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Artigo - As incontidas vitórias do Fluminense e as novas trombetas de Jericó que derrubarão os muros de Gaza

Wagner Braga Batista

 

 

No tempo em que João XXII se socorria com suas prudentes pregações, o também João, acordava mais cedo. Pois foi neste tempo em que Sua Santidade batia as suas portas às três da manhã para corrigir suas encíclicas, que  o também João, tornara-se torcedor do Peixe. Não por afinidade com a simbologia cristã. Mas porque gostava de peixe.

 

Para socorrer o Papa, por força deste indeclinável compromisso, não pode se dedicar devidamente aos prazeres mundanos e a este aflitivo mister de torcedor do Santos.

 

Durante anos, queimou pestanas para produzir um texto à altura de sua sabedoria. Perseverou e auxiliou o Santo Homem neste duro ofício de ser Papa, lutar por um mundo mais justo e reduzir a desigualdade entre os homens.

 

Esta é uma história não contada dos tortuosos meandros que culminaram com a edição da encíclica Mater et Magistra, escrita por João Otávio e João XXIII, em 1961. Mas, suas atribulações não pararam aí. Dado o extraordinário alcance social desta encíclica, mais uma vez, altas horas da noite, o também chamado João, seria convocado para atender novamente ao papa e abrilhantar o mundo com sua sapiência e ironia.

 

Com a mesma dedicação com que, dos balcões do CH, exortava seus pares a cumprir seu destino histórico, seguiu João para Roma. Desta feita para escrever Pacem in terris, um texto polemico, redigido no contexto da guerra fria, porém marcado pela prudência e retidão joanina. Graças a suas veementes intervenções no Colégio dos Cardeais, contra todas as adversidades do momento histórico, manteve sua orientação primitiva, qual seja promover paz na face da terra.

 

O também João se exauria, mas sentia-se recompensado. Esta luta insana e quase inglória lhe faria um predestinado. Desgastava-se física e emocionalmente. Renunciara  a todos os bens materiais e compensações da alma. Mas estava convicto de que conheceria o prazer.  Conheceu-o.

 

Conheceu um prazer que se confundiu com glória.

 

Foi conhecer a verdadeira glória no estádio do Maracanã. Neste glorioso contexto, o Santos descera dos céus sobre seu calvário, pedia-lhe licença para iniciar sua caminhada rumo ao absoluto. Superaria o reinado do efêmero para alcançar a definitiva glória. Naquele século, no ano de 1963, num mês chamado novembro, na noite de uma quinta feira chuvosa, na arquibancada do Maracanã, estava nascendo aquilo que se vulgarizaria como glória. Estava nascendo o segundo clube brasileiro campeão de futebol do mundo, depois do meu indefectível tricolor.

 

Meus amigos, não há quem não entre em êxtase profundo ao adentrar as arquibancadas iluminadas pelos holofotes do Maracanã. Não há quem não se sinta um Lancelot ou um Leonidas, o diamante negro, ao se deparar com o tapete verde do Maracanã. Quem não se sinta um predestinado ,uma vez coberto com o manto de luzes do Maracanã. Mesmo os mais humildes, mesmo o também João, o confidente do Papa João XXII, sentia-se tocado por esta emoção.

 

Salvo João Otávio, confidente do Papa, e terapeuta de Edson Arantes do Nascimento, ninguém avançara tão fundo nos labirintos da gloria.

 

Vejam bem meus amigos, esta boa alma e ingente criatura, com toda sua delicadeza, honrou-me com uma missiva.

 

Inicialmente advertiu, apesar de todos os males do mundo, as esperanças ainda brotam sobre a face da terra. Para me confortar, sentenciou:

Não  alvoroce meu povo. Soarão novas trombetas de Jericó.

 

A seguir, disse-me o que involuntariamente já havia lhes dito.

 

João, aquele que eventualmente jejua e hiberna, era capaz também de múltiplas alegrias. Voltara pulsar na vida graças as traquinagens dos moleques de Vila Belmiro. Ele, juntamente com outro grande filósofo, Paulo Decio.

 

Paulo Décio, é uma espécie de Dr Jekill e mister Hyde. Coexiste com sua segunda pessoa, Dr Arruda, o maior canalha sobre a face da terra. Assistiram juntos o primeiro tremor de todos os tempos. Em sua humildade, lá estavam os dois, unidos pelo mesmo frio e pela mesma glória, sentados numa simples arquibancada. Lá estavam, unidos na fé, no frio e no acontecimento.

 

Viram, com os próprios olhos, o Santos dobrar, um a um, os maiores  portentos do futebol mundial. Dobrou a todos, sem exceção. Ganhou de todos aqueles que se chamavam times, menos de um do qual usurparam este nome e que se mantinha acima de todos os outros, em sua plenitude e humildade: o tricolor das Laranjeiras.

 

O Santos só não venceu aquele que foi e continuará sendo primeiro time da face da terra. Aquele que foi e continuará sendo o maior e melhor time da face da terra. Pois bem meus amigos, estes dois profetas, em sua sapiência e perseverança, reconheceram, que Ubiraci era melhor que Coutinho, que Pipico era muito melhor que Pele. Por quê? Isto a razão não explica, somente as forças invisíveis da História.

 

Naquela noite, não havia trevas, porque todas luzes se instalaram em Vila Belmiro. E o Fluminense, eliminando qualquer resquício de aflição, vencera o segundo melhor time do mundo, por 4X2.

 

Meus amigos, é preciso reiterar que o tempo não se conta nos dedos, em anos, em simples campeonatos perdidos, mas em eternidades.Só os humildes conseguem se ver na passagem das eternidades. Só os humildades podem entender Braudel: o que importa não são os fatos efêmeros, mas os grandes movimentos da História. Estes são duradouros, significativos e perenes em nossa memória. Sempre trarão a marca do Tricolor das Laranjeiras.

 

Ë disto que, o também chamado, João hoje, nos fala.

 

Estamos vivendo o início de uma nova eternidade, quando os humildes triunfarão sobre os indiferentes. E o Fluminense instaurará com sucessivas vitórias.  Não apenas sobre o time do Flamengo, do Atlético Mineiro, do Avaí ou do pobre time também chamado Vitória.

 

Meus privilegiados amigos, vocês serão testemunhas desta História.

 

 Estamos vivendo o prenúncio de uma nova época em que a solidariedade voltará a reinar sobre a terra. Em que judeus humanistas ( leiam a Carta de Silvio Tendler) voltar-se-ão contra seus governos fascistas. Em que  palestinos verão o leite correndo nos rios e comerão favos de mel tirados das pedras. Isto porque Paulo Décio, João Otávio e todos humildes em suas torcidas organizadas já estão navegando para os mares de Gaza.

 

Romperão o bloqueio da injustiça, os ritos da hipocrisia e as armas da imoralidade.

 

Estejam certos, meus amigos, as vuvuzelas da solidariedade romperão os muros das aflições. As torcidas dos humildes, providentes e não mais aflitas, unidas, derrubarão os muros de Gaza.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 08/06/2010