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Artigo - Da incursão de João Otávio ao chapadão da Borborema aos nebulosos tempos que nos assolam

Wagner Braga Batista

 

 

Os anais da História indicam o ano de 1563. Mencionam a incursão de João Otávio Paes de Barros ao chapadão da Borborema no ano V após o fim do Reinado de Rodesiano IV, soberano de uma gafieira na Lapa e detentor dos a direitos autorais de setentas e quatorze musicas de pagode.

 

Porém, corrigimos este erro histórico consultando eminente pesquisador, Dr Virgilio Brasileiro, o médico historiador, que perscrutou e ouviu o silencio de cada pedra sobrevivente dos séculos, das secas e das agruras desta cidade. Dr Virgilio, aquele que disse o que não poderia ser dito para não despertar o fogo das vaidades: Campina foi e será sempre grande apesar de todas suas mazelas.

 

Pois bem, este pediatra que cuidou de mais de trezentas e noventa mil crianças, tem a autoridade de quem passou talco e óleo Johnson na bunda de dois reis de Portugal, de trinta e dois governadores de províncias, além de dar palmadas em todos prefeitos, vereadores e insignes homens deste grandioso município, disse a inquestionável verdade: João Otávio foi o primeiro e verdadeiro desbravador destas terras.

 

Chegara aqui antes do trem e do forro eletrônico. Vencera sem hesitação todos os desafios. Não se assombrou com o caudal dos rios e do mar tenebroso, transpôs desertos áridos e íngremes escarpas. Venceu a maleita, o piriri, o escorbuto, o impetigo, a malária, as aftas, a bicheira, o cólica intestinal, o terçol, o panarício, os males dos rins, bem como todas demais doenças e hipocrisias. Quando pode, bebeu a água de mangues, de poços contaminados com mentiras e de charcos infestados de venenosas traíras. Comeu gabiru, calango, cururu e cruz credo, mas, desde então, asseverava: Nada disto se compara às coisas aterradoras que o futuro nos reserva.

 

Sobreviveu, assim como sobreviveram suas virtudes.

 

Chegamos à conclusão de que esta desgastante jornada realizou-se em 1572, posto que em 1563 ainda não havia sido inventado o automóvel.  Invento este projetado por Juscelino Kubistcheck de Oliveira, sob o aconselhamento de Wilton Ramos da Silva, um aborígene laborioso, que inventava inventos prodigiosos numa oficina de fundo de quintal, na rua Indios Cariris, nº 1792, num vilarejo do agreste paraibano, em 1567.

 

Para sermos mais precisos, não seria uma temeridade afirmar que a incursão ocorreu durante os festejos juninos, posto que João Otávio, o justo, aproveitara-se desta longa jornada para visitar seu amigo Paulo Décio, o ínclito, outro bandeirante que se fixara na província das Alagoas. À época, valeram-se do ensejo para denunciar os abusos previstos no novo código florestal brasileiro e trocar opiniões sobre a linha de frente do Santos Futebol Clube.

 

Estas narrativas estão contidas em escritos do próprio punho, que constam do edito do Rei D. Severino Carnegão III, o pústula, que conferiu a João Otávio, o justo, o título de Capitão do Mato, Protetor da Sacrossanta Igreja dos Benditos e Malquistos de Bodocongó, bem como de Arquiduque das Terras Altas do Chapadão da Borborema, então à mercê de litígio, envolvendo os índios cariús e os donos de alguns feudos em universidades públicas de alhures.

 

Nestes manuscritos, com requintados detalhes, estão registradas suas peregrinações pelos horizontes tardios e o resgate de pérolas da infância, em Jahu, no norte da Groelândia, São Paulo, terra dos índios Afonsinhos, verdadeiros mestres no trato de uma coisa chamada bola, que os auxiliava no relacionamento com tribos vizinhas e no domínio do meio de campo em glebas de terra propícias ao jogo de futebol.

 

Em 1572, mais uma vez João Otávio contribuía para o futuro da humanidade, advertindo o mundo para os perigos da modernidade. Para os descaminhos que separam a fé do nada. Dizia em seus manuscritos, redigidos em latim, numa tapera em meio a um roçado de macaxeira às margens do caudaloso rio Caracóis, Bodocongó, Taperoá, norte do Mato Grosso do Sul. Observamos que estes manuscritos foram traduzidos no curso do século XX, por um professor de línguas clássicas vulgarmente conhecido, na UFPB, como Alzir de Taperoá.

 

O mundo exterior ficou hostil e perigoso. Pra sair é preciso prever todos os caminhos possíveis de volta, os desvios, desvãos disponíveis para uma emergência, mudança de contexto, descontrole,  mudança de opinião, alteração das condições objetivas, fuga rápida ou pânico desembestado. É preciso, sem assombro, antecipar as rotas alternativas de fuga.

 

Vislumbrava também o advento do comunismo, da cortina de ferro, do muro de Berlim e dos condomínios de luxo que isolariam o Pedregal, todos os pobres e famintos das fronteiras do primeiro mundo.

 

Atrás de cada arvore poderá se esconder um subversivo. Como dizia a menina do grande filme : “A culpa é do Fidel “ serão os barbudos comunistas importados de Cuba, que ainda insistem em detonar a guerra nuclear, proclamar o fim do comercio justo e a débâcle do capitalismo. Será o fim.

