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Artigo - A má sina dos galináceos, a vitória tricolor e o fino terno de Wanderley Luxemburgo

Wagner Braga Batista

 

 

No trajeto para o Engenhão, as ruas estavam abarrotadas.

 

Havia interjeições caídas no chão e ternos de Wanderley Luxemburgo por toda parte Ternos caríssimos, misturados com cocôs de cachorros vira latas, reclamavam da imundície. Se sujássemos alguma gravata jogada na rua, pagaríamos mil euros de multa.

 

Esparramadas no asfalto, porcentagens de contratos de jogadores convocados para seleções reclamavam do alto valor da propina.

 

Interjeições saltavam como pererecas. Se, inadvertidamente, pisássemos alguma delas, gritavam em pânico:

 

Uai! Vamos perder de cinco a um!

 

Em grandes transatlânticos, milhões de mineiros aportavam nas praias do Rio. Trazidos por Tancredo Neves e Benedito Valadares vinham restaurar a República do Café com Leite, sob os auspícios de Vil Teixeira. Pretendiam sufocar movimentos populares, torcer contra o Fluminense e revitalizar velhas oligarquias.

 

Repetindo a máxima de seu conviva, Vil Teixeira saudava a todos:

 

Não sou contra, nem a favor, muito pelo contrário, mas torço pelos times de São Paulo.

 

Referia-se ao Corinthians como um time amigo e ao Fluminense como adversário. Juntamente com velhas raposas mineiras, proporcionaria aos amigos noitadas em quarta-feiras e jogos adiados. Aos inimigos, assacaria a lei, Maracanã fechado e inúmeras pernadas.

 

E assim, o Fluminense, em menos de um mês, tornara-se o grande derrotado.

 

Se algum juiz quisesse roubar, se um prócer da UDN pretendesse desmoralizar alguém, se tivessem que indicar uma Geni dos fins de semana, para cuspirem, apedrejarem, detratarem ou ferirem, a escolha estava feita. O indicado seria inevitavelmente o Fluminense.

 

Nos últimos dias, sem nenhum constrangimento, todos se apresentavam para bater e tripudiar do Fluminense. Sem pejos e sem cerimônia,  vinham a nossa casa, comiam, bebiam e desciam a lenha.

Agora, trens doidos, vindos de Minas, estacionavam por todas calçadas. Repentinamente, subúrbio do Rio de Janeiro fora tomado por chouriços, torresmos, jilós, pimentas de biquinho, polentas fritas, doces de leite e bolos de milho.

 

Eram mineiros que se apresentavam para dar uma sova de pau no humilde tricolor e preparar inesperada janta.

 

No entanto, não sabiam que seriam servidos dois pratos regionais, cabeça de galo e galinha à cabidela.

Clandestinamente, ocuparam todos os bares do Engenho Novo e lugares na arquibancada. Vieram de longe para jantar e involuntariamente seriam jantados. Pobres galináceos, o cruel destino havia determinado que seriam depenados no Rio de Janeiro.

 

Confusos e desorientados os mineiros chegavam aos bandos.

 

Por onde passavam, para confundir a população, sem que nada lhes perguntassem, diziam que não gostavam de queijo. Travestidos de baianos, com sotaque de gaúchos e queimados de sol como capixabas, diziam-se moradores da cidade. Irremediavelmente, estavam condenados à chacota e à gozação.

 

Para arrematar, ostentavam camisas rubro-negra e afirmavam torcer pelo Flamengo. Primos de primeiro grau dos urubus, os galináceos cometiam grave equívoco.

 

Amargando o rigor da fria e tenebrosa fronteira da segunda divisão, os urubus guardavam a devida distância de seus familiares. Nos botequins, aterros e muvucas, os urubus não queriam conversa.

 

Sigilosamente, torciam para o Fluminense e secavam seus primos galináceos das alterosas.

 

Alegavam que a afinidade entre pai e filho era mais forte. Que a família dos times cariocas, desonrada por Vil Teixeira não poderia se manter omissa e calada. Diziam-se envergonhados por terem sido expulsos do Maracanã, marginalizados pelos poderes públicos e se sentiam órfãos do goleiro Bruno. Desamparados, sobrevoavam a grande metrópole, pousavam em aterros sanitários e terrenos baldios à busca de um novo estádio.

 

Assim a segunda maior torcida do mundo, menos apenas do que a do Fluminense, via-se na contingencia de disputar seus jogos no meio da rua. Sentia-se diminuída vendo seu time jogar peladas sobre paralelepípedos, com bolas de meia, traves de latas enferrujadas e fugindo de rádio-patrulhas. Por causa de Vil Teixeira, estava submetida a esta dura humilhação. Pior, sentia um bafo quente na nuca, posto que estava sendo empurrada para a segunda divisão.

 

Porém, no dia 22 de setembro, no campo do Engenhão, torcedores marginalizados pela CBF iriam promover a grande comunhão. Em defesa da dignidade do futebol e dos torcedores brasileiros, torceriam todos juntos pelo futuro campeão brasileiro.

 

Com seus respectivos rádios de pilha, envergando camisas e bandeiras do Flamengo, Vasco e Botafogo, torceriam pelo Fluminense e secariam o Atlético Mineiro.

 

Depois haveria o grande jantar de confraternização, com cabeça de galo e galinha a cabidela. No entanto, como bons cidadãos, não queriam deixar as ruas com cheiro de penas encharcadas, esterco de frango e vísceras de capão.

 

Porém, os urubus contrariando o senso comum. Intercederam em favor dos galináceos. Pediram solenemente que o jantar fosse suspenso e que o resultado do jogo não fosse avantajado.

 

Em atenção aos confrades, apiedado das galinhas e galináceos, o time do Fluminense jogou com as mãos atadas nas costas e como se fosse saci pererê, correndo com uma perna só. Para não estender o placar, para que um gol fosse consignado, a bola teria que entrar três vezes.

 

Para equilibrar o jogo, no segundo tempo, tiramos o goleiro. Depois jogávamos apenas com um terço do time. Mas estava fácil demais.

 

Pedimos,então, ao juiz para reduzir o placar. Porém, foi inflexível. E fomos obrigados a vencer por placar dilatado. Injusto, diga-se.

 

Queríamos vencer apenas por um ou dois a zero. Jamais pretendemos humilhar nosso adversários, porém ao final o resultado era insofismável. Contra nossa vontade, vencemos por cinco a um.

 

Não queríamos que nossos amigos mineiros partissem escabreados levando esta desagradável lembrança do Rio de Janeiro. Deixassem tristes uais espalhados pelas ruas e trens doidos mal humorados zanzando pelas calçadas. Tampouco, pretendíamos que enormes pilhas de queijo fossem abandonadas nas esquinas do Engenhão.

 

No desespero de voltar para casa, nossos amigos das alterosas, saíram sem pagar as despesas.

Num ato de deferência e generosidade, a torcida tricolor se dispôs a pagar a conta da hospedagem e da lavagem. Só não pagaríamos a lavagem do fino terno de Wanderley Luxemburgo e da grana embolsada para convocar jogadores para a seleção.

 

Meus amigos, foi triste. Infelizmente vencemos de cinco a um.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 24/09/2010