topo_cabecalho
Artigo - Nos tempos do Fluminense e de um Rio que quase desaparecia

Wagner Braga Batista

 

Pensei que fossem 350 milhões de torcedores, pois eram muito mais.

Cada torcedor que entrava nas antigas gerais e nas arquibancadas do Maracanã s multiplicava-se por mil. Cada um portando duzentas bandeiras tricolores.

As multidões tornaram-se minúsculas. Aquele caudal humano, que tomara pacificamente as ruas do Rio, parecia uma afronta para torcidas adversárias. Mas era apenas uma demonstração de zelo com o futebol e de dever cívico com a probidade na reforma de estádios.  Meus amigos, vão ser gastos R$ 705 milhões com a reforma do Maracanã.  Serão bilhões de recursos públicos subtraídos de escolas e hospitais destinados a patrimônios privatizados.

Os torcedores indignados com esta imoralidade, dirigiam-se ao Maracanã para conter a sanha privatista, saudar o que restava do velho estádio e  mais uma vez torcer pelo Fluminense. 

Incontidos, netos acompanhavam velhinhos comunistas provenientes de Campina Grande, que viajaram trezentas e quarenta e oito horas de ônibus só para assistir a vitória tricolor.  Juntamente com seus pais,  mães, filhos e trabalhadores de todas as partes do mundo caminhavam em direção ao estádio.

Cantavam a internacional em louvor a todos os times que teriam o direito de ser igualmente  derrotados pelo Fluminense.

Vinham ocupando os tempos imemoriais e o vale fértil onde havia futebol, rios, pássaros verdes e o antigo Joquei. 

Desciam dos morros, vinham a cavalo ou no lombo de burros, em bondes e trens se acercando do Maracanã. Às duas horas da tarde, já estavam quatrocentos   e noventa e dois milhões de torcedores nas arquibancadas envergando a camisa tricolor.

Os bairros de Vila, Isabel, Tijuca, Mangueira, São Cristovão, Andaraí e adjacências estavam coalhados de verde, branco e grená. Os mais longínquos recantos desta cidade maravilhosa estavam tomados em festas. A alegria incontida e a felicidade coletiva tinham sido anunciadas.  Do Piauí ao Chuí, todos sabiam de antemão que, apesar de juízes ladrões, o Fluminense venceria outro  jogo. Sabiam também que, no final de 2010, para desfecho desta maravilhosa  festa, para orgulho da Cidade Maravilhosa e para homenagear o novo pais que se inicia, o Fluminense será campeão.

O espanto fora grande.

O dia amanhecera nebuloso e ninguém imaginaria esta avalanche festiva. Nem o mais ousado profeta poderia vaticinar este tsunami benigno, provocado pelo caudal tricolor. 

Colhido de surpresa, o IBGE interrompera o censo. Seus pesquisadores e agentes estavam pasmos. Refaziam suas metodologias e cálculos. Estavam desesperados. Não poderiam contabilizar aquela massa humana  que coloria novamente as ruas do Rio. Que saia de suas tristezas e angustias para festejar o futebol carioca. E é bom que se diga, numa comunhão pacifica, envolvendo os times do Rio que também venceriam.

Da noite para o dia, aquela massa humana tornara-se a mais entusiástica, fraterna e solidária torcida. A maior do mundo, insuperável em generosidade, respeito e cortesia. Maior do que a população  brasileira e nem o IBGE sabia.

As pesquisas eleitorais entraram em pane . Teriam que somar aos 130 milhões de votantes os quase um bilhão de torcedores tricolores. 

E lá estava eu, aboletado e tímido, na arquibancada. Premido pela emoção e pela certeza do poderio das grandes massas.

Estava lá, com todo respeito, não como uma testemunha de Jeová. Estava lá  para testemunhar uma nova vitória do tricolor.

Postado, no Maracanã lotado,  sob o frio de uma tarde chuvosa. Estava em transe, sob enormes bandeiras e sob as estonteantes  luzes do Maracanã, o mais lindo e, não fosse a safadeza política, o maior estádio do mundo.

E assim, eu e quase um bilhão de torcedores, podemos afiançar que o Fluminense não deixa margens a dúvidas. Contra tudo e todas as adversidades se impôs.  Comprovei in vitro, no próprio estádio do Maracanã, que, superando o determinismo histórico, os pés frios, os pés nas covas, os catastrofistas, as costumeiras maracutaias e urucubacas, o temível  gel anti tricolor, os juízes ladrões e os cavadores de abismos , o Fluminense mais uma vez foi vencedor e por determinação do Papa João XXIII, como  premio pela generosidade e humildade, está predestinado a ser campeão, para orgulho da nação brasileira e do povo carioca.

Testemunhei a beleza da grande que massa que ontem ocupava as ruas do Rio e amanhã  ocupará seu verdadeiro e definitivo lugar na História.

De repente, aquela corrente humana, coloria de verde, branco e grená todos os recantos do Rio. Convidava torcedores adversários à harmonia, ao papo despreocupado, à gozação, à piada e à alegria. Convidava a todos a recusar a hipocrisia politicamente correta, a alimentar a amizade  desinteressada no botequim da esquina. A regar a conversa fiada com um copo de cerveja suada.

Os torcedores do Fluminense são ciosos de seu papel. Foram convocados a resgatar as belezas do Rio e um tempo em que as torcidas se confraternizavam nas arquibancadas. Brigas, havia sim, entre os que reivindicavam o legitimo direito de pagar o cafezinho dos amigos.

Recuperam a memória de um Rio que não tinha tantas bandeiras, vaidades e celebridades, mas se cobria de cordialidade e gentileza.

A torcida do Fluminense dava uma inequívoca demonstração de civilidade e grandeza.  Deslocando-se generosamente. Conduzindo aquela multidão de cadeirantes, de crianças, de gestantes e de idosos para ocupar o estádio.

Testemunhei que o Maracanã repleto e a imensa torcida do Fluminense são vivas demonstrações de que no futebol ainda há espaço para a delicadeza e a esperança.

E assim a imensa e generosa torcida do tricolor, ciosa de sua responsabilidade e de sua importância, a partir de então, convida a todos a ver um novo campeão e a reviver um Rio de Janeiro que quase desaparecia.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 16/08/2010