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Artigo - Desventuras e angústias de uma ecosenhora - Parte 3

Wagner Braga Batista

 

 

Assíduas freqüentadoras de talk shows, ego trips, cirurgiões plásticos e de temáticas sobre nós mesmas, despojavam-se de vaidades pessoais para reverenciar a vaidade coletiva das econsenhoras. Nos shoppings, salões de beleza, em cursos de pós-graduação exercitavam seus pendores sociovaidosoecológicos.

 

Nestes ambientes culturais exibiam seu proselitismo. Balançando cintilantes pulseiras e sedosos cabelos loiros,  juntamente com seus personal trainings não mediam esforços para denunciar políticas públicas:

 

Denunciavam todos que fossem favoráveis a políticas públicas. Desde o governo Lula aos seus adversários do PSOL. Detestavam políticas públicas, coisas públicas e repúblicas. Eram acintosamente favoráveis a reprivatização de políticas públicas. Por isto, coerentes com suas convicções, insurgiam-se calorosamente em vernissages, banquetes e coquetéis.

 

Querem desvirtuar nossas políticas públicas. 

 

Entenda-se nossas políticas como políticas das ecosenhoras.

 

Tornavam-se discretas nos shopping, posto que não queriam ser confundidas com o populacho.

 

Por exigência de sua agenda social, andavam sempre apressadas. Seus compromissos político-familiares exigiam ritmo célere após as compras. Deviam chegar rapidamente em casa para realizar o planejamento participativo das compras do dia seguinte e novas obrigações para seus empregados.

 

Por conta destes urgentes e diligentes compromissos, a fatalidade acometeu a abnegada ecosenhora.

 

Neste dia, por acidente de percurso, entrara em outra loja. Tardiamente percebera que comprara produtos típicos de uma insigne senhora. O que fazer diante deste impasse. Descarta-los, devolve-los, distribui-los com pobres e depreciar suas desafetas. Diante deste dilema, permanecera longo tempo perplexa. Paralisada frente à vitrine de outra loja. Não sabia o que fazer. Intimamente sabia o que fazer, mas não queria fazer. Queimar aqueles aviltantes signos de insignes senhoras. Mas, diante da vitrine caiu em si. Enfrentava um novo dilema existencial: compro ou deixo de comprar.

 

Diante de tamanha dúvida, não resistiu. Cedeu aos compromissos de toda ecosenhora. Comprou tudo que a sorte lhe permitia.

Aí residia a fortuna e a subseqüente tragédia. Na antiguidade fortuna equivalia à sorte. Longe estava de saber que também seria bafejada pela tragédia.

 

Este incidente, corriqueiro na vida de ecosenhoras causara um pequeno atraso de algumas horas. Habitualmente compensado pela infração de leis usuais que não se aplicam a ecosenhoras..

 

O desafortunado de seu motorista não queria avançar o semáforo, mas ela exigiu. Foi aí que ocorreu a tragédia.

 

O carro blindado nem sentira o baque. Teria seguido adiante não fosse a intervenção do guarda.

 

Como na música e no drama, estava lá o corpo estendido no chão.

 

A jovem e atribulada ecosenhora, não queria descer do carro. Utilizara-se de um moderno principio gerencial que aprendera num curso de pós-graduação socioambiental. Recorrera ao empowerment .

 

Delegara competência ao pobre do motorista para diligenciar em seu nome.

 

Antes, sentenciou:

 

Veja se o carro está arranhado! Vou acionar o Estado e denunciar esta gente que infesta o espaço privado.

 

Abordada pelo guarda, mostrou-se aflita. Eram tantas as tragédias recentes. Falou da causa ambiental e da degradação planetária. De sua impotência diante de tão graves problemas. Da crise política que lhe deixava abalada.

Asseverou que aquele acidente fora uma casualidade. Único em sua vida. Estava aflita e apressada porque enfrentava um grande dilema. Via-se acossada pelas políticas publicas.

 

Brigando com sua dor de dente, o guarda nada entendia.

 

Jurou por Deus, sua deferência a crioulos e paralíticos. Informou que dava bom dia a porteiros e esmola a  pedintes. Disse mais. Tinha um pivete de estimação e um ceguinho que pegavam comida em sua casa.

 

Perguntou-lhe se haveria acordo e lhe ofereceu uma grana.

 

O guarda, perplexo, agoniado com a dor de dente, nada entendia.

 

Ele era o guarda de transito, número 112, jornada de oito horas, segundo grau incompleto, assalariