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Artigo - As sinalizações desta nova tendência: o proxenetismo designer

Wagner Braga Batista

 

 

Ao tomarem conhecimento do edital para pintar as bolinhas pretas do vestido de Mamãe Dolores, figurinistas, estilista e modistas ficaram indignados. Havia um requisito para a participação no concurso. Todos participantes não só deveriam ser designers, como também associados a entidades de classe de designers.

 

Estas exigências ferem nossa dignidade profissional. Manifestaram-se coesos.

 

Duas bailarinas insurgiram-se. Disseram que, a partir daí só fariam apresentações de dança do ventre na novela das seis. Três esquálidas anoréxicas entraram em greve de fome. Cinco massagistas de cabaré, que também se diziam modelos, anunciaram que, em protesto, só posariam para folhetos de catequese.

 

Fashions designers que também se diziam designers rodaram a baiana. Somos ou não somos designers ?

 

Transcendendo  indagações mais profundas , a questão ficou no ar. A tragédia humana  tornara-se menor diante daquela dúvida existencial : ser ou não ser designer?

 

Por fim, um estilista, mais prudente e conseqüente, equacionou a questão.

 

Sentenciou.

Primeiro, somos profissionais da moda, com muita honra. Segundo: isto não é um drama existencial, é uma opção profissional. Terceiro: não estamos vinculados à nenhuma associação. Quarto: este é mais um edital fraudulento. Afeta apenas os designers.

 

Resolveram fazer uma carta aberta denunciando as distorções do edital e deram o assunto por encerrado.

 

Assunto encerrado? Não.

 

Em outra esfera da vida social estavam reunidos  designers. Falavam abobrinhas e miudezas quando se depararam com o edital. Como só sabiam falar e se entender em inglês, pediram para um desenhista industrial, menos culto e autenticamente nativo, ler o documento escrito numa língua estranha, o português. De imediato, mostraram-se muito interessados nesse negócio de edital, posto que representava uma oportunidade de negócios para a realização de um excelente negócio. Em síntese, dinheiro.

 

Após a leitura e um longo exercício hermenêutico, chegaram a uma conclusão: eram designers  para si, mas não além de si mesmos. Precisavam criar uma associação. Deveriam temporariamente abdicar do egocentrismo, do narcisismo e do individualismo em nome de um objetivo comum. Esta era uma renúncia difícil. Tarefa dificílima. Exigiria humildade, honestidade profissional, reconhecimento mútuo, respeito comum e atitudes éticas, pouco usuais entre si. Mas, como havia muita grana em jogo, resolveram fazer uma tentativa.

 

Inicialmente fizeram um briefing para saber o que era uma associação de classe. Depois um brainstorming  para organizá-la. Deram-se conta das dificuldades deste projeto. Não poderia ser  só conversa jogada fora. A corriqueira enrolação não teria resultados práticos. O marketing não resolveria problemas básicos da entidade. Para se viabilizar, esse projeto exigiria procedimentos muitas vezes desprezados em ações rotineiras. Compromisso, responsabilidade, disciplina, aptidões e valores freqüentemente ignorados por designers.

 

A associação exigia que velhas prima donnas se desvencilhassem de si próprias. Abdicassem do habitual estrelismo e de vaidades.

 

Como seria possível? Argüiu uma delas.

Somos estrelas. Pela nossa própria natureza, somos luzes que se ofuscam e se repelem. Não podemos nos aproximar, nos unir ou nos associar.

 

Muitos concordaram, mas como havia muita grana em jogo, essa conversa foi deixada de lado.

Temos que fazer um sacrifício e formar uma associação. Mesmo que essa iniciativa implique na superação de idiossincrasias e vaidades.

 

Deste modo, chegaram a um acordo. Porém, compromissos também são esquecidos e importantes tarefas negligenciadas. Esta atitude acarretaria sérias conseqüências.

 

Arquitetos, astrólogos, engenheiros, ginecologistas, comunicólogos, proctologistas, publicitários e até mesmo sociólogos, também tinham lido o edital. Estavam na espreita para pegar uma fatia deste bocado.

Como assim?

 

Fazendo o que nos ensinam erradamente a fazer na vida. Cafetizando o trabalho alheio e predando designers.

 

Mais hábeis que designers, anteciparam-se e formaram uma associação. Não de designers, mas de  paradesigners. Uma associação composta de pseudodesigners para supostamente defender o design. Uma associação liberal, acessível, que ao invés de construir muros, abrisse portas para todos. Para todo picareta que quisesse entrar. Seu nome APROXENETADESIGNER-IP.

 

Paradoxalmente, designers tornaram-se reféns de seus próprios equívocos.

 

Os designers não formaram sua associação e se viram numa delicada situação : ter que se filiar à uma entidade de paradesigners. Submeter-se aos interesses dos que não eram designers. Apagar o  facho para não ofuscar o brilho dos que não são designers. Celebrar uma nova tendência: o proxenetismo. Renunciar a seus direitos e competências para aceitar regras e condições impostas por proxenetas  designers.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 07/06/2010