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Artigo - A nova luta de classes

Wagner Braga Batista

 

Indignados, candidatos populares sentiam-se discriminados. Eram alvos de uma insidiosa campanha elitista que escarnecia dos feios, sujos e mal lavados.

 

Difamava candidatos sem perfis aquilinos, olhos claros, tez esbranquiçada, mãos macias e gestos refinados. Zombava de seus apelidos e nomes exóticos. Tripudiava de seus modos e seus sotaques. Apelava ao chamado bom senso, para que pessoas deste tipo não merecessem nenhum voto.

 

O mais grave, alegavam estes candidatos: as regras da propaganda eleitoral não davam direito de defesa a feios, sujos e mal lavados.

 

Além do mais, a campanha insidiosa, glamourizava a política e criminalizava desdentados.

 

Exacerbava a feiúra, traços fisionômicos, anatomias disformes e execrava a pobreza. Segundo seus articulistas, havia biótipos que deveriam ser evitados, posto que eram incompatíveis com a função pública e o senso de responsabilidade de mandatos de deputados.

 

Candidatos populares, descontentes com esta campanha seletiva reuniram-se para trocar opiniões.

 

Segundo uns,  esta ação elitista investia contra a Lei Afonso Arinos ao discriminar candidatos como Negão Avantajado. Biu Chifre de Touro também se insurgiu contra a difamação dos cornos. Tunico Viado e Vadico Boiola, nem se fale, rodaram a baiana e se diziam duplamente discriminados.

 

Protestaram que biografias e currículos de candidatos estavam sendo visualizados como perfis anedóticos. Mui justamente, candidatos gaiatos não se deram por vencidos e denunciaram o alcance desta insidiosa campanha. Declararam também que estariam sendo usurpados e plagiados por programas humorísticos.

 

Corajosamente foram à TV para expor suas mazelas. Seu representante informou que Biu não era corno por opção e que o pobre Negão nunca tirara proveito de suas vantagens competitivas, Em nome das minorias, Tunico renovou seu apelo de para ser chamado de gay e a reafirmou a preferência de Vadico pela alcunha de Baitola.

 

Candidatos gaiatos e com nomes exóticos reivindicaram o justo direito de ser vistos, como de fato se apresentavam, sem maquiagens, apelos ou artifícios. Reiteraram que eram autênticos candidatos populares, diferentes, portanto, dos candidatos photo shop.

 

Os candidatos populares redigiram extenso abaixo assinado e fizeram uma petição ao juiz eleitoral. Solicitavam tratamento equânime e exigiam providencias para que todos candidatos fossem igualmente escrachados.

 

Subscrevia o abaixo assinado uma plêiade de candidatos com nomes esquisitos e jeitos engraçados. Em comitiva, como se fosse um espetáculo burlesco ou parada circense, entraram na Magna Corte para alegrar aquele empolado ambiente.  

 

O Excelentíssimo Juiz, ao se deparar com aquela trupe, do alto de sua soberba, exigiu ordem no tribunal. Sisudo e mal humorado pediu aos seus assistentes que retirassem a intrépida comitiva daquele respeitável ambiente..

 

Porém ao iniciar a leitura da petição e da extenso abaixo assinado não conseguia conter o riso.

Em poucos minutos abdicara da soberba e da austeridade, indispensáveis aos magistrados, para rolar pelo chão todo mijado. Sua toga enrolara na cadeira e sua peruca ficara presa na mesa. Sua Excelência dava cambalhotas pelos corredores do fórum, distribuía gargalhadas solenes e sentenças hilariantes para o escrivão.

 

Em pouco tempo, réus e meganhas partilhavam de insólita algazarra no fórum. Não havia quem contivesse a risada ou ouvir a menção aquela folclórica lista de candidatos que incluía Mocinha do Chicote, Eraldo do Suvaco Fedorento, Biu Chifre de Touro, Dona Velhinha Caloteira, Dudinha do Dedo no Oiti,  entre tantos outros.

 

No lodaçal político afundava-se a pobreza, enquanto cobras e lagartos debatiam-se na podridão do fausto. Sob redomas de vidro e aquários de luxo cacatuas de oficio e peixinhos ornamentais disputavam novos privilégios e benefícios. Os pavões e aves do paraíso disputavam renhidamente o melhor botim de partidos e os caixa dois de coligações.  

 

Os antigos e tradicionais postulantes não só entravam em confronto entre si, mas também com novos candidatos. Jovens aspirantes à promiscuidade parlamentar, artificialmente fabricados, agora revelavam erupções, coceiras juvenis e incontida vocação pra safadeza. Eram, entretanto, unânimes na aversão a candidatos da pobreza, que queriam subtrair seus mandatos, seus pódios e também seus palcos.

 

Estes jovens filhos da elite, não faziam distinção entre os que eram do mesmo partido e os que da oposição. Não reclamavam de nomes esquisitos, mas dos nomes de suas famílias. Como rebentos de oligarquias, disputavam o melhor espaço e maior pedaço. Nas suas coligações, jogavam tudo pro alto, praticavam o jogo rasteiro e, diversamente das raposas velhas, tinham dificuldade de unificar a defesa de seus interesses restritos.  

 

Como habituais aventureiros, arriscavam-se a competir no jogo eleitoral, não só para curtir a adrenalina, mas também para tirar proveito da situação e, antes de tudo, aparecer, mesma que na oposição. Queriam aparecer nas colunas sociais, nas revistas de costumes, nos horários eleitorais nos rádios e nas TVs..

