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Artigo - O adeus ao Maracanã

Wagner Braga Batista

 

Os velhinhos comunistas de Campina Grande pegaram a mísera aposentadoria ao final do mês de agosto. Pagaram as contas na venda, compraram cinco sacolas de remédios, sacaram o dinheiro da poupança, saldaram todas as dívidas e, sem hesitação, investiram todo o restante.

Inicialmente, pegariam uma carona com as velhinhas que iriam à Basílica de Nossa Senhora Aparecida , em São Paulo. Porém, à ultima hora, as pobres velhinhas mudaram de idéia e resolveram seguir para Miami.

Então, os velhinhos juntaram todo dinheiro que tinham e compraram passagens de ônibus para o Rio de Janeiro.

Iriam torcer pelo Fluminense e dar adeus ao grandioso estádio do Maracanã.

Desta vez, todos estariam presentes. Até mesmo um velhinho que falecera de véspera, resolvera ressuscitar. Não poderia morrer sem dar adeus ao Maracanã e ver a décima segunda vitória do Fluminense. Viajariam trezentos e doze horas, sob calor e frio nas estradas. Enfrentariam emboscadas de assaltantes, do General Garrastazu e seus torcionários, porém dariam adeus ao Maracanã . Além do mais, queriam assistir à décima segunda vitória do tricolor. Por nada deste mundo, arredariam pé deste objetivo.

Juntos, os companheiros de longas jornadas, galgariam as rampas do Maracanã, solidários com cadeirantes e portadores de necessidades especiais, fariam jus ao grandioso e acolhedor estádio, que será transformado num palácio de Von Blatter e Vil Teixeira.

Imaginavam-se subindo os 793 degraus das arquibancadas que separam o tudo do nada.

Os inocentes velhinhos comunistas de Campina Grande, não sabiam que Vil Teixeira urdia mais uma terrível vingança contra o Fluminense. Depois de explodir milhões de estádios e jogar caminhões de dinheiro publico pelo ralo, resolvera impedir os velhinhos de assistir a décima segunda vitória do Fluminense.

Na madrugada de dia 31 de agosto, trancou as portas do estádio e jogou sal no gramado, para que mais nada vicejasse lá.

Mas a torcida tricolor, ao saber que os velhinhos comunistas de Campina Grande queriam dar adeus ao Maracanã, ocupou o estádio.  

Os torcedores do Fluminense mantiveram-se coesos e a postos nos últimos quatro dias.  Não capitulariam diante das investidas de Vil Teixeira e resguardariam o direito dos velhinhos comunistas dar adeus ao Maracanã.

Noites e dias, sob frio e sol causticante, lá estavam e lá permaneceriam. Não abandonariam a trincheira, até que os velhinhos pudessem dar adeus ao Maracanã.  Aproveitariam o ensejo para homenagear todos que defendem a dignidade da política e do futebol brasileiro.

Enquanto urdiam tramas e ameaças, a torcida pacificamente armava-se com a alegria das massas e a felicidade coletiva. Preparava-se para deter o furor genital de Vil Teixeira, os torcionários do General Garrastazu  e as besteiras do marketing esportivo.

E assim os velhinhos comunistas de Campina Grande, ao chegarem ao Rio, foram recepcionados à altura. Passeatas vinham dos subúrbios, dos morros, do cais do porto, das estações da Central, dos antigos pontos de bonde e até das Laranjeiras. No Maracanã faixas e bandeiras saudavam os velhinhos. Os holofotes sorriam e os letreiros luminosos anunciavam um a um seus nomes.

O velhinho ressuscitado era o mais homenageado. Sentia-se tão emocionado, que quase teve um mal súbito e morria outra vez.

Antes do jogo não se sabia o que fazer. Se haveria um minuto de silencio pelo seu falecimento ou pela sua ressurreição.

Por fim, após os festejos e a esplendorosa nuvem de pó de arroz que cobria toda a cidade do Rio de Janeiro, um dos velhinhos usou a palavra.

Em nome da comitiva de Campina Grande, agradeceu a solidariedade da torcida, defendeu o socialismo e declarou sua total confiança em Muricy Ramalho. Sem pejos ou desrespeito aos adversários, pelo alto falante do Maracanã, afirmou que, apesar das adversidades, o Fluminense seria campeão brasileiro.

Os alicerces tremiam e o povo do mundo inteiro ovacionava. Chineses, paquistaneses, italianos, japoneses, cubanos, alemães, eslovenos e todos latino-americanos afluíam ao Maracanã para ouvir os velhinhos comunistas de Campina Grande. De todos os recantos do Brasil chegavam mensagens de apoio. Os povos africanos em nome da unidade continental enviaram representantes para saudar os velhinhos no Maracanã.

Envergonhados os pés frios e juízes lambões retiravam-se do estádio.

Quando o jogo iniciou, os torcedores estavam tão emocionados que nem reparam que ficara um juiz lambão em campo. Logo aquele que apitaria o jogo.   

O último jogo no Maracanã deveria ser o palco da décima segunda vitória. Esta vitória valeria por duas. Evitaria que tivéssemos a décima terceira, para não provocar a ira das superstições e dos supersticiosos. Saltaríamos para a décima quarta e daí em diante.

E os torcedores eufóricos também não repararam que, vestido de galinha d’angola, o zagueiro do time adversário estava disfarçado em campo. Não se sabe como, vestia a camisa do Fluminense. Ele, que fora responsável pelo fiasco do jogo anterior, agora queria repetir a façanha com auxilio do juiz lambão e de Vil Teixeira.

Em seus pés a bola queimava. Tentava cabecear e chutava. Quando corria, engatava o freio e travava. Igualava-se em lambanças ao juiz. Parecia uma cena burlesca ou uma comédia pastelão organizada para alegrar os velhinhos, que nada entendiam. Riam contentes porque não sabiam das tramas de Vil Teixeira.

Desta feita, Vil Teixeira colocara chips de cabeças de bagre em Muricy Ramalho. E assim repetiu-se aquele ditado: Papagaio fala e periquito leva a fama.

De macacão verde, Muricy gritava, parecia um periquito, o Felipão, técnico do Palmeiras.. Mas quem estava falando não era Muricy Ramalho, era a voz do chip de cabeça de bagre.

E assim, cabeças de bagre deram o tom da partida. Mais uma vez, para desconsolo dos velhinhos de Campina Grande, o time do Fluminense não se apresentou em campo.

Após o inicio avassalador, reinaram os cabeças de bagre. Para culminar, as 48 minutos do segundo tempo veio o flagelo.

E assim tivemos o trágico desfecho. Na despedida do Maracanã: Fluminense 1X 1 Palmeiras.

Porém, meus amigos, os velhinhos comunistas de Campina Grande, apesar do desapontamento, não desanimaram. Solenes, como pretendiam, à primeira hora do dia seguinte despediam-se do Maracanã.

A seguir deram cinco voltas correndo na baia de Guanabara, percorreram 1254 comunidades carentes, retiraram 5432 crianças das ruas, fizeram pregações contra as drogas e conclamaram a unidade dos trabalhadores e das minorias.

Ao cair da tarde, seguiram à pé para a Rodoviária Novo Rio.

Fariam uma longa e penosa viagem de volta à Campina Grande. Mas estavam gratificados, porque deram adeus ao Maracanã como pretendiam.


Data: 02/09/2010