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Artigo - O trombadinha de luxo

Wagner Braga Batista

 

Vil Teixeira, estava tremores e suores noturnos. Com ódio mortal do Fluminense e de Muricy Ramalho, invocara Mendonça Falcão e os deuses da cartolagem. Como retaliação, por ordem do Clube dos Treze, aprontaria mais uma.

Numa sexta-feira soturna transmutara-se em trombadinha. Num trombadinha de luxo.

De imediato, furtou um caminhão de tijolos de depósito de materiais de construção civil e em três horas edificou um monumental estádio para o Corinthians.

Depois de ludibriar São Paulo, negar-se à prestar depoimento na Câmara dos Deputados, o trombadinha de luxo fez ponto nas cercanias do Maracanã. Encostado num poste, confabulava com Eurico Miranda, e esperava a passagem de incautos, para apoderar-se do alheio. E, assim fez.

Como um trombadinha de luxo, Vil Teixeira meteu a mão no bolso de tricolores, roubou as chaves do Maracanã, o apito do juiz  e a alegria dos torcedores.

Pagou dez no veado e disparou pelas ruas. Não houve quem segurasse o gatuno. De terno e gravata, relógio caríssimo, correntes de ouro, sapatos de bico fino e envernizados, corria como uma gazela, com a pericia de como um bom ladrão.

Aflito, o povo corria atrás e gritava: Pega ladrão ! Mas, os jornais faziam ouvidos de mercador.

Ora utilizava-se de um Rolls Royce, ora de uma Mercedes Benz.  Nas ruas de Milão, valia-se de uma Ferrari e em Londres de uma BMW.  Quando se cansava de correr, utilizava a serviço da jatinhos da CBF e  aviões da FIFA. 

Corria como um pivete esquálido, faminto e carente, este senhor balofo, perfumado, de glúteos arredondados e rosto corado, pegando dinheiro por todo lado. Ora com o marketing esportivo, ora com empresários e construtores de estádios.

O trombadinha de luxo corria pelas ruas de Paris, de Nova Iorque e de Cote d’Ázur. Corria e espalhava benefícios ilícitos, indistintamente com cupinchas e detratores. Na Ásia comprava votos e na África distribuía favores, porque queria ser o presidente da Federação dos Pivetes de Luxo.

Corria e lançava dinheiro pro alto. Os pobres torcedores brasileiros, em seu encalço, ficavam atônitos com tanto dinheiro jogado no ralo. Dinheiro explodindo como se fosse estádio. Dinheiro reformado tal qual estádio embolsado. Dinheiro público como se fosse dinheiro privado.

E o trombadinha de luxo não parava de correr. Ora abria, ora fechava estádios.  E o dinheiro público e o trombadinha corriam para todos os lados.

E os torcedores revoltados, sem fôlego,  não conseguiam seguir seus passos. Adquirira know how ao longo de mais vinte e um anos de corridas na CBF. Por isto,  o trombadinha de luxo mostrava-se um exímio corredor.  E os pobres torcedores indignados e famintos não conseguiam seguir seus passos.

E o trombadinha de luxo, por fim, teve logro no seu intento. Contra a vontade de todos fechou o Maracanã, demitiu os funcionários. Agora, ele próprio, seria o bilheteiro e o porteiro de todos estádios. Não só, seria também o juiz de todos os jogos. Com o apito roubado, arbitraria todos os jogos e seria senhor de todos os resultados.

E assim foi feito. Passando por cima de todos, sem ouvir ninguém e contra o interesse universal dos humildes torcedores, o trombadinha de luxo apagou as luzes e trancou as portas do Maracanã. A partir de então, pobres e humildes que quisessem assistir futebol teriam que ver nas pontas de rua, nos terrenos baldios e em campos de várzea.

Experimentado na arte da burla, o trombadinha de luxo conseguira ludibriar a todos. Comera caviar dos russos, escargots franceses e grana alta de cofres públicos. Conseguira agraciar a Rede Globo, os donos do povo e patrocinadores da ilusão coletiva. Conseguira, superar até o goleiro Bruno.  Transferira 705 bilhões de reais para destruir este majestoso estádio. Vejam bem meus amigos, não são 700 pratass, são 705 milhões  destinados a privar torcedores de ter acesso ao Maracanã.

Dinheiro vivo, que o trombadinha de luxo bateu de carteiras de escolas e de bolsas de sangue de hospitais públicos. Depois do botim, fará um Maracanã sem gramado. Um Maracanã, encerado, envernizado e entapetado.

Fará hospedagens reais para o Príncipe de Gales, aposentos suntuosos para Von Blatter, detrator do futebol brasileiro, alojamentos especiais para os donos do mundo e camarotes para sanguinários ditadores africanos. Neste projeto suntuoso e hediondo, nenhuma cela estará reservada para trombadinhas de luxo, para a máfia da cartolagem, para vigaristas do marketing esportivo  e a bandidagem que toma conta do futebol brasileiro.

Mas o trombadinha de luxo não se cansava de correr. Corria e ninguém conseguia alcançar o meliante. Corria, explodia e destruía estádios para criar grandes muralhas.

São construídas para eliminar a pobreza, apartando os pobres de toda e qualquer a riqueza. Afastando os feios dos esbeltos e os homens de dentaduras de ouro e de marfim dos ignóbeis e desdentados.

Serão as modernas muralhas liberais que permitirão que os ricos sejam eternamente ricos e os pobres tenham pleno direito à miséria e a pobreza. As muralhas que separarão os pobres dos santuários do povo e permitirão que as elites se apropriem dos seus estádios.

Isto feito, não restará um mísero lugar para pobres e humildes no Maracanã sem gramado e envernizado. Nenhum caixote para que pingentes caídos dos trens da Central possam trepar e espiar ao menos alguns lances dos jogos. Nenhuma fresta para que desavisados possam usufruir das luzes do Maracanã. Nenhuma árvore nas redondezas para que meninos de rua fiquem empoleirados.  Tampouco uma brecha, para que algum furtivo integrante do povo possa se aventurar e novamente ousar a entrar no estádio.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 30/08/2010