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Artigo - O circulo de pesquisadores

Wagner Braga Batista

 

O círculo de pesquisadores reuniria cidadãos de renome internacional. Chegariam de todas as partes do mundo para celebrar o resultado de trabalhos científicos sem igual.

 

No grande evento, destinado a discutir o destino da humanidade e sustentabilidade do mundo futuro, novos rumos seriam traçados para a viabilidade planetária.

 

Composto por cientistas russos, ingleses, dinamarqueses, franceses, japoneses, noruegueses, norteamericanos, portugueses e pesquisadores de inúmeras outras nações, o circulo era a grande celebridade.

 

O circulo reunia-se a cada dois meses para marcar novas reuniões. E nesta dinâmica virtuosa fora ganhando projeção e visibilidade.

 

O circulo se formara ao longo de anos e anos de laboriosas descobertas. Agora, depois de tantos outros anos, iria apresentar os primeiros resultados de suas frutíferas pesquisas.

 

Como se tratava de um círculo, graças a seu cronograma, sua estrutura e seu organograma, a sua respeitável dinâmica seria inerente à lógica do próprio circulo.

 

Por se tratar de um círculo de pesquisadores com projeção internacional, a divulgação dos seus trabalhos não poderia ser um fato trivial, unilateral, bilateral, transversal ou regional. Deveria ser celebrada como um evento global. Prestigiada por chefes de Estado, senhores de feudos, donos de agencias financiadoras de noticias e integrantes dos demais círculos de pesquisa. A consolidação deste exaustivo trabalho, certamente, descerraria um novo horizonte para a sociedade, uma ponte aberta para o futuro, senão, mais grana e cem anos de subsistência do próprio circulo.

 

Os pesquisadores chegavam de lugares longínquos, viajando em transatlânticos mal ajambrados e supersônicos com pneus furados.  Para não cabular o precioso espaço da pesquisa e da reflexão cientifica, ocupavam seu prestimoso tempo devotando-o ao círculo. Para estimular seu prodigioso e inventivo pensamento, jogavam  cartas, bola de gude e bafo-bafo.

 

Em nome da ciência e da proficiência do saber, teriam que se submeter a duras normas de comportamento. Hospedar-se-iam em hotéis suntuosos e confortáveis, não poderiam despender recursos próprios e, para não comprometer a imparcialidade das pesquisas, teriam seus caprichos, horas de trabalho e  laivos de intolerância devidamente regrados pelo diletantismo comissionado.

 

Para resguardar a isenção dos resultados, os dados e as informações seriam invariavelmente financiados com verbas e dotações  do erário. Às expensas do patrimônio público, o trabalho voluntário seria contemplado com diárias e pro-labores para gratificar estes pobres abnegados. 

É forçoso dizer, que seu empenho jamais foi efetuado em vão. Quando leram teses inaceitáveis e parágrafos incompreensíveis,  exercitavam a imaginação. Ao emitir avaliações absurdas testavam o exercício da razão.

 

Agora, neste esforço de dissimulação, empenhar-se-iam ao máximo para não ser as estrelas de primeira grandeza nesta vasta constelação de luminares.

 

Tudo seria feito em nome dos resultados da ciência e quiçá do avatar do circulo.  

 

Dormiriam com os  olhos abertos em palestras, abdicariam de suas vaidades em atenção à frivolidade  de seus pares. Gastariam fortunas em ternos, sapatos, bolsas e computadores da moda para pontificar em centros de convenção. Teriam que passar semanas elaborando frases feitas para agradar  o main stream. e contemplar seus chairmn. Decorariam paradigmas, sinais, trejeitos e sigmas para atender à liturgia acadêmica. Ensaiariam apertos de mão e falsos gestos de gratidão. 

 

Depois, de trocar deferências, marcar presença em jantares, em bailes e em reuniões de fuxico, trocariam salutares opiniões sobre a vida de seus pares à beira das piscinas e quadras de tênis.

