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Artigo - Os marcianos e as mulheres de Vênus

Wagner Braga Batista

 

Agradeço à NASA por ter invadido Marte e ter fossilizado os marcianos.

 

A NASA, por fim, aliviou as crianças de minha geração. Acabou com os mistérios e tantos tormentos.

 

A partir de agora, nós, ainda meninos, não precisaríamos acordar no meio da noite, com pesadelos ou alucinações, por causa dos marcianos.

 

Os marcianos, que não existiam, estavam agora sob o controle da NASA.

 

Não precisaríamos temer os terríveis marcianos verdes que apareciam nos filmes em preto e branco de Hollywood. Graças à NASA os marcianos se renderam, foram fossilizados e não mais invadiriam a terra para dominar aos terráqueos.

 

Não só as crianças do submundo sentiram-se felizes.

 

As crianças norte-americanas, aliviadas, já poderiam tomar banho de sol nos jardins, sair às ruas, lambuzar-se de ketchup e comer marshmalow em paz. Poderiam cultivar seus próprios monstros e medos para vivenciá-los no futuro próximo.

 

Teriam tranqüilidade para dar tiros umas nas outras, discriminar negros e latinoamericanos, ser plenamente idiotas e brincar de nerds.  Teriam liberdade para voltar à Disneylândia. Não precisariam se refugiar em shoppings, em lan houses, em lava-jatos, em salões de boliches e nos braços de Schwarzenegger.

 

A Nasa, com sua ação preventiva, evitou a guerra nas estrelas. Impediu que discos voadores invadissem a terra, defenestrassem homens e mulheres de arranha-céus, chupassem olhos de cururus e abduzissem inocentes crianças.

 

Não fosse a Nasa, estaríamos entregues aos monstros e aos marcianos.

 

Eram muitos monstros que nos assolavam. Saiam de telas dos cinemas, entravam em nossas casas porque  não conheciam o poder da Nasa.

 

Invadiam nossos quartos. Ora era um zumbi, ora um corrupto desencarnado. Ora era o monstro da lagoa negra, ora a múmia do faraó Ramsés II. Enquanto, cerimoniosos lobisomens ficavam do lado de fora, tarântulas e crocodilos entravam pelas frestas das portas. Havia milhões de caranguejos gigantes que se abrigavam sob nossas cobertas.

 

Nenhum destes monstros conhecia o poder da NASA.

 

Nas matinées de domingo surgiam monstros adulcorados. Cantavam músicas ingênuas, com lábios sensuais e seios monstruosos. Alguns monstros tinham cabelos oxigenados. Cegavam nossos olhos. Sussurravam palavras incompreensíveis em nossos ouvidos, que causavam arrepios. Não de medo, mas de desvario. Estes monstros, com seios voluptuosos, não eram marcianos. Tinham nomes diferentes, Doris Day, Debbie Reynolds, Barbara Eden, Jane Mansfield.

 

E assim os monstros e as mulheres com seios monstruosos invadiam a imaginação da gente.

Quando não os marcianos, eram as mulheres de Vênus, que atemorizavam os meninos com viço, luxuria e doenças venéreas. Aterrorizados, os pobres meninos, intimidavam-se com todas mulheres e moças donzelas. Na solidão da noite confidenciavam as suas mãos suas doces aflições. Depois, sentiam-se  envergonhados e culpados, porém aliviados e desobrigados de monstros.

 

A noite também havia vampiros do sexo, que só chupavam sangue da gente grande. Eram vampiros enormes e proibidos.

 

Neste tempo, os vampiros estavam proibidos de sair das telas. Só podiam meter medo em crianças maiores de 18 anos. Interditados em vielas e logradouros públicos, também não podiam se candidatar a câmara dos deputados e ao senado.

 

Mas, os monstros de outros planetas, os marcianos e mulheres de Vênus, desconheciam o poder da NASA.

 

E, então, houve uma luta interplanetária. Em principio era foguete para todo lado. Depois a indústria bélica e as grandes corporações interplanetárias desenvolveram novas armas. Instalaram uma guerra biológica irrefreável.

 

Os marcianos tentavam dominar as mulheres de Vênus, que se mostravam mais virulentas, volúveis e belas. Usavam uma arma terrível, chamada de imunodeficiência adquirida, que abatia terráqueos, marcianos e aniquilava, até mesmo, a elas.

 

Preocupados com o marketing e com o desenlace desta guerra, os donos das telas de cinema frearam a luta de marcianos atrozes contra as mulheres de Vênus.

 

Em nome da indústria cultural e da política de boa vizinhança, produtora de tantos enlatados, criaram Medicis, os Pinochets, os Videla e outros monstros latinizados.

 

Criaram centros de tortura, seqüestros, assassinatos, golpes de Estado e ditadores latinizados. Mas, felizmente, estes monstros foram derrotados.

 

Na falta de marcianos cruéis, mulheres de Vênus e ditadores enlatados, os filmes B e filmes A, pouco tinham a mostrar. Num ato de loucura, a televisão incendiara as telas de cinema e criara monstruosidades maiores, mais freqüentes e amenas, que roubavam o público e todas as cenas que nos faziam rir e chorar.

 

Não havendo marcianos cruéis e mulheres de Vênus, um novo terror haveria que ser inventado.

 

Inventaram Bush e Barack Obama. Criaram a bomba atômica do Irã e da Coréia do Norte. As mesmas eficazes bombas atômicas, que resguardaram as democracias, agora estavam sendo satanizadas.

 

Depois dos ditadores latinos, criados com a ajuda da CIA, da USAID e da CBF, a indústria do terror enlatado inventou Sadam Hussein e Bin Laden. E agora, com a chancela global e autonomia total tornou-se policia universal para combater a nós todos e todos do eixo do eixo do mal.

 

E assim, os meninos da minha geração, que tanto acreditaram no poder da NASA, agora se sentiam frustrados. Não poderiam dormir tranqüilos, posto que, havia um terror factível e um terror inventado, que não eram mais as inocentes mulheres de Vênus ou os ingênuos e cruéis marcianos, injustamente fossilizados.

 

Wagnar Braga Batista é professor aposentado da UFCG

 

 


Data: 10/08/2010