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Artigo - Louras são presas, pagam fiança e são soltas nas planícies da África do Sul

Wagner Braga Batista

 

 

Surpreendi-me.

 

Vejam vocês o que estava estampado nas páginas de jornais: duas louras vão presas, pagam fiança e são liberadas..

 

Inicialmente, pensei que tivessem instituído uma lei proibindo as louras ou a oxigenação de cabelos. Da noite para o dia, teriam criminalizado as pobres e deslumbradas louras. Transformado estas ingênuas criaturas em alvo de insano opróbrio e reles perseguição.  Estava enganado.

 

Imaginei que fosse mais uma desdita das pobres louras provocada por injusta discriminação do direito de ser menos inteligente. Não era.

 

Era pior.

 

As louras estavam sendo acusadas de fazer propaganda oculta. O que seria isto?

 

Então, especulei. O que estariam ocultando aqueles dois pedaços de mulher? Certamente, estariam sendo acusadas de dar asas a nossa imaginação. De estarem devidamente vestidas, escondendo aquilo que tantas outras superexpõem.  De revirarem nossos buliçosos olhos, à busca do que queriam, mas não podiam ver. De sensualidade insidiosa e atroz, negando-se a revelar aquilo que sugeriam de forma tentadora. Estariam estimulando o voyerismo e as mentes pecaminosas.

 

Induzindo subliminarmente homens probos à lascívia, incitando adolescentes à pratica do onanismo ou convidando jovens celibatários ao amor.  De forma sutil e excitante a tal da propaganda oculta tornava-se ardil para a indução à licenciosidade e ao pecado.

 

No entanto, mais uma vez, estava equivocado. Nada disto tinha a ver com a tal da propaganda oculta, que supus induzir homens aos vícios da carne e mulheres à negação das próprias virtudes.

 

Devem ter cometido algum outro delito, presumi.

 

Será que seduziram algum incauto DNA de jogador de futebol. Será que, contrariando as rígidas regras da concentração da seleção brasileira, fizeram sexo com seus brincos. Será que se apropriaram das suas chuteiras de salto alto. Será que seqüestraram Robinho, nossa última esperança? Será que copiaram algum dos modelitos de M’Dunga ou tomaram sorvete com ele em hora imprópria.

 

Continuava redondamente enganado.

 

Voei mais alto. Estávamos num mundo globalizado e orgulhosamente prenhe de edificantes valores liberais. Este novo mundo velho, no qual tudo é franqueado a todos. Certamente, a propaganda oculta ainda não tinha password, quiçá uma senha para transitar no novo mundo velho. Ainda não gozava da plena liberdade de ir e vir. De realizar empreendimentos e bons negócios. De vivenciar a opulência e a fartura proporcionada pelo consumo. De usufruir de todas oportunidades do desemprego. Talvez, a tal da propaganda oculta ainda não tivesse sido devidamente desregulamentada. Por isto, ainda não teria ingressado neste universo de franquias desregradas e plenos direitos não regulamentados.

 

Aprendi na escola que deveríamos abrir as portas, eliminar restrições, praticar integralmente o comércio e divulgar pelos quatro cantos do mundo nossas vontades, caprichos, expectativas e aptidões. Isto era o novo mundo velho sem fronteiras,  inaugurado pela globalização. Onde os justos se sentavam ao lado dos justos à mesa e não havia lugar para discriminação e a injustiça. Isto, tinham me ensinado.

 

Imaginei, talvez as louras em sua curta sabedoria e distraída incorreção, também não soubessem disto.  Fossem intima e naturalmente injustas. Talvez, fossem chauvinistas, feministas, estalinistas, restricionistas, nacionalistas, inconformistas, chavistas ou se reivindicassem de algum destes tantos rótulos retrógrados, que se tornaram obsoletos com o fim das ideologias e das privações, com o advento das logomarcas..

 

Julguei ter matado a charada. Seguramente estavam promovendo a pobreza e o racismo, solenemente abolidos graças ao protocolo da FIFA e ao cerimonial de abertura da Copa. No entanto, as pobres louras, eram inocentes. Também não sabiam o que era isto

 

Resolvi indagar. Alertaram-me que estavam praticando o marketing de emboscada.

 

Mas o que seria isto? Não seria um novo crime, afinal, o marketing sempre fora uma emboscada, ardilosa e meticulosamente arquitetada contra nós todos.

 

Então supus que estivessem, com toda sua volúpia, abordando negões bem prendados, nas entranhas da noite emboscando idosos desavisados, desvirtuando leões em savanas africanas ou assediando, furtivamente,  jovens adolescentes na saída de escolas.

 

No entanto, as pobres louras nunca souberam o que eram idosos, savanas, leões, nem tampouco o caminho de escolas.

 

Por fim, descobri que se tratava de alguma atividade relacionada à cerveja. Bem, isto as louras sabiam o que era. No entanto, mais uma vez estava equivocado quando presumi que estivessem vendendo bebidas alcoólicas ou incitando homens drogados. Estavam, apenas,  promovendo cervejas.

 

As pobres louras, do mundo sem fronteiras, do liberalismo encomendado e da desfaçatez globalizada, foram presas e indiciadas como promoters, o que lhes pareceu uma glória.  Afinal,  promoviam um mundo novo, o império do liberalismo forjado, no qual tudo era permitido e todos sonhos vendidos, autenticamente falsificados. Estavam sendo acusadas de promover uma determinada marca, entre tantas outras marcas de cerveja, que os ideólogos da cerveja regenerada, os traficantes do marketing esportivo e de drogas certificadas, os heróis do comércio justo e do crime legalizado e a honorável máfia da Copa, não tinham autorizado.

 

Presas, as pobres louras, ainda continuavam sem entender coisa alguma.

 

Reclamavam da injustiça e da falta de reconhecimento das colunas sociais. Afinal, sendo reconhecidas celebridades, famosas promoters de cerveja e do liberalismo liberado, tinham ido parar apenas na décima sexta página dos jornais.

 

Nas páginas policiais.

 

 

Wagner Braga Batista é professor aposentado da UFCG


Data: 18/06/2010