Artigo - Bruno e Eliza: vitimas do DNA Wagner Braga Batista Señor Señor: Ernesto Cardenal* Assim como Eliza, Bruno também fora abandonado pela mãe aos cinco anos de idade. Assim como Bruno, Eliza fora criada pela avó. Assim como tantas crianças, sonharam com tantas coisas, alheios à própria circunstância. Um vivia numa favela em Minas, outra em suas seqüelas, em qualquer rincão, acolá. Como tantas crianças, só lhes restava viver e sonhar. Um sonhava vestir uma camisa dourada, a outra, um lindo vestido de tafetá. Como tantas crianças, só lhes restava viver e sonhar. Um se chamava de outro, a outra do nome que lhe quisessem dar. Como tantas crianças do mundo, só lhes restava viver e sonhar. Tanta coincidência, que, certamente, iguais um e outro no mundo não haverá. Para não supor que fossem frutos de circunstâncias, preferimos entendê-los como vitimas do DNA. Bruno e Eliza seguiam o mesmo caminho, traçado por um mapa de DNA. O mapa estampado numa vitrine de um shopping, na porta de uma casa faustosa, no capô de um carro de luxo, na etiqueta de uma roupa frugal que nenhum dos dois podia comprar. Esforçavam-se para ter na vida tudo aquilo que outros seres já tinham, no próprio DNA. Viam que estes seres, qualificados por tantos teres, tinham tantas coisas que outros não tinham, por causa do DNA. Tinham arrogância nos bolsos, bem como dentes vestidos de diamantes e tafetá. Tinham luxuria nos olhos, por causa do DNA. No mapa do DNA viam tantas coisas bonitas, tão caras e tão fúteis, mas nenhum dos dois podia comprar. Coisas tão reluzentes, que ofuscavam os olhos dos outros para que lhes pudessem enganar. Essas coisas que seguiam os seus caminhos e eram tão fáceis de encontrar. Tão fáceis, tão próximas, mas nenhum dos dois podia comprar. Essas coisas que os dois perseguiam, mas que sonhos não podiam lhes dar. A sina desses dois meninos e as ambições do destino, um dia iriam se encontrar. Não por coincidência, acaso ou fortuna, mas por obra do DNA. Assim como Norma Jean ( Marilyn Monroe), currada na adolescência, Eliza fora violentada pela cultura do DNA. Assim como Norma Jean, despida num calendário, Eliza também fora desnudada numa orgia programada por agentes do DNA. Por estratégias de marketing, por vícios resplandecentes, por jóias dementes, por drogas santificadas, por promessas violadas, por outras moças prendadas, igualmente prostituídas, e muito bem casadas com próceres do DNA. Assim como Norma Jean, Eliza e Bruno foram desalojados da infância, despojados de suas virtudes e jogados num lixo chamado mercado. Ali, roubaram seus olhos, amputaram seus pés e, em troca, colocaram vinte dedos em cada mão. Sem pudor ou receio, desde que pudessem comprar, poderiam colocar mil anéis em cada mão. Alí, naquele lugar chamado mercado, ofereceram-lhes muito dinheiro para sufocar um reino encantado, chamado inocência. Ali lhe propiciaram uma nova espécie de amor. Um amor bonito e furtivo, que tinha um grave defeito. Ao invés de generosidade, exigia proveito. Um amor com defeito, que só se alimentava de bens materiais e do recíproco proveito. Do que um tirava do outro, do quanto se anulavam ao seu jeito. Um dia, Eliza se olhou no espelho e percebeu que Bruno havia lhe roubado a imagem. Bruno, por sua vez, olhara em outra direção. Vasculhou horizontes distantes e já não via mais o que encontrar. Já não via seu rosto, desaprendera seu nome, não sabia seu rumo e nem o que buscar. Não se via mais em Eliza e tampouco sem si mesmo. Olhava aqueles horizontes e as áridas paisagens criadas pelo DNA. Nada via. Não conseguia em nada acreditar. Supôs que, num esgar, Eliza tivesse cegado seus olhos, jogado seu sêmem no ventre de um tempo que não podia encontrar. Possuída pela ira, tivesse arrancado sua infância daquele horizonte e jogado no mesmo lugar. Pensou consigo mesmo: Nós que não éramos coisas, em coisas fomos nos transformar. Encheram-se de ódio um pelo outro. Resolveram se auto-aniquilar. Neste dia, Eliza matou Bruno. No mesmo momento em que Bruno, não vendo mais sua infância, também assassinou brutalmente Eliza. Neste dia, mil telefones gritavam e vozes de um milhão de pessoas chamavam por Brunos e Elizas, que televisores indiferentes se ocupavam em silenciar. Havia também um milhão de vozes aflitas chamando por Brunos e Elizas, que celulares, tão caros, nunca quiseram escutar. Naquele mesmo instante, também se esfacelava um pedaço desta da coisa em que transformaram cada um de nós. * Ernesto Cardenal, Oración por Marilyn Monroe y otros poemas, Editorial Nueva Nicaragua-Ediciones Monimbo, 1985 Data: 08/07/2010 |