gratificados por pertencer aquela grande família empresarial. Honrados pela deferência da empresa em manter seus filhos amparados até seguirem para o abatedouro.

 

Assim, acumulavam novas conquistas.

 

Depois de tantos anos de convivência pacífica entre a piara e a grande família do matadouro, os porcos alcançavam todos direitos constitucionais. Sem discriminação de peso, raça, ideologia ou tamanho do corpo, poderiam aprender a ler e a escrever, ser cevados e vacinados. Pela legislação vigente, também teriam direito de votar e ser votados, antes de seguir para o abatedouro.

 

Neste escalada súbita, reivindicaram o direito a cursos de nível superior. Salientaram que porcos poliglotas, falando inglês, alemão, francês e japonês, trariam significativas vantagens econômicas para donos de abatedouros. Representariam uma demonstração de apreço pelos parceiros externos. Evidenciariam a qualidade do produto nacional e facilitariam extraordinariamente a aceitação, o consumo e a exportação de pernis, toucinhos, lingüiças e derivados.

 

Depois de tantas refregas e desentendimentos pela ocupação de charcos e chiqueiros, os porcos tinham logrado o consenso e partilhavam o mesmo espaço na pocilga. Resolveram transformar, a piara ou vara num representativo partido político.

 

O Partido dos Porcos e Congêneres- PPC defenderia uma nova designação para a classe, a ascensão social de porcos, queixadas, caititus e javalis, bem como a melhoria da carne porcina

Juntamente com os donos do abatedouro, os suínos lutariam para ter acesso a um patamar mais elevado no açougue e, consequentemente, subir na vida.

 

Pensaram, então, nos benefícios de uma universidade. Por intermédio do ensino, da pesquisa e da extensão desenvolveriam projetos que melhorassem a qualidade e o sabor da carne suína.

Há muitos anos reivindicavam o direito à mobilidade e à ascensão social.  Com o acesso franqueado à universidade, tinham plena convicção de que poderiam subir na via. Poderiam ser doutores e PhDs. Teriam cartões de crédito, aval de agências de pesquisa, usufruiriam do sistema financeiro, transfeririam recursos públicos para a pocilga, comprariam automóveis do ano, alugariam apartamentos na praia e, num gesto de elegância, reformariam as casas dos donos do abatedouro.

Poderiam viajar para congressos e passar férias em Miami. Comprar óculos de sol, chapéus de panamá, farejar ouriços, mariscos na beira da praia e pescar marlins na Jamaica.

 

Freqüentariam círculos de pesquisadores, restaurantes suntuosos, casa noturnas e conheceriam as celebridades do circuito universitário e o inebriante star sistem.

 

Tão logo tivessem assento nos bancos da academia, ingressariam definitivamente no desenvolvimento sustentável pelas mãos da sociedade do desperdício.

 

Seus olhos luziam de satisfação ante tantas ofertas de eletrodomésticos. Imaginavam máquinas de lavar roupas, aspiradores de pó, aparelhos de ar condicionado, home theaters , equipamentos de hidroginástica e grandes camas vibratórias em todo chiqueiro. Comprariam roupas de logomarcas, ternos vestidos elegantes, echarpes e cachecóis. Beberiam finos vinhos e  comeriam perolas balanceadas. Não esqueceriam de aparelhos odontológicos, seios de silicone, tênis importados, passos de dança engessados, discos de rock and roll e estimulantes de idiotice para seus rebentos. Quiçá, futuramente, seus se casassem com avestruzes bem sucedidos, com gabirus proeminentes ou hienas parlamentares.

 

Sonhavam alto, afinal a universidade abriria novas portas, proporcionaria a tão desejada ascensão social, casamentos promissores, gordas contas bancárias e sinalizaria novos patamares nas vitrines do açougue.

Seriam porcos graduados, certificados e qualificados para o corte, habilitados a comprar e vender carne à vista e à prestação. Caso quisessem, poderiam se tornar professores, dedicar-se integralmente ao magistério, desaparecer do cenário e fazer mistério da educação.

 

A oportunidade impar chegara num momento adequado. Num ano de eleição.

 

Depois de tanta segregação, os porcos não seriam mais discriminados. Poderiam chafurdar tranquilamente na lama, pleitear cargos públicos e se candidatar a mandatos eletivos. Certamente alguns receberiam comendas e encomendas, pedidos e postulações indeclináveis. Para orgulho de todos integrantes da vara poderiam se candidatar a deputados e concorrer ao senado.

 

Os porcos, tributários do prestígio acadêmico, davam projeção à campanha em prol do reconhecimento da carne suína. Destacariam suas propriedades, sua qualidade e seu aproveitamento nos matadouros. Graças à proficiência do marketing protéico e ambiental, poderiam atingir o primeiro lugar no ranking universitários das carnes. Caso este intento se concretizasse, salientavam, desde já, que não gostariam de se misturar com carneiros, bodes, galinhas, nem tampouco com vulgares bovinos. Posto que, em nome da excelência acadêmica, queriam obter destaque nas vitrines de açougues.

 

Depois desta vertiginosa escalada, os porcos apresentavam um último pleito.

Com apoio dos donos de abatedouro, pretendiam tratamento mais digno para espécie.

Como se sabe, os porcos nunca aceitaram esta imprópria denominação. Detentores de nomes específicos, redigiram uma resolução em nome da classe. Defendida em congressos sindicais, conclaves, simpósios e eventos técnico- científicos, Brasil afora, unanimemente,  postulava uma nova designação para os porcos.

 

Os porcos reivindicavam ser designados por conceito mais condizente com sua ascensão social, sua vocação profissional e seus novos hábitos em chiqueiros.

 

Com muita proficiência argumentaram que porcus era um termo etimologicamente inadequado, restritivo, mais especifico do que suíno. Porcus designava um simples exemplar ou espécime desta nobre raça. Suíno era um conceito mais abrangente. Denotava uma grande família, uma classe que galgara altas posições nos açougues, prestígio mo meio acadêmico, confiança dos donos de abatedouros e se mantinha unida nas pocilgas e chiqueiros domésticos.

 

Portanto, a partir daquele momento histórico, só aceitariam a designação aprovada pelos eventos representativos da classe. Seriam chamados sus domessticus ou suínos. Coletivamente, enfatizaram que esta mui merecida denominação dignifica a espécie e coroa uma indescritível trajetória ascendente em defesa dos seus direitos.

 

Assim os porcos, agora chamados suínos, ascenderiam socialmente e constituiriam uma brilhante história de lutas. Elegeriam representantes para o parlamento, com amplas garantias constitucionais e absoluta imunidade para defender o direito dos suínos em todos chiqueiros.

 

Neste diligente mister, graças à prerrogativa parlamentar, enquanto seus congêneres seguiriam a mesma sorte, os eleitos estariam dispensados de ir para o abatedouro.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 


Data: 29/09/2010