Artigo - A Copa do i-mundo, o Juiz ladrão, o abecedário da FIFA e os desencontros de Nelson Rodrigues Wagner Braga Batista ...o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Ruy Barbosa Há poucos dias afirmávamos que pior do que a qualidade do futebol apresentado na Copa do i-mundo, era aquela sensação incomoda do bafo na nuca. Era aquela voz, murmurando coisas indizíveis, que vinha de trás do sofá. O narrador esportivo, alheio a nossa vontade, falando em alto e bom tom, palavras de baixo calão na sala de estar de famílias respeitáveis. Dizia um a um todos aqueles palavrões: Baldacci, Simon, Larrionda, Rosetti, Coulibaly, Lannoy, etc, etc. Pior, do que tudo isto, era a certeza de que o jogo de futebol, traria sempre consigo a presença do juiz ladrão. Era esta insolente presença do juiz ladrão, penetrando pelos vídeos e rádios na sala de nossa casa, que mais incomodava. Esta ação invasiva afronta a consciência cívica e cristã. Torna-se um péssimo exemplo para as crianças e donas de casa, além do que mexe com a virilidade de torcedores e de suas cervejas. Sentem-se à mercê do roubo, impotentes e indefesos sem o ombro acolhedor de Mario Vianna, com dois enes, o paladino da luta contra o roubo desavergonhado. Pois bem, meus amigos, o incomodo se tornara maior ainda. Descobri, durante o jogo, naquele contexto, tardiamente, que estava sendo traído. Sendo traído pelos livros e somente agora, depois de tantos anos, pelo monitor da TV, dei-me conta de que todo o debate sobre inovação e difusão tecnológica tornara-se inócuo. Absolutamente infrutífero. Poderia ser jogado na lata do lixo. Deveria ser trocado por um único golpe de mão. Um apito. Uma simples pungueada, como se diria antanho. Assistindo a Copa do i-mundo cheguei a esta constatação. O juiz ladrão deveria substituir o chefe de equipe da NASA, os diretores dos mais renomados institutos de pesquisa, tomar o lugar de cientistas e filósofos, ocupar as cátedras de todas universidades . O juiz ladrão é o verdadeiro agente da inovação tecnológica, da revolução dos paradigmas e da radical reestruturação improdutiva. O juiz ladrão deve ter absoluta primazia sobre tudo e sobre todos. Um fiat (faça-se) do juiz ladrão adquire o esplendor das mensagens divinas. É um ser supremo que está acima de todas verdades e da maior verdade: a televisão. Seu apito é o ato inaugural de toda criação, toda celebração, de todo sentimento de alegria ou infortúnio. Tem a força reveladora e esclarecedora que falta aos videotapes. Tem o dom de anunciar o inacreditável e converte-lo na mais pura verdade. O apito é peremptório, não dá nenhuma margem à dúvida e à reflexão. Imaginemos Afonsinho, o único jogador de futebol livre, com seu ar angelical pedindo ao juiz um tempo para a reflexão. Um minuto para ponderar sobre a injustiça e as iniqüidades. Pedindo espaço para falar sobre as virtualidades do futebol e o futuro do socialismo. O apito é imperativo. Basta-se em si mesmo. Não dá lugar a outra conclusão que não seja o apito. Por isto o juiz ladrão é a figura magna da FIFA. Celebrado e glorificado no abecedário da FIFA com o título de Doctor Honoris Causa pela University of Cambridge, do Convento de Ipuarana, Lagoa Seca, PB. Uma brotoeja do juiz ladrão tem mais inventividade, sapiência, ousadia e conteúdo inovador do que o cérebro de cem mil PhDs. O juiz ladrão é conclusivo. Consegue derrogar de uma vez por todas o mainstream . Suplantar os mais atualizados paradigmas da inovação. Anular todo esforço de prospecção e transformação da ciência futebolística e da tecnologia socceriana. Todo o empenho tático, todos os anos de labuta e reflexão sobre a arte de conduzir e falar com a bola foram abolidos pelo juiz ladrão. Graças ao apito, aos interesses de patrocinadores e ao abecedário da FIFA, tudo isto estava definitivamente superado pelo mais obsoleto, velhaco e antiquado artifício dos honoráveis sicilianos, o colpo di mano. O golpe de mão lançara por terra, num decisivo cruzado o inquestionável videotape, bem como as mais proficientes e certificadas técnicas de registro histórico. O golpe de mão abolira de uma só vez o registro, a memória e a própria história. Apagara com um golpe todos vestígios e todos delitos da história do futebol. Retirara de todos anais qualquer evidencia, qualquer indicio, por menor que fosse, dos tempos que nunca houve. Instituíra, de pronto, a única