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Artigo - A educação do submundo e os novos agentes a serviço do bem do mundo civilizado

Wagner Braga Batista

 

 

Os agentes da CIA e os heróis do desenvolvimento sustentável descobriram uma nova maneira de salvar o mundo e preservar o capitalismo biodegradável.

 

Passaram anos labutando e pesquisando, promoveram mil guerras em cento e oitenta e três países. Articularam quatrocentos e setenta dois golpes de Estado em nações não degradáveis. Flagelaram milhões de incivilizados  para buscar recursos naturais ainda não degradados.

 

Utilizaram-se de grandes estoques de madeiras, incendiaram matas virgens e aniquilaram animais degenerados. Varreram os diamantes de rios assoreados. Lançaram mercúrio em lagos, em mananciais e em poços soterrados. Viciaram a atmosfera com gases e brilhos. Os ventos e mangues com petróleo. Em nome do comércio cientifico e do roubo patenteado, mercantilizaram as águas, os ventos e paraísos devastados. 

 

Como verdadeiros desbravadores de continentes e de povos aculturados, derramaram sangue em nome do mundo civilizado, do capital financeiro e dos agrotóxicos sustentados.

 

Neste imenso mar de misérias e de degradação do mercado, encontraram aquilo que outros já tinham encontrado.

Colheram preciosas amostras deste material tão refinado, que estava espalhado por todo canto e não fora valorizado. Como pérola jogada aos porcos, era freqüentemente desperdiçado. Alimentava ricos e pobres, agora como um cripton higienizado, poderia ser utilizado para imunizar dos males do mundo, salvar elites bem intencionadas, empresários responsáveis, agentes da destruição criativa, promotores do comércio justo e  pesquisadores vaidosos em seus círculos virtuosos.  

 

Este material tão cristalino e puro, tão procurado e nunca localizado, estava ao dispor de todos. Agora em nome do desenvolvimento sustentável e do capitalismo civilizado seria mapeado, cotado e arduamente disputado. Depois de séculos de ajuda aos escravos escravizados, ao colonialismo restaurado e aos pobres reféns da pobreza do submundo que nunca foram ajudados, os agentes da CIA, os heróis do desenvolvimento sustentável e os pesquisadores de itens financiados descobriram este precioso bem capaz de restaurar o neoliberalismo e trazer novamente à luz o capitalismo civilizado.

 

Com a ajuda da CRAPES, da CBF, da TFP, da máfia chinesa, da MULTITV, do Bispo Edir Macedo, da ABNT e do PTB, descobriram que a educação popular, este patrimônio secular, poderia se converter em êmulo do capital humano, do empreenDEMdomentirismo e do submissivismo regrado.

 

Leram livros de autoajuda, bem como vários outros, que falsos educadores tinham defecado, e chegaram a uma conclusão conclusissivíssima.

 

Vejamos.

 

1-            A educação no mundo civilizado é uma ação salvacionista e reprodutivista. Salva os homens de bem e condena aqueles que não querem ser salvos. Reproduz os donos do mundo e esteriliza seus escravos. Cultiva caprichos refinados e anula sentimentos aculturados. 

 

2-            Como um bem intangível, não é passível de ser generosamente acessado. Por isto, o Estado neoliberado criou e ofereceu inacessíveis mãos do mercado. Para uns, as mãos invisíveis do mercado, propiciam o direito privado, para outros, o direito de ser precariamente educados. Estas livres mãos, que produzem apenas o negociado, instituíram, também,  o ensino rebaixado e a democratização do ensino privado. Desregulamentaram o direito à educação e criaram novas mãos, para beneficiar comerciantes degenerados, e novos nãos para negar o direito à educação de pobres aculturados.

 

3-            Descobriram que a educação é um bem que deve ser preservado e cultivado. Desfizeram barreiras para o advento do tempo dos certificados. Neste novo tempo,  que desponta dentro de um grande cercado, todos os bichos não precisam ser formados. Num passe de mágica podem ser transformados, graças aos novos certificados. Os bois podem se converter em cururus, desde que certificados. Os cururus em beija flores e os beija flores em jumentos abestalhados.  Porém, proficientemente certificados.

