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Clássicos da literatura brasileira viram quadrinhos

Versões completam aprendizado, mas não devem substituir originais

 

Os quadrinhos ficaram mundialmente conhecidos por dar vida a alguns dos super-heróis mais famosos do mundo, como Batman, Homem-Aranha e Super-Homem, mas se engana quem acha que esse gênero se limita apenas a esses personagens. Os tradicionais clássicos da literatura brasileira, comumente cobrados na maioria dos vestibulares do País, também ganharam versões em gibis.

 

Histórias com mais de 100 anos de existência voltam às prateleiras das livrarias com linguagem mais moderna e maior apelo visual. Entre as obras lançadas nós últimos dois anos estão, O guarani, de José de Alencar, O Alienista, de Machado de Assis e o Cortiço, de Aluízio Azevedo. A novidade desse ano fica com Memórias de um Sargento de Milícias, que chegou ao mercado para completar a linha de Clássicos Brasileiros em HQ da editora Ática.

 

Até que ponto, porém, essas adaptações podem ajudar aqueles que enfrentarão a maratona de provas para o ingresso no Ensino Superior? Embora muitos educadores reconheçam a importância da convergência do conteúdo de obras clássicas para os quadrinhos, sua leitura não pode ser exclusiva, como explica Vera Tietzmann, pesquisadora de literatura brasileira da UFG (Universidade Federal de Goiás). Segundo ela, o processo de transição do livro para o gibi resulta em grandes perdas. "O leitor perde a linguagem que foi pensada para o tema, além de deixar de entender o contexto por trás da obra", diz a professora.

 

Outro fator que distancia o aluno do original, na opinião de Vera, é a imagem, que funciona como uma inibidora de imaginação. "Tudo já está mastigado, não é preciso buscar pistas nas entrelinhas", explica ela. Para a pesquisadora, nada substitui a leitura pausada de um livro. Ela compara filmes baseados em livros, que como os quadrinhos, não passam de adaptações. Ainda sim, a pesquisadora reconhece o potencial dessas versões como um incentivo à leitura do original. "Ela deve funcionar como trampolim para a busca de mais informações, e não como fim", declara Vera.

 

José de Arimathéia, doutor em linguagem da UEL (Universidade Estadual de Londrina), partilha da mesma opinião de Vera e cita sua própria experiência para justificar o poder de influencia que os quadrinhos têm. "Na década de 80, li Hamlet e Moby Dick em quadrinhos", relembra ele. Ele assegura que essas leituras o impulsionaram a ir atrás dos originais, além de buscar outras versões literárias dos clássicos. "Os quadrinhos, assim como versões cinematográficas, não possuem todos os detalhes de uma obra, mas servem como aperitivo", assegura Arimathéia.

 

Porém, a mudança de uma obra na releitura, de acordo com Arimathéia, é inevitável, principalmente pelas diferentes características das mídias. "Não há perda, e sim a troca de linguagem", garante ele. Para Sidney Gusman, editor do site de quadrinhos Universo HQ, as adaptações favorecem a leitura de obras densas. "As pessoas podem optar por diferentes versões do mesmo gênero e da mesma obra. O que beneficia as preferências pessoais e amplia as oportunidades de aprendizagem", aponta ele.

 

Independente da linguagem adotada, Arimathéia defende a importância da leitura continuada. "Quem não lê, não lê nada. Quem lê, lê de tudo", resume o professor da UEL. O potencial dos quadrinhos para o desenvolvimento dos estudantes também foi destacado por Jorge Miguel, diretor acadêmico do processo seletivo da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). De acordo com ele, inclusive para aqueles que estão em fase de vestibular. "Sempre que os vestibulandos leem algo, eles aprendem. E as imagens, feições e textos das HQs auxiliam ainda mais nesse processo de aprendizado", aposta ele.

 

Processo de aprendizagem que pode ir além. As novas versões dos clássicos da literatura brasileira também auxiliam os estudantes a compreender o enredo original. É o que diz Ivan Jaf, roteirista da adaptação do livro Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. "Muitas vezes, os alunos não se interessam pelas obras por causa da difícil leitura, que ainda mantém estilos do século retrasado", diz ele, que acredita ainda que muitos desistem no meio da leitura por falta de compreensão. É por isso que Jaf prioriza o enredo em suas adaptações. "Ponto de partida para quem quiser se aprofundar ainda mais no original", explica ele.

 

Vestibular

 

Mesmo ao reconhecer esse potencial, Miguel acredita que o quadrinho não terá espaço nos vestibulares, tampouco substituirá os grandes clássicos. "O livro pode até possuir uma história banal, mas é a linguagem e a montagem do texto que fazem a obra se tornar tão importante", garante o professor, que aponta a inexistência dessa complexidade nas histórias em quadrinhos. "Se até mesmo a tradução da obra perde muito da sua característica, imagina a adaptação para uma mídia totalmente diferente?", questiona ele.

 

Perda que para Vera também está relacionada à velocidade da informação. Segundo a pesquisadora da UFG, existem estudos que comprovam que a leitura na tela não é tão proveitosa quanto nas páginas. "Os próprios quadrinhos, que são vendidos ao lado dos jornais, também carregam o peso dessa transição rápida", exemplifica. Ela sugere a digestão da obra. "Para ser proveitosa, a leitura não pode ser descartada da mesma maneira como fazemos com tudo. É preciso atentar aos detalhes. Detalhes que só existem nos originais", alerta Vera.

 

A substituição dos clássicos pelas histórias em quadrinho não é encarada como solução nem mesmo por Jaf. "A HQ não veio para substituir a obra original. Serve como complemento para quem já leu ou ponto de partida para os primeiros interessados", destaca o roterista. A solução proposta por Vera pode vir da discussão dos dois produtos. "Os professores deveriam propor a leitura do quadrinho e do original e fazer uma análise crítica sobre o tema e as mudanças utilizadas", orienta ela. "Essa é uma maneira de estimular a leitura, de se preparar para o vestibular e de aguçar o senso crítico", explica a pesquisadora.

 

Do livro para os quadrinhos

 

Segundo o roteirista Ivan Jaf e o desenhista Rodrigo Rosa, que adaptaram o livro Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, é preciso, antes de começar a trabalhar em qualquer clássico da literatura brasileira, ter um bom conhecimento da obra. Depois disso, buscar a essência da história: se ela é triste, alegre ou dramática.

 

Enquanto a construção do roteiro demora em média um mês e meio, os desenhos levam até seis meses para ser finalizados. Para estruturar o quadrinho, Jaf procura ser o mais fiel possível às falas dos personagens. Nessa tarefa, o roteirista também tem a missão de descobrir o que será resumido por meio de imagens.

 

A pesquisa do desenhista é centrada no vestuário da época e na estrutura física dos lugares. "Quando tive que desenhar o Cortiço, de Aluizio Azevedo, precisei descobrir como uma lavadeira da época se vestia, além dos bombeiros e do material usado por eles. Para isso li muitos livros sobre o bairro de Botafogo e também visitei alguns museus", lembra Rosa. Quando a pesquisa não auxilia na criação, ele recorre à imaginação.

 

(Universia)


Data: 11/06/2010