e definitiva verdade. A verdade do autor deste feito: o juiz ladrão. De uma vez por todas, o juiz ladrão eliminara a suspeição e o suspeito, o erro e o acerto. Eliminara a insensata opinião de todos, para instaurar a soberania do apito. Homologada de forma licita, ilegal e comprada pela vontade dos patrocinadores e contra a vontade dos que são nada, os enlouquecidos torcedores das arquibancadas. O juiz ladrão esta figura proeminente que pontifica nos campos e campeia por joalherias e casas noturnas. Outro dia flagraram o juiz ladrão numa joalheria. Flagrado, reagiu autoritariamente. Sabem quem sou eu? Sou o juiz ladrão! Da FIFA! Abismados, os seguranças receberam ainda uma carteirada daquele impoluto cidadão, vulgo gatuno. Tratava-se de um insigne juiz ladrão, da FIFA. Estava documentado, com diploma, com certidões e atestados com fé de oficio. Estava autorizado à prática do ilícito. Quando se supôs que fosse apenas um incidente superado. O juiz ladrão se insurgiu. Fora desacatado e injuriado, publicamente roubando. Diante do exposto, não teve ave Maria, nem cruz credo. Tacou cartão vermelho em todo mundo. Sem perdão ou coisa alguma. A joalheria teve que devolver os relógios que lhe tinham sido roubados e foi acionada por danos morais. Obrigada a fazer uma campanha de marketing para reparar o bom nome, a imagem, a logomarca e os prejuízos do emérito juiz ladrão. Isto feito, sentenciou o juiz ladrão: Sou um homem de respeito, não sou um simples ladrão que rouba para matar a fome. Destes que surrupiam nas portas de venda e correm da polícia por causa de dois mil reis de manteiga ou rapadura. Quem corre atrás de mim é a rede Globo, os megainvestidores das bolsas e os donos do aparelho de Estado. Cobro altos honorários pelos meus serviços. Já fui consultor de Maluf e Arrudinha. Como vocês podem ver, o juiz ladrão não é um qualquer. Fala inglês e tem título de doutor honoris causa. Conhece as leis e se vale delas. Todos seus ilícitos são praticados na legalidade. Para eliminar o videotape constituiu jurisprudência. Em defesa do abecedário da FIFA, das falcatruas e giriquitas, invocara um nome em vão. O nome de Nelson Rodrigues, para fundamentar sua tese sobre a inviabilidade e a falibilidade da ciência e da tecnologia em coisas da sem razão, da emoção e do futebol. Argumentou que o futebol não é uma ciência exata, que o vídeotape é faccioso. Repetiu a frase proferida numa mesa redonda dos tempos em que os tempos eram tempos e havia futebol sobre a face da terra. Naquele dia fatídico, o Fluminense vencera mais uma vez o Flamengo. Com um gol de mão. Pressionado por interlocutores e ameaçado pela evidencia dos fatos, acuado por esta insofismável verdade, ofegante e já sem palavras, na iminência de admitir este erro, Nelson Rodrigues não hesitou: o videotape é mentiroso. Naquela sentença protofilosofal, extraída dos arquivos da CIA, estava a jurisprudência invocada pela cartolagem da FIFA, pelos abutres do marketing esportivo e pelo juiz ladrão. O juiz ladrão, meus amigos, não é uma borboleta. Tampouco uma loura diletante ou ser generoso, despido de intenções e vaidades. Certamente, no fim dos tempos, quando fizerem a chamada para o purgatório, permitindo que flamenguistas possam se redimir dos pecados e fugir das chamas do inferno, o juiz ladrão será a primeira alma a se apresentar dizendo-se injustiçada e sem nenhum deslize. Meus amigos, é difícil acreditar, mas as únicas testemunhas contra o juiz ladrão serão Nelson Rodrigues e Sobrenatural de Almeida, tantas vezes roubados no Maracanã e em simples campos de várzea. Isto porque, o juiz ladrão em sua soberba e onipresença, tentará vestir o manto da humildade. Em seu despojamento tricolor, Nelson Rodrigues lhe dará as mãos, oferecer-lhe-á o perdão e um pequeno desconto nas contas a pagar com o Divino. Até lá, vivemos o início do fim dos tempos no qual campeiam, na Copa do i-mundo e em outros campos do mundo, a desavergonhada roubalheira e o juiz ladrão. Já não temos mais a nosso lado o sacrossanto e intrépido Mario Vianna, com dois enes, acólito dos humildes e transloucados torcedores das arquibancadas. O velho Mario Vianna, com dois enes, que infundia medo no juiz ladrão e fazia tremer os bandeirinhas. Como diz meu amigo João Otávio, por ora, só nos resta uma alternativa: Rezemos. Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG Data: 30/06/2010 |