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Artigo - O fair play da Copa e do juiz ladrão

Wagner Braga Batista

 

 

Na Copa de 1986, salvo engano, quando a pancadaria comeu solta e as partidas transformavam-se em verdadeiras batalhas campais, o marketing esportivo acudiu-se numa regra informal. O mesmo marketing que apostara na rispidez e na virilidade do futebol, quando a violência fugiu do controle, socorreu-se no fair play.

 

Esta prática nobilíssima, inspirada no trato de gentlemen e cavaleiros medievais, teve sua corruptela no futebol. Nos bons tempos, exercitada de forma espontânea, fora adaptada para atender às circunstancias e ao gosto do freguês.

 

O fair play foi revitalizado. Ultimamente só se fala em fair play. Quando em flagrante delito qualquer meliante, senador ou deputado imediatamente se insurge: E o fair play? 

 

Na Copa do i-mundo não se falava outra coisa. Mas, afinal, o que é o fair play ?

 

Será jogo limpo praticado em meio à concorrência desleal?  Será lisura quando mãos sujas no bolso escondem o vil trocado? Será transparência quando as falcatruas das jabaculanis, os jabaculês enrustidos, a grana dos patrocinadores, as propinas dos empresários de jogadores, os recursos públicos investidos na Copa e o caixa dois da FIFA já tiverem sido desviados? Será a ética do marketing e do futebol falsificado?

 

Como falar de fayr play diante de tanta bandalheira, da manipulação de informações, da falta de transparência na aplicação de recursos financeiros, da relação promiscua com patrocinadores, da prevalência do marketing sobre o trabalho da imprensa, do aliciamento e da compra de votos para a presidência da FIFA, da promoção de monarquias parasitárias e de ditaduras sanguinárias pelos senhores da Copa?

 

É patético.

 

Seria apenas isto, se o nosso personagem da semana, o juiz ladrão, o craque da Copa do i-mundo,  também não se reivindicasse do fair play.  Pleiteasse a ajuda do fair play , do espírito esportivo e do jogo limpo, para o seu ignominioso jogo.  

 

Como, seria possível? Abdicando de suas habilidades de subtrair o alheio? Não, simplesmente, servindo como simulacro.

 

O que pretende o juiz ladrão. Quer a mesma postura esportiva que,  o inconteste e magnífico Magno Alves, maior ponta de lança do futebol brasileiro, certa feita, exigiu de um pobre goleiro, com dor de dente, dívidas atrasadas na venda da esquina, com a mulher grávida do oitavo filho e refém de três agiotas. Exatamente do goleiro, esta figura amaldiçoada pela torcida,  condenado a ficar sob um pau, imóvel sob a batiza, enxovalhado pela vergonha. Pior, pela insofismável acusação que se aplica a todo goleiro: ele é frangueiro.

 

Este pobre homem, encurralado naquela estreita faixa de terra maldita, que sequer nasce grama, deveria se comportar como um gentleman:  ter fair play.

 

Mas, o que queria Magno Alves deste pobre goleiro?

 

 Em sua pureza angelical, Magno Alves, esse querubim de chuteiras, queria apenas que o goleiro não lhe atrapalhasse na hora de bater o pênalti. Atrapalhasse, como?  Tivesse fair play e não defendesse a bola chutada pro gol.

 

Meus amigos, a pureza angelical de Magno Alves, foi estarrecedora. Gravada para sempre nos anais do fair play e transmitida ao vivo para todo o país. 

 

Nesta esplendorosa e inusitada inflexão sobre o fair play, o juiz ladrão também veio a público. Em sua generosidade, quis contribuir para o anedotário esportivo. Chorava e se dizia magoado.  Não merecia ser enganado, traído como um marido canastrão, como um corno confesso, como um parceiro de alcova de Luiz Fabiano, o Cabuloso.

 

Pretendia que jogadores faltosos tivessem a sinceridade e a humildade bíblicas. Fossem honestos como Jó, o homem reto e temente a Deus, que só sinalizava o rumo certo.  Confidenciassem seus erros e subissem o calvário da expiação. Murmurassem no ouvido do bandeirinha suas faltas ou colocassem um bilhetinho preso nas ligas das pernas do juiz ladrão, com uma simples e perturbadora mensagem: Errei, me perdoa.

 

Como mártires de ofício e santificados personagens pelo reconhecimento do próprio erro, ficassem à espera da obtenção do perdão ou da cumplicidade da arbitragem. 

 

Certamente, meus amigos, vocês imaginam que esta narrativa é produto de uma farsa,  de uma encenação burlesca. Não é.

 

O Monsieur Arsene Lupin Lannoy, árbitro da partida entre o Brasil e Costa do Marfim, dizia-se indignado porque Luiz Fabiano, o Cabuloso, não se autodenunciou. Não proclamou sua culpa perante os olhares de seis bilhões de seres humanos dispostos nas arquibancadas de todos estádios do mundo. Não admitiu que meteu a mão, a manopla na bola. Reclamava que,  o Cabuloso, não bateu no peito, não fez seu mea culpa , genuflexo e com uma vara de marmelo se autofragelando no meio do campo.

 

Meus amigos, este juiz não tem paralelo. Dificilmente conseguiremos produzir um igual. E prestem atenção, o juiz ladrão tornou-se uma instituição nacional. Dessas que o povo proclama como um produto genuíno, autenticamente nacional. Em tempos de economia globalizada, internacionalizou-se como um dos principais produtos de exportação.

 

Outro dia, até o Presidente da República, o camarada Lula, em horário nobre, enalteceu a importância do juiz ladrão para a economia brasileira. Falou de sua notável performance na redução do déficit público e no equilíbrio da balança de pagamento: Graças à exportação de juiz ladrão estamos superando a crise. Estamos reduzindo nossa dívida externa e conseguindo saldos na balança de pagamentos.

 

Frente aos críticos do juiz ladrão, não hesitou em fazer sua defesa:

 

Não façamos onda, posto que o roubo do juiz ladrão é apenas uma marolinha frente ao que assistimos nos três poderes.  Estes é que são poderes, roubam como super heróis.

 

Para não dar margens a dúvidas, cizânias ou intrigas da oposição, o camarada Lula proclamou:

 

Precisamos investir na produção de juiz ladrão. Precisamos investir no design, agregar valor, conferir notório saber, reconhecimento de excelência, selo de qualidade ao juiz ladrão. O juiz ladrão foi e continuará sendo nosso melhor produto de exportação.

 

Por fim camarada Lula, advertiu desafetos, falsificadores de dossiês, sadoeconomistas, catastrofistas de botecos e Felipes de Melo da situação:

 

Vocês precisam ter o fair play do juiz ladrão.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 14/07/2010