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Artigo - Tudo pela pátria e a favor do negócio

Wagner Braga Batista

 

 

Sentia-se um abnegado da causa comum.

 

Dizia que jamais mediria esforços para viabilizar reivindicações de seus pares. Todos, supostamente devotados aos mesmos propósitos. Não perdia uma oportunidade para proclamar aquela surrada frase de um presidente norteamericano: Não devemos nos perguntar o que a pátria  pode  fazer  por nós, mas se nós estamos a sua altura e o que nós podemos fazer pela pátria”.

 

Utilizava este pensamento para cobrar a atuação de todos e destacar sua dedicação ao sindicato.

Dizia-se a encarnação deste ideal: Tudo pelo sindicato.

 

Deste modo, ao invés de sensibilizar seus companheiros para o sindicato, ressaltava sua importância para o sindicato. Isto, porque ele sempre estaria disposto a qualquer hora, em qualquer lugar, a dar o próprio sangue pelo sindicato.

 

Licínio Pereba percebera o valor simbólico de um sindicato e a força de suas idéias. Ou melhor, do conhecimento interessado que falsificava idéias. A partir daí, dizia uma coisa e fazia outra. Como cobra de duas cabeças, uma dizia exatamente o contrário do que a outra estava pensando. Como um malabarista, equilibrava-se sobre a linha sinuosa de suas idéias. Locomovia-se também com grande pericia sobre suas contradições.

 

Enquanto os demais associados metiam a mão na massa, ele entendia que esses trabalhos menores não eram consoantes com a amplitude de suas expectativas e a profundidade do bolso de suas calças. Enquanto, os demais companheiros trabalhavam oito horas por dia, ele desfrutava suas vinte e quatro horas.

 

Vejam bem meus amigos, diferentemente de outros personagens anteriores, Licínio Pereba, estava longe de ser ingênuo ou doido. Era um mala, diplomado e com carteira de trabalho assinada. Com PhD em pilantragem obtido na Business Scholl of Scholl, da Volta de Zé Leal.

 

Fazia-se de bobo, destes que pedem uma mãozinha para atravessar a rua e batem a carteira de quem os ajuda. Trocando em miúdos, era uma verdadeira pústula enquistada no sindicato. Falava em dar o sangue e, como no futebol , era aquele que chupava o sangue dos outros. Praticava o vampirismo ideológico, não só sobre seus companheiros, mas também sobre as finanças do sindicato. Vampirizava vocações e gerações, provocava anemia nos mais jovens e debilidades incuráveis no sindicato.

 

Mesmo alguns companheiros mais calejados, tinham dificuldade de perceber suas ambigüidades e ardis. Viam o companheiro Licínio e não enxergavam o desprezível Pereba.

 

Sagaz, dizia-se claramente um oportunista.

Os militantes sindicais não podem deixar passar as oportunidades de fazer avançar o movimento.

 

A seguir, não hesitava. Avançava com toda firmeza  em direção a vantagens restritas e as vantagens de seus negócios.

 

Esmerava-se em preservar sua dupla imagem. Não era evidente, nem contundente,  como o personagem de Stevenson. Não era médico, mas agia como se fosse um monstro. Era sutil em suas atitudes e suas palavras. Era autenticamente pós-moderno. Beneficiava-se dos novos tempos e do vale tudo. Valia-see uma nova conjuntura na qual todos podem ser tudo e também coisa alguma. Descobrira que as palavras tornaram-se polissêmicas. Que as ideologias e convicções meros recursos de estratégicos.

 

Aprendera a conviver com o simulacro: a dizer isto e fazer aquilo. Melhor, descobriu que o próprio sindicato se transformava num simulacro. Dizia-se voltado a defesa do interesse coletivo e promovia vantagens e interesses privados.

 

Nesta linha de inflexão, trouxe a luta de classes para patamares reservados. Transformou-a também em objeto de seus contenciosos privados. Numa modalidade de luta praticada em interesse próprio.  Uma luta que se reduzia à  intriga, a exemplo da briga de fulano com sicrano pela azeitona da empada. Da veemente denuncia de Zezinho que usara o banheiro e não puxara a descarga no banheiro. Da disputa pelo bilhete para a viagem de avião na primeira classe. Da prioridade pela reserva num hotel de cinco estrelas.

 

Mas, a luta de classe privada não poderia ficar reduzida a dimensão restrita. Isto mesmo meus amigos, cobrava maior alcance social.

 

Tinha que abraçar amplas e unânimes causas planetárias. Daí, arquitetou a luta de classe ecossustentável, promovida pelos responsáveis pelo marketing esportivo do sindicato com o apoio de uma empresa socialmente responsável.

 

Por meio desta estratégia, conjugaram-se duas praticas idênticas e dois objetivos inconfessáveis, marketing socialmente esportivo e  falsificação eticamente condenável. Seu proposito, desqualificar opositores do sindicato.  Qualquer indício de critica ou oposição era retrucado imediatamente pelo marketing esportivo da luta de classe e pelas leis do determinismo ecossustentavel. Se Fulano reclama-se do sindicato era refutado como alguém que era contrário à natureza. A natureza  do sindicato.

 

Pois bem, veio a Copa de Mundo. Como todos que dão o sangue pela pátria e  o amor ao sindicato, teve duas brilhantes percepção.  Tinha que aproveitar o momento histórico e se beneficiar das circunstâncias históricas para fazer um novo grande negócio. Mas, e o sindicato?

 

Bem, havia o sindicato...

 

 Se o negócio fosse feito pelo sindicato, por maior que fosse o botim e a magnitude do negócio, não daria pra todos. Portanto, teria que providenciar um discurso que o desvencilha-se rapidamente do sindicato e propiciasse esse novo negócio.

 Além do mais, o sindicato estava rendendo pouco e cada vez menos.

 

Poucos dias tinham se passado, quando, em nota oficial, a diretoria do sindicato tornou pública a sua nova posição:

Num grandioso e generoso esforço de autocrítica, de atualização de nosso permanente compromisso histórico, resolvemos radicalizar nossa linha de intervenção a favor da pátria, da renovação sindical e de nossos negócios. Após exaustiva análise de conjuntura, entendemos que esta associação não está mais à altura de nossas expectativas, nem tampouco habilitada para realizar as tarefas exigidas pelas sinalizações deste novo tempo, do empreendedorismo, da obtenção de vantagens e a realização de nossos negócios.  Nos, a diretoria,  vanguarda desta renhida  luta em favor de nossos  interesses  e de nossos negócios, com grande firmeza e decidida convicção, resolvemos criar um novo sindicato:

Sindicato de nós mesmos, do tudo em defesa da pátria e a favor de nossos negócios.

 

 

(Wagner Braga é professor aposentado da UFCG)


Data: 09/06/2010