Para não despertar invejas ou suscitar suspeições, todos apresentariam seus respectivos  trabalhos. Realizados por orientandos e quejandos, revelavariam o inevitável. Traziam seus nomes estampados e todos os pares eram agraciados com elogios e citações. Comprovado o feito, neste ingente trabalho de pesquisa, demonstrariam que emitiram convites para todos integrantes do circulo para congressos, simpósios, conferencias e comitês de avaliação. Também não esqueceriam de indicar seus notáveis pares para bancas, concursos, elaboração de editais, viagens turísticas, convenções e outros carnavais.

 

E assim iam chegando e se notabilizando novos integrantes do circulo.

 

Com suas malas carregadas, desciam de vôos fretados, assessorados por servidores de agencias de pesquisas e de noticias. Cada um portava nas mãos editais encomendados e pelo menos três projetos avalizados.  

 

Aportavam num hotel na Jamaica e antes que se instalasse o circulo ou se sentissem cansados iriam pescar marlins azuis.

 

Passados dois dias em alto mar, voltaram para descansar. E povo envaidecido da Jamaica saudava o circulo de pesquisadores de renome internacional que também sabia pescar.

 

E o povo agradecido da Jamaica ovacionava o circulo de pesquisadores que também sabia pescar.

Um a um, os pesquisadores de renome internacional retiravam das gordas malas, ternos, gravatas, vinte quilos de soberba, quatro pares de óculos com olhares pedantes, um monte de informações sobre a cotação das pesquisas na bolsa de Nova Iorque e relatórios confidenciais sobre investimentos e lucros no ensino privado.

 

Isto feito, com as malas vazias, poderiam então descansar.

 

Portem, às dez horas da manhã, um integrante deste valoroso círculo teria um amargo despertar.

Ligava para todos seus pares e tentava não se desesperar. Tinham retirado tudo das malas e não havia um circulo sequer. Um circulo desprezado, dobrado, amarfanhado, amassado, sujo ou mal lavado. Não havia um circulo sequer.

 

Onde estariam os circulos?  Se ao menos dispusessem de um diminuto circulo, que não fosse uma ação entre amigos, um grupo de interesses pecuniários, uma sinecura ou uma simples conta bancária. Desesperados procuraram um circulo por todo canto.  Sem ele não saberiam o que fazer.

Tentaram solicitar um circulo à Universidade de Cambridge. Envidaram urgentemente um circulo emprestado de Oxford. Eméritos pesquisadores de Harvard, viajaram atrasados para recuperar o seu circulo de pesquisas.. Porém todos os círculos estavam ocupados.

 

Pela internet, tentaram obter um circulo, mas o arquivo estava por demais pesado.

 

Sem o círculo, os pesquisadores de renome internacional nada teriam a fazer. Não poderiam fazer colóquios, pesquisas, interlóquios, solilóquios, solstícios, desaprendiam a pensar, a falar e nada mais teriam a dizer.

 

E assim, por causa da ausência do circulo, anos e anos de pesquisa, abnegado e diligente trabalho, proficiente esforço analítico e prolífico empenho investigativo, por um único e reles motivo, tinham sido anulados. Um dispendioso investimento de agencias multilaterais de pesquisas e de notícias corria pelo ralo.

 

Como perus em círculos de giz, os pesquisadores internacionais de renome se sentiam lesados. Viajaram tanto de lá pra cá e, agora, fora do círculo, não sabiam para onde ir.

 

Dizendo-se prejudicados em suas pesquisas e fantasias, os pesquisadores de renome internacional iriam acionar a FINEP, a CAPES e o CNPq, entrariam com processos de perdas e danos contra o Centro de Convenções, interpelariam a empresa aérea, alegando extravio de bagagens, denunciariam a agencia de correio, que não entregou o circulo a tempo e a seguir, numa demosntração de zelo e probidade cinetifica, participariam de um talk show.

 

Sem os resultados da pesquisa, sem futuro para a humanidade e sem rumos para a sustentabilidade planetária,  os habitantes da Jamaica se sentiam frustrados e serenamente voltavam as suas habituais rotinas para esquecer dos pesquisadores renomados.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 22/09/2010