topo_cabecalho
Artigo - A força e a vitalidade dos apelidos

Wagner Braga Batista

 

Meus amigos, o que mais nos marca na vida?

Não são as dores eternas, nem os prazeres chamados efêmeros que permanecem vivos em nossas lembranças.

Enganam-se aqueles que dizem que são os deslizes humanos, as dissabores cotidianos ou irrealizáveis planos. Tampouco são as confidencias de alcova ou os segredos frugais que carregamos. Erram os que apontam crimes hediondos, aqueles que cometemos serenamente, tornam-se inconfessáveis, guardados por palpitações e silencio. Todo dia revolvem nossa consciência, a cada minuto nos sacodem, mas levamos todos eles tranquilamente pra cova.

Não pensem nos sentimentos mais puros, que se refletem em boas ações e atos de boa fé. Aqueles que os homens castos e virtuosas mulheres carregam como marcas indeléveis de suas vidas. Tampouco, são as profissões de fé. Declarações exaltadas que nada dizem, pouco significam e não tem desdobramento na vida. Manifestações que, apenas, desvelam o hiato entre o que dizemos ser e o que realmente somos. Vejam bem. Não são nossos pecados e nossas virtudes, as cicatrizes do corpo ou a beleza da alma que marcam a vida de um homem.. 

O que mais marca a vida de um homem é o desgraçado do apelido.

O apelido é o insuperável carma. A verdadeira essência do dilema do ser humano. Aquele vocábulo que nos leva ao suplicio e a tragédia. As grandes questões e indefinições que não podem ficar reclusas em armários.

O apelido é  um estilete que penetra fundo. Um estigma que imposto pela chusma vil.  Pela rafameia i que se vale deste artifício para degradar a cultura e homens que professam o saber e a virtude.

A chusma cresce e se agiganta por causa do apelido. Leva, homens probos à desgraça, à permanente dúvida e os submete à chacota cruel. Uma vez que a chusma ou o desgraçado do apelido entrem pela porta de suas vidas, tornam-se presença definitivas, constrangedoras e perversas. Pesam como uma ameaça permanente sobre honra dos homens de bem e a dignidade das suas famílias..

Os jovens ficam apreensivos. Põem-se a imaginar: será que ao sair com a namorada vão gritar o apelido ? Será que a chusma trama contra suas vidas? Será que maquina uma chacota ou inventa um novo apelido? A dúvida é atroz.

Será que no dia da formatura algum insolente suspenderá a solenidade para proclamar sua desgraça? Proferindo em alto e bom tom seu apelido ?  

Os jovens já não têm mais ânimo para a vida por causa dos apelidos. Supliciam-se pensando: Será que a chusma revelará ao futuro sogro e à sogra a palavra desoladora ? Será que os exporá  à vergonha, à  execração e ao sarcasmo no seio da futura família?

Ficam a imaginar.

Quando essa tormenta terá fim. Mas esse fim certamente não chega, porque o apelido subsiste à doença, ao atropelamento e à morte. Até no velório, no cortejo fúnebre e no sepultamento, o apelido se impõe a despeito do infortúnio. Faz-se presente, imperativo para se beneficiar da desgraça. E mesmo no infortúnio, ninguém diz o nome do morto, diz o seu apelido.

Os jovens já não querem mais sair de casa. Ficam trancafiados e não andam em ruas movimentadas temeroso de que o apelido os aguarde em cada esquina. Esteja na espreita às portas de um botequim ou em uma banca de revista, quando passam desavisados, são pegos de surpresa. Lá está o apelido, tomando um cafezinho, falando besteiras e se ocupando da vida alheia. Inclemente e atroz, não perdoa, vocifera, esgarçando as vísceras de adolescentes, mostrando suas espinhas, os pelos em suas mãos e suas brotoejas. Acintosamente, o apelido os acusa de todos suas imperfeições.

Nem mesmo Bill Cliton, Bush ou Baack Obama, o manual dos homens politicamente corretos, conseguiram inibir a sanha do apelido. Quando os mariners e a CIA caçavam apelidos na Ásia, fugiam para o Oriente Médio. Abrigavam-se em cavernas, com escorpiões e lacraias. Reconheciam o veneno de animais peçonhentos e surgiam mais letais. Com a verve mais dolorosa, com mais força e maior contundência. Somente João Otávio e o Papa João XXII conseguiram aplacar a fúria do apelido.

Mesmo assim ele ressurgia e não respeitava a vontade e a prudência destes santos homens.

Como um nocaute fulminante, mostrava-se avassalador, derrubando a tudo e a todos.

A chusma e os apelidos tomavam conta das ruas e dos quarteirões com fúria dos iconoclastas que não respeitam santidades ou virtudes humanas. Nada resistia à perversidade dos apelidos. Nenhum defeito, fraqueza ou desvio humano conseguia se manter longe de seus olhos, fora de seu raio de ação ou escapar de seu laço certeiro. Não adiantava se esconder, fugir, porque o apelido iria atrás e surpreenderia quando menos se esperasse.

Quando crianças, os meninos fugiam das ruas com medo dos apelidos. Passavam cinqüenta dias sem comer ou beber trancados no quarto. Apagavam as luzes ingenuamente. Escondiam-se em pesados e rotundos armários. Não adiantava. O apelido inclemente iria localizá-los, seja onde fosse.

Na escuridão do quarto ou escondidos embaixo da cama.Ninguém conseguiu fugir do apelido. Esta é a grande verdade que aprendemos na infância e nos marca para o resto de nossas vidas.

O mais solene, austero e incisivo homem da lei, jurisconsulto ou juiz  tem pavor a apelidos. Não consegue se impor frente ao avassalador apelido. Lembra-se daquele caso que ganhou a capa do New York Times. O caso daquele juiz que só queria ser chamado de Excelentíssimo, Meritíssimo, Baronissimo e  Divinissimo Senhor. Que se fazia acompanhar de cinco cães de guarda, três deputados federais, duzentos e quarenta malas pretas, do goleiro Bruno, de cinco exércitos de latifundiários e cinco barões da construção civil. Aquele juiz que não sentenciava, ultrajava os réus. Não proferia sentenças, ornamentava-as com palavras insolentes para descarregar seu ódio contra pobres e humildes homens.

Pois bem, meus amigos, vejam o poder e a marca do apelido.

Mesmo este Meritíssimo Senhor, foi despido da pompa, da soberba e da toga. Viu-se como qualquer mortal despido de autoridade frente ao apelido. Este pobre Meretissimo viu-se de cuecas em pleno tribunal.  Como um menino de calças curtas diante de humilde trabalhador rural, réu num processo em que era acusado de pedir a restituição das terras que tinham lhe expropriado. A cena trágica decorreu de um ato insolente de um apelido que saltou da boca daquele pobre lavrador para chamar o insigne juiz de Dr Minhoca de pés trocados. E assim ruiu a soberba, o orgulho e a autoridade de um homem Meretissimo transformado numa simples minhoca. Não numa minhoca qualquer, numa minhoca desajeitada, andando pelas ruas com pés trocados.

Sem mais saber, se era um homem ou uma minhoca, o dono das leis e prolatador de insensíveis sentenças, desceu do alto de sua soberba e de tantas injustiças, enfiou-se embaixo da terra e foi cumprir sua sina.

Canhestramente com os pés trocados,  como se fosse uma minhoca, respeitando os desígnios e a determinação de seu apelido.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 05/08/2010