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Artigo - O dia em que o mascote do Fluminense comeu uma hot-dog

Wagner Braga Batista

 

O cachorrinho vira lata, mascote do tricolor, conseguira escalar, durante a noite, o monumental paredão do estádio. Bravamente, conseguira adentrar no Brinco de Ouro, o estádio do Guarani, em Campinas.

 

Passara a noite e o dia entocado num vão das arquibancadas. Padecia fome e frio, mas qualquer sacrifício valeria a pena para assistir à décima segunda vitória e ver o Fluminense se sagrar campeão do primeiro turno.

 

Viera na boleia de caminhões de carga, do Rio de Janeiro. Dia seguinte, quase na hora do jogo, com uma fome cavalar, perambulava pelas arquibancadas, quando, de repente, divisou uma linda cadelinha poodle no camarote de Vil Teixeira.  

 

Era tudo que ele queria. Comer uma hot dog.

 

Porém, a partir daí, tudo desandou

 

 Valeu-se de um celular emprestado, para transpor barreiras da exclusão digital nos estádios.

 

Desesperado, com o rabinho abanando, aventurou-se no inglês. Apresentou-se a ela como um gentleman. Disse também que tinha virtudes e imperfeições. Sabia falar, voar e comer hot dogs. Isto feito, saiu das arquibancadas e foi ao seu encontro no camarote.

 

No percurso, rapidamente, enfeitou-se como um frajola. À caráter, com terno, bengala, polainas e cartola, espalhou pó de arroz pelo rosto, encarnou as mais legitimas tradições tricolores. Colocou uma flor de liz na lapela, encomendou um buquê para sua donzela e como um cão desavisado, lançou-se num amor desvairado.

 

Conseguiu burlar vigilantes, transpor três paredões enormes, fugir de radio patrulhas, escapar de balas de metralhadoras e pelos altos dividendos de caixa penetrou nos camarotes da CBF. Agora, via-se a mercê dos pilantras que dominam o futebol.

 

No camarote estavam o General Garrastazu, Franco, Salazar, dezenas de ditadores africanos e milhares de torturadores homenageados por Vil Teixeira.

 

Com agilidade de um Cafuringa, driblou três lambões do marketing esportivo, passou sob as pernas de um mastodonte, que carregava a taça do primeiro turno para ser entregue ao Corinthians, enganou cento e dois truculentos guarda-costas, escapou das garras de Kleber Leite e, por fim, conseguiu aproximar-se de sua desejada.

 

Chamava-se Flower.  A poodle número zero, pretinha, de olhos amendoados, daquelas bem pequenininhas e safadinhas, fora presenteada pelo Príncipe Orelhão Charles a Von Blatter.

 

Ali, todos estavam tramando contra o Fluminense, mas o cachorrinho lascivo, com sua lábia e seu buquê de flores, desviava-se dos olhares, dos flashes e das falcatruas. Atordoado  esquecera-se de suas obrigações com o sobrenatural e tinha um único objetivo, devorar sua quentíssima hot dog.

 

Desonerado e perdidamente apaixonado, o talismã do time do Fluminense,  sucumbiu às forças do além e se entregou aos prazeres da carne. .Famélico, enchafurdava-se nos cheiros da graciosa poodle pretinha, trazida da Inglaterra por Von Blatter.  

 

Ali, todos tramando, contra o humilde Fluminense, anunciavam as desventuras do cãozinho que se avizinhavam.

 

E o mascote tricolor, inebriado com a hot dog,  ignorou as tramas de Vil Teixeira, posto que, farejava, no ar, apenas o cio da cadelinha de Von Blatter.

 

Só depois, do agradável ou fatídico desenlace, iria torcer pelo seu time de coração e se ocupar com forças do além.

 

Prestes a começar o jogo, estavam num chamego danado. No meio do primeiro tempo, chegou enfim aos finalmentes. Num cantinho reservado do camarote da CBF, longe dos olhares de torcionarios e sequazes do marketing esportivo, finalmente, matou a fome. Comeu avidamente a hot dog.

 

Mas, já era tarde demais. E as forças do além e de Vil Teixeira já tinham atuado em campo.

 

Enquanto o cãozinho comia a hot dog, o goleiro do Fluminense engolia frangos. Eram três frangos a cada minuto. Sequer digerira um e já engolia outro.

 

O que houve não foi um apagão, foi uma verdadeira indigestão, quiçá uma congestão gástrica. O mascote comia a hot dog e o goleiro engolia frangos e perus enormes.

 

De nada lhe adiantava explicar que peru não é galinha. Na sua compulsão de frangueiro, empanzinou-se o goleiro. Comia indistintamente qualquer animal de penas. Via um galináceo e imediatamente engolia.

 

Desprotegido do mascote, imperou a má sorte. O time do Fluminense nadou e morreu na praia. Com seu talismã ocupado com a hot dog,  não pode se defender das mandingas e urucubacas que lhe armaram.  

 

Sem saber, caíra na armadilha de Vil Teixeira. Atraído a uma cilada, nosso mascote, comera  uma hot dog com salmonela.

 

Ao final do jogo, dobrava-se em dores, torcia-se em convulsões e teve que tomar laxante. Aliviado do desconforto, o destemido cãozinho não se furtou a declarar que, novamente, farejava no ar o cheiro de novas aventuras amorosas nas próximas rodadas.

 

Enfim, chegamos á conclusão. Todos fomos duplamente enganados.

 

Nosso cachorrinho comera uma hot dog com salmonela e, todos nós, participávamos de um inominável banquete, para o qual sequer tínhamos sido convidados. Dia a dia, involuntariamente, éramos levados, contra a vontade, a comer os frangos de nosso goleiro.

 

Entravamos em campo, condenados à indigestão. Sequer podíamos torcer com dores e convulsões.

De um lado, o nosso talismã caíra em armadilhas esotéricas e eróticas. Ficou interditado e não nos protegeu das forças do além, das armações de Vil Teixeira e das vicissitudes mirabolantes do futebol brasileiro. De outro, empanturrado de frangos, fracassara o nosso goleiro.

 

Fomos dormir de barriga cheia e tivemos horríveis pesadelos.

 

O Fluminense está com indigestão, tantos são os frangos que engolimos a cada partida.

 

É preciso urgentemente ressuscitar o nosso invencível trio de goleiros: Castilho, Veludo e Vitor Gonzalez.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 06/09/2010