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Artigo - O Goleiro, o Paysandu e o Menino

Francisco Julio Sobreira de Araújo Corrêa

 

 

Em um recente artigo, o nosso amigo Wagner Braga Batista relembra para alguns, e leva ao conhecimento de muitos, as proezas do goleiro Castilho, ou melhor, Carlos José Castilho.

 

Os verdadeiros craques do futebol  possuem nomes simples como Pelé, Zico, Pepe, Zito, Tostão etc., ou possuem nome e sobrenome como, por exemplo, Djalma Santos, Ademir da Guia, Mauro Ramos de Oliveira, Jair da Rosa Pinto, Gilmar dos Santos Neves, Nilton Santos,  entre outros. Além disso, Os daquela época não apareciam nos noticiários policiais.

Voltemos ao Castilho, ou melhor, ao CARLOS JOSÉ CASTILHO. Em 1954 foi titular da seleção brasileira, na Copa da Suíça. Em 1958 e 1962 foi reserva de Gilmar dos Santos Neves nas copas da Suécia e do Chile, respectivamente. Até aí,  CASTILHO era, para nós nortistas, apenas um nome que, como os antigos diziam, navegava nas ondas dos rádios de antanho. Naquela época, a televisão era  um sonho longínquo que embalava as ilusões das crianças pobres de Belém do Pará.

Certo dia, as rádios divulgam que o BICAMPEÃO MUNDIAL CARLOS JOSÉ CASTILHO havia sido contratado pelo nosso glorioso PAYSANDU SPORT CLUB. Para mim, torcedor do PAPÃO DA CURUZU, morador da Travessa Curuzu, vizinho do estádio do Paysandu, não poderia haver notícia melhor. Menino despreocupado que eu era,  passava o tempo livre a jogar futebol no quintal de minha casa e a assistir aos treinos do PAPÃO DA CURUZU no Estádio Vovô da Cidade.

Pude, enfim, conhecer de perto o grande  CASTILHO. Aquilo que era apenas um nome, algo abstrato que navegava nas ondas do rádio (que termo mais antigo!), transformara-se em uma figura real. Nos treinos, aquele homem que beirava os 1,90 m de altura transmudava-se em luz e se convertia em uma figura diáfana que voava como um anjo em busca de bolas perdidas para trazê-las de volta ao gramado. Tive a felicidade de assistir ao seu primeiro treino como goleiro do nosso querido  PAPÃO DA CURUZU. Cultivei o sonho de ser goleiro. O pequeno torcedor Alvi-Azul imaginava-se voando em busca de bolas imaginárias, a conquistar títulos para o Paysandu.

No primeiro jogo oficial, contra um adversário cujo nome prefiro não escrever, o nosso  CASTILHO engoliu três  "frangos" e levou o Paysandu à derrota. Alguns disseram que Castilho estava acabado; teria deixado a famosa "Leiteria" no Fluminense. Os que apostavam no seu fracasso em breve se renderiam à majestade do grande goalkeeper. Era assim que os narradores da época se referiam aos goleiros. Na década de 1960, para sorte nossa, não havia narradores como Galvão Bueno nem comentaristas como o "craque" Neto. As crônicas esportivas eram escritas por Nélson Rodrigues, João Saldanha e Armando Nogueira. Aprendíamos futebol com mestres da língua portuguesa.  As narrações eram um misto de emoção e tragédia que desaguavam no paroxismo do gol. Os narradores podiam mentir à vontade sem a testemunha incômoda da televisão.

Depois da falha no primeiro jogo,  CASTILHO "fechou o gol". No antepenúltimo jogo do campeonato paraense o Paysandu enfrentou o adversário cujo nome eu não pronuncio. Nos momentos iniciais da partida o PAYSANDU abre o placard. Todos acreditam em goleada. Sairíamos de campo com a alma lavada e enxaguada, como diria Odorico Paraguassu. Estávamos enganados. O adversário cresce na partida. Aí aparece São Castilho. Defesas milagrosas acontecem. Castilho, plástico, leve, revoluteia no ar em busca de bolas indefensáveis, no mais puro balé futebolístico. As que não puderam ser defendidas pelo santo milagroso encontraram a trave. Foram sete bolas na trave e o Paysandu saiu vitorioso com o único gol acontecido nos minutos iniciais.

O penúltimo jogo seria contra a Tuna Luso Brasileira, à época a terceira força do futebol paraense. Se ganhássemos, seríamos Campeões por antecipação. Eu, garoto acostumado com os treinos, tive a oportunidade de ir ao jogo, no campo da Tuna. Fui convidado por meu saudoso tio caçula, Julio Sobreira de Araújo, companheiro de intermináveis conversas futebolísticas que sempre tinham o Paysandu como tema central. Envergando o Manto Sagrado do PAPÃO DA CURUZU, seguimos para a batalha. O jogo começa nervoso. O PAYSANDU abre o placard. Oliveira, lateral direito que depois jogaria no Fluminense, faz o único gol da partida.

Com pouco tempo de jogo, acontece quase que uma tragédia. Nosso Grande Arqueiro, em uma bola dividida com um atacante da Tuna, quebra o nariz. Sangrando, recusa-se a abandonar a meta Bicolor. O amor ao Paysandu supera a dor física. Era a própria figura do mártir. Um verdadeiro cruzado contra os infiéis tunantes. Como de outras vezes, "fecha o gol".  Quando do apito final do árbitro, a torcida Alvi-Azul entra em delírio. Extática, a Nação Bicolor invade o gramado. Castilho é carregado nos braços do povo. Depois, saímos em passeata. Foi minha primeira passeata em nome da liberdade de ser Campeão. Foi um dos momentos inesquecíveis de minha vida.

Depois do título de campeão, CARLOS JOSÉ CASTILHO pendurou as chuteiras e tornou-se treinador do PAYSANDU.

Carlos José Castilho, nasceu a 27/11/1927, no Rio de Janeiro. Seu último voo aconteceu a   2 de fevereiro de 1987,    Ele se atirou para a eternidade  pela janela do apartamento de sua ex-mulher, no bairro de Bonsucesso, ou, como diz o Wagner,  “ Como um mito, dissolveu-se no ar ou se tornou eternamente invisível.

 

Para concluir, vejam os títulos de Castilho:

 

Copa Oswaldo Cruz: 1950, 1962

Copa América: 1949
Campeonato Carioca: 1951, 1959, 1964

Jogos Panamericanos: 1952

Torneio Rio - São Paulo: 1957, 1960

Copa do Mundo: 1958, 1962

Copa Rio de Janeiro: 1952

Copa O'Higgins: 1955

Copa Roca: 1957.

 

 

Francisco Julio Sobreira de Araújo Corrêa é professor da Unidade Acadêmica de Matemática e Estatística


Data: 16/07/2010