 

Garotão Sarado, do Partido dos Moços Bem Apessoados, Menino Playboy, do Partido das Noites de Baladas, e Tetéia do Shopping, do Partido das Jovens Prendadas, eram três lideres natos. Encabeçavam o ranking dos ociosos, tinham premiações por vaidades e referencias elogiosas de colunistas sociais.

 

Moças e moços espertos participavam da mesma coligação. Herdaram de seus pais três partidos, fundos extraviados, milhares de votos comprados, centenas de favores devidos, empregos alaranjados e farta lista de nomeações. Possuíam ainda três emissoras de rádio e uma cadeia de televisão. Consorciaram-se num supermercado e vendiam legendas a preços de ocasião. Recolhiam uma grana alta de empresários e patrocinadores todos devedores do jogo da corrupção. Todos três candidatos integravam a coligação dos Jovens Espertos de Berço de Ouro  e Cofres Endinheirados.

 

Numa luta encarniçada, com unhas, dentes e saltos altos os meninos bem apessoados, seguindo as tradições de família, queriam tomar posse dos espaços reservados para outros candidatos.

 

Colocaram marcos de propriedade em terrenos baldios e muros pichados, registraram o direito de uso de suas rádios, compraram anúncios em televisões, acionaram o marketing de suas empresas e a peso de ouro pagaram louvores e deferências de colunistas sociais e comentaristas de moda..

Como se sabe estes jovens sempre foram vocacionados para a política.

 

Garota Sarada, além de inequívocos compromissos sociais, demonstrava percepção da falta de oportunidades na vida. Tinha compromissos com seus cabelos e unhas. Empenhava-se em aprender inglês e passar batom. Fazia cursos de biquinhos no espelho enquanto assistia televisão.

 

Especializara-se em griffes da moda. E fora selecionada para todos embalos . Preocupava-se socialmente com sapatos, vestidos e bolsas. Como também, costumeiramente, quando nada tinha o que fazer. Diante desta dramática situação, enfastiada para comer, sentia-se cansada para ir a escola ou procurar um trabalho. Reclamava mui justamente da falta de oportunidades na vida.

 

Garotão Sarado sempre fora um jovem preocupado. Preocupava-se porque tinha que acordar cedo depois das noitadas. Porque tinha que escolher roupas ajustadas a seu corpo e  seus cabelos não fixavam.  

 

Menino Playboy, como um rapaz predestinado, era galã de baladas e atravessador de produtos roubados. Tinha talento para trambicagens, para disseminar intrigas, demonstrava inegável avareza e notável capacidade para trairagem. Com tantas qualidades poderia exercer a contento o mandato de deputado.

 

Ao tomar conhecimento da polemica petição dos candidatos da pobreza, sentiram-se preteridos como representantes das elites e da nobreza. Protestaram porque todas listas de candidatos concorrentes deveriam ser igualmente divulgadas, seja em austeras cortes, seja em programas humorísticos..

 

Queriam a visibilidade necessária aos jovens de boa família, o direito à superexposição das estrelas e à luz de holofotes destinadas a pavões. Nisto tinham empenhado tanto, encomendado posters, grandes adesivos, books de candidatos fashions, fotos para galerias de arte e grandes maisons.

 

Compraram carros do ano, foram passar fins de semana em Bariloche e Acapulco. Gastaram grana alta para renovar o vestuário, dois meses de malhação, fizeram recauchutagens, sessões de bronzeamento e lipomassagens, tratamento dos cabelos, tingimento de pelos, branqueamento dos dentes, adquiriram novos modelos de aparelhos odontológicos e agora queriam ser reembolsados pelos fundos partidários. . Diante de tanto que tinham investido, não poderiam ser discriminados  e perder no jogo eleitoral. Queriam o justo direito de ser reembolsados. .

 

Inicialmente sentiram-se preteridos porque não constavam do rol de candidatos com nomes exóticos. Depois que a ficha caiu, estes moços de boas famílias sentiam-se nivelados aos sujos e mal lavados.

Estavam revoltados, porque fotos de seus corpos malhados e imagens de garotos sarados apareciam lado a lado a candidatos esfomeados. Deram-se conta de que a lista de candidatos incluía a rafaméia, mulheres e homens maltratados. Portanto, garotos sarados e delicadas tetéias, não poderiam estar naquele saco de gatos esmolambados.

 

Propuseram então criar dois programas eleitorais. Separariam  meninas e meninos vistosos de candidatos desdentados, sebosos e mal lavados.

 

Diante de tanta petulância e hipocrisia, sua petição foi indeferida.

 

Diante desta determinação, retiraram suas candidaturas, porque se sentiam humilhados aparecendo em programas eleitorais lado a lado com sujos e mal lavados.

 

Já não se importavam com eleição, se o nome de suas tradicionais famílias estivesse indo pro ralo, se o dinheiro gasto com suas candidaturas tivesse sido desperdiçado, posto que naquele embalo eleitoral tinham se divertido bastante.

 

Sentiam-se plenamente realizados Tinham disputado renhida luta com a pobreza pelo precioso espaço na mídia e não se sentiam derrotados, posto que ganharam visibilidade, fotos na revista Caras e agora estavam sendo cogitados para aparecer no Big Brothers.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 16/09/2010