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Artigo - O concurso para profeta tricolor

Wagner Braga Batista

 

O time do Fluminense, ressentido de maus resultados e de gritantes mutretas, resolveu contratar um profeta que iluminasse o seu caminho de agora em diante.

 

Juntaria os salários de meia dúzia de come-dormes, do caixa dois de patrocinadores, dos fundos de pensão de diretores, das propinas de empresários de jogadores e de xeleléus de plantão para pagar um profeta devidamente credenciado.

 

O profeta deveria oferecer garantias de que conhecia os signos da luz, os roteiros de iluminados e o caminho das pedras, habilitando-se assim a tirar o Fluminense da lama em que subitamente mergulhara..

 

O contrato, nos termos em que estava vazado, abriria as portas à brilhante carreira para médiuns, feiticeiros, videntes e pirados.

 

Seria o primeiro passo para que profetas fizessem jus ao oficio,  adquirissem status profissional,  tivessem reconhecimento e visibilidade social, pleiteassem a regulamentação da atividade de profetas, carteira assinada, direitos trabalhistas, férias e jornada de  trabalho de oito horas diárias.

Este fato inusitado, comprovaria a relevância social deste imprescindível oficio, a eficiência dos profetas e a eficácia das profecias.

 

Uma comissão de notáveis, encabeçada por Nelson Rodrigues, preparou edital, critérios de seleção e cronograma da avaliação. Os profetas fariam testes orais e escritos e provas de adivinhação.

 

Isto feito, aberto concurso para contratação do profeta. Milhões de torcedores desempregados diziam-se capazes de fazer predições, indicar o rumo certo para o time e evitar incompreensíveis escalações.

 

Milhares de profetas, de todas as partes do mundo, vieram ao Brasil em peregrinação. Homens e mulheres de todas as crenças e convicções, envergavam a camisa tricolor e se dirigiam às Laranjeiras.

 

Havia profetas de todos os gostos e tipos, racionalistas e  desmiolados.  Profetas neoliberais que só entendiam de lucros, negociatas, vantagens competitivas, supressão de direitos sociais e economia de mercado. Profetas comunistas, que apostaram todas as fichas no determinismo histórico.

 

Desolados, não sabiam mais o que predizer, mantinham-se colados nos paredões da rua Álvaro Chaves, com saudades do muro de Berlim.

 

Filas enormes se formavam. Havia profetas iranianos, norteamericanos, judeus, católicos, batistas e anglicanos. Profetas fatalistas, transformistas, travestis, malabaristas e até aqueles que ainda não tinham se graduado.

 

Quando as provas se iniciaram, instalou-se enorme confusão. Havia toda sorte de vaticínios e predições. Profetas desmiolados diziam que o mundo tinha se acabado após a derrota para o Corinthians, outros mais otimistas diziam que o centroavante cabeça de bagre e o portuguesinho endinheirado ainda se entenderiam com a bola.

 

E, nesta disputa acirrada, todos queriam provar quem estava melhor habilitado para colocar o Fluminense no rumo certo. Profetas derrotistas, asseguravam que este ano certamente nos salvaríamos da segunda divisão. Outros, mais qualificados, apontavam o Fluminense como um possível campeão. 

 

Após desgastante processo seletivo e exaustiva análise das profecias anteriores, restavam apenas dois candidatos.

 

Um era um profeta humilde, Calcas Testorídes, que andava descalço, comia gafanhotos no agreste, não se levava a sério e ria de si mesmo.

 

O outro era um profeta pedante e sofisticado. Ao invés de usar incenso ostentava um cachimbo com fumo inglês, estava banhado em perfumes, usava ternos de Príncipe de Gales, sapatos de verniz e gravatas de Ermenegildo Zegna.  Pesava 982 Kg e, no final da década de 1960, fora conhecido como Herman Kahn. Vaticinara o alagamento da floresta amazônica. Trancafiado na João Moura. de lá saíra pra torcer pelo Treze. Demitido do Instituto Hudson, fizera uns bicos na CAGEPA e trabalhara dois anos como cartomante num sobrado da Maciel Pinheiro  Era, claramente, o típico vidente fajuta.

 

Testorídes tinha vasta experiências em vaticínios históricos, apocalípticos e integrados. A seu favor, predissera a Guerra de Tróia e a derrota dos sadoeconomistas. Trabalhara mil e trezentos anos na antiga Hélade, formara três gerações de pitonisas e se tornara consultor do Oráculo de Delfos.

 

Foi o primeiro profeta a predizer o fim do mundo e a hecatombe do capitalismo restaurado. Sabia extrair esperanças de sonhos, ler entranhas de sapos e vísceras de urubu para orientar o Fluminense no jogo do próximo domingo.

 

Sem sombra de dúvida era um profeta qualificado, bastante capacitado e experimentado em tratativas e acordos com todas as forças do além.

 

O outro candidato era uma conhecida raposa velha. Depois que saiu de Campina Grande, tornou-se pai de santo num candomblé na Bahia, pastor de uma igreja, dirigente do PFL, Chefe da Casa Civil de Sarney e Ministro da Casa da Dinda. Foi consultor de PC Farias, ajudante de Caciolla e assessor de FHC.

 

Alegava que possuía doutorado em Patentes, Expropriações e Adivinhações. Que fora orientado por Von Mises, von Heyek e Milton Friedman. Afirmava-se especialista em mãos invisíveis, com competências reconhecidas em privatizações, especulações, chantagens financeiras e outras maruagens.

 

Com toda esta bagagem, não fazia predições, encomendava fatos feitos no atacado e os vendia no varejo, como factóides, dossiês ou noticias pagas.

 

Graças a este notável talento para comprar fatos e predições encomendadas, obteve o aval da CBF e consentimento de Barack Obama, para dispor de arquivos secretos da CIA.

 

Para se tornar profeta do Fluminense teria o apoio de todos os times adversários. Para favorecer sua escolha restaurariam o consenso de Washington, com a participação do próprio cabeça de bagre, forneceriam grandes boladas e propinas, que seriam pagas pelo seu patrocinador.

 

Foi aí, então, que, de forma resoluta e inquestionável, a autoridade máxima de Sua Santidade, o Papa João XXIII, se impôs. Como fervoroso torcedor do Fluminense não estava disposto a aceitar embustes neoliberais e falcatruas no futebol brasileiro.

 

Sua Santidade, que havia declinado do oficio de torcedor, interrompeu o retiro, as orações, as penitencias e os flagelos, dirigiu-se às Laranjeiras para intervir decisivamente na escolha do profeta tricolor.

 

Lá chegando, as três horas e cinqüenta e dois minutos, véspera do Fla X Flu, fez uma longa homilia em defesa da paz nos estádios, da harmonia das torcidas, dos pobres e marginalizados de todas as partes do mundo, inclusive dos urubus. Neste ato de generosidade, conclamou as torcidas do Rio de Janeiro a se debelar contra profetas neoliberais e as mutretas de Vil Teixeira.

 

Após esta pregação, deu um voto decisivo em favor do profeta autentico e humilde, que fará predições auspiciosas em defesa do povo brasileiro, mas antes de tudo, em prol das vitórias do nosso tricolor.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 17/09/2010