 

Contudo, não renunciou jamais a seu propósito de levar à Campina Grande a experiência missionária da República Cristã dos Guaranis. Ainda em 1574, comprou uma máquina do tempo usada, na feira de troca de Zé Pinheiro, onde também se vendia jumentos, caprinos, urubus, gravanhas e outras coisas estranhas. Abduzido para dois séculos depois, pode retornar navegando pelo Paraná e depois pelo São Francisco, quando havia ainda água lá. Foi deste modo, que se instalou, primeiro na Província de Pernambuco, no Engenho da Cananéia, onde plantou sementes do socialismo primitivo, e depois na sede do PT, de Campina Grande, em 1574, onde se contrapôs ao socialismo neomalthusiano trazido de  de las missiones pelas mãos de  Zé Dirceu.

 

Antecipando este porvir histórico, anunciava João Otávio, o justo:

 

...eu vou. Um dia eu vou para Campina. Vou convocar e reunir todas as células aventureiras que possam ter restado nas fímbrias das minhas entranhas, memórias bandeirantes matadoras de índios e infiéis de outros tempos e tal como Jorge Velho, o Domingos, me lançarei serra acima em direção à Borborema. Ainda que um pouco temeroso com o que possa me esperar por lá. Índios bravios, caboclos chucros e multidões de ladrões?. Ou amigos resistindo em paliçadas e fossos improvisados em meio a timbus, muriçócas, bandas de forro eletrônico, feras bravias, uivantes e famintas? Nesta terra de esperança, realizarei meus sonhos .

 

Apesar das sinalizações do rigor da viagem e dos percalços da vida, João Otávio, o justo e perseverante, orou, comungou, persignou-se e partiu.  Apesar do sacrifício e da dor da partida, escreveu então:

 

Mas a bandeira partirá. O sucesso a Deus pertence. Ouro, prata, pedras preciosas ou cativos. O que a fortuna me reserva? Talvez uma rede para descansar meu corpo, alguns poucos livros à cabeceira e meus filhos a criar. Verei se aprisiono uns poucos selvagens para me precederem numa vanguarda de batedores. Apesar da indeclinável fé na jornada, é forçoso reconhecer que não devemos ceder aos vícios da carne e à tentação aventura, do risco desnecessário.  De resto, trago no gibão a escritura sagrada e um texto inédito de Karl Marx, um judeu errante, um conhecido herege que incita os bugres à revolta. Se meus olhos me concederem esta graça, lerei no decurso desta longa viagem.

 

Foi assim que teve origem a incursão de João Otávio, o justo, aquele que assessorou o Papa João XIII e o Colendo Conselho Universitário, que propôs a criação da UFCG, em 1578.

 

Suas agruras e venturas, não param aí. Em 1579, ao apontar suas lentes para céu, desvendou um antigo mistério. Mistério este, que, sem sua autorização, foi divulgado por um adolescente de nome Galileo Galilei. Submetido aos tribunais eclesiais, Galileo obteve clemência e se livrou da excomunhão graças ao prestígio e a defesa de João Otávio, o justo, junto à ala moderada da igreja católica apostólica romana. Temeroso do fim dos tempos, o santo Papa permitiu que esses mistérios fossem divulgados quatro séculos depois. Qual o teor destes mistérios? Hoje sabemos que revelavam que a terra era redonda, girava em torno de um astro de uma banda de rock paulista, que também seria um político lunático, sadoeconomista, que seguidamente de candidataria à presidência de um país do futuro sabidamente chamado Brasil.

 

Após interceder em favor de Galileo Galilei, João Otávio, o justo, debruçou-se sobre as coisas da alma, sobre as crendices e superstições do gentio e da do povo gentio

 

Sem duvida há que se reconhecer que neste intento houve um pequeno recuo tático nas ambições de povos, quiçá da humanidade, que se rebaixa e se confunde imiscuída na turba de eus belicosos e fortes desejos de identidade. Por isto urge a voz de comando. Mas a tarefa, de civilizar o povo, reconheço, continua árdua. Botar um mínimo de ordem nesta anarquia de eus indóceis não é fácil. Nenhum deles é muito educado e respeitador  Querem, porque querem, se manifestar e assumir o centro da cena. Com exclusividade. E deixar todos os demais na penumbra. Mas, oh Deus, o povo sempre será povo...

 

Hoje, seus vaticínios compõem teses de doutorado sobre a diversidade e a transversalidade da cultura, exercem influencia em programas de instituto científicos, em projetos de tecnologias endógenas, em pesquisas financiadas pela UNESCO desenvolvimento sustentável, em debates sobre ética profissional, inauguraram o coppy left e fornecem estofo às narrativas de cordel. São a luz que ilumina o imaginário presente.

 

Em 1595, deixaria Campina Grande para retornar a sua terra natal. Saudoso, reportava-se aos tempos gloriosos deste logradouro imenso, não se eximindo de enviar um recado pela internet para futuras gerações. Aquelas que enfiariam o socialismo no bolso e transformariam o PT num grande negócio:

 

No futuro precisaremos coibir a turba exasperada. Excitada pela oscilante alegria e de tristeza. Ficarei feliz e aliviado se souber que o povo ainda não chegou à autoflagelação e se satisfará açoitando animais indefesos que mantém escravizados. Será a demonstração inequívoca de um mínimo de sanidade. Um bom sinal. Uma esperança de que o socialismo bárbaro e primitivo possa se superar democraticamente. Contudo, se por ventura, encontrarem pelas ruas de Campina um sonho vestido com espinhos e se autoflagelando, por favor, me avisem em tempo.

 

Texto escrito com a valiosa colaboração de João Otávio Paes de Barros, o justo, no ano de dois mil e dez depois de Cristo, no vigésimo dia do mês de Justiniano às vésperas da libertação da Gaza.

 

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 01/07/2010