 

4-            Perquiriram que no tempo dos certificados professores não precisam dar aulas. As escolas de fachada, em homenagem ao novo tempo dos certificados, podem se manter sempre fechadas.

 

5-            Concordaram que a educação dividida e segmentada, por justiça do ensino pago e em justiça ao bem privatizado, ensina o que nunca fora ensinado. Vaidades, egoísmo, individualismo e valores encomendados pelo moderníssimo liberalismo restaurado. Isto porque, o capitalismo civilizado, redimiu os vícios e culpas em troca de novos e prazeirosos pecados.

 

6-            No currículo do capitalismo civilizado, as aulas de religião profana professam que meninos e meninas devem ser individualizados. Em hipótese alguma, um não pode ser cem, posto que, como todo bem, cada um é de apenas um. E não pode ser coletivizado.

 

7-            Arremataram que, assim como o senhor e o escravo ou a imagem de Narciso no espelho, o egocentrismo postulado, deve ser enaltecido e valorizado. Posto que, o narcisismo concêntrico explica que todo bem, não pode ser de mil ou de cem.  Como corolário, a educação e o mundo civilizado devem ser individualizados e, como todos os bens, não podem ser socializados.

 

8-            Concluindo, asseveraram, a educação é um bem, e como tal, não pode ser igualmente de cem. É um bem, que pode até ser disseminado, desde que desnatado e devidamente esterilizado. Uns receberão educação, outros, apenas alguns trocados. Posto que, este bem, para o bem do mundo civilizado, não pode ser indevidamente usado.

 

9-            As livres mãos do mercado impedem que a educação seja indevidamente usada pelos não emancipados. Para que seja reprodutivista e salvacionista não pode servir aos não emancipados.  Portando, o ensino, em nome da igualdade, deve ser desigualmente disseminado, mesmo assim, não para todos os lados. O lado bom deve ser educado e o lado mau, apenas civilizado.

 

10-          Os bons, cultos e civilizados devem ser educados. Os pobres, sujos, maltrapilhos  e maltratados, apenas treinados.  Os moços de olhos azuis e a meninas de cabelos dourados, estarão fadados e receber  educação. Os pobres do submundo, por um ato de benevolência d os agentes da CIA, dos heróis do desenvolvimento sustentável e dos pesquisadores de itens financiados serão apenas treinados para ser promotores do bem do primeiro mundo e agentes do desenvolvimento negociado.

 

11-          Treinados para ouvir trinados e toques de celulares sofisticados. Treinados para comprar badulaques e logomarcas dos civilizados. Para usar brincos nas orelhas e andar com os pés trocados. Ostentar carros de luxo e usar cuecões borrados. Edificar novas catedrais traçadas com raios laser, com vitrines colossais e  enormes pedestais profanos para homens endinheirados. Catedrais,  com grandes estacionamentos para grifes importadas, cortes de cabelos inéditos, logomarcas de produtos supérfluos e todos cartões de créditos. As catedrais traçadas gerarão bichos de seda, toalhas de renda e novos empregos para os pobres treinados. Serão carregadores de oficio, estafetas de meretrícios, vendedores de dentifrícios, meninos do crack e corpos pingentes em fachadas de edifícios.  

 

12-          Nas catedrais de raio laser, os pobres meninos do submundo, serão treinados para assistir videogames, para se suicidar embriagados, para alucinar drogados, para usar remédios não usados, para tatuar em seu corpo sonhos usados, protegidos e plastificados.

 

13-          Nas periferias exuberantes das catedrais de raio laser, serão treinados a sobreviver no lixo. Do lixo, extrairão suas alegrias e fetiches, amores falsificados, sorrisos violados e brinquedos quebrados. Serão  acostumados a viver no lixo e no lixo serão treinados a engolir o bom nome de homens renomados, a ser servis e domesticados, a sentir o gosto de chips danificados, a comer os restos do povo civilizado e do dia passado, a deglutir produtos vencidos e estragados, tênis pirateados e se refestelar com baterias de celulares usados.

 

Posto que, por um ato de benevolência dos agentes da CIA, dos heróis do desenvolvimento sustentável e dos pesquisadores de itens financiados, os pobres meninos do submundo, que não devem ser educados, uma vez treinados, tornar-se-ão agentes a serviço do bem do mundo civilizado.

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 29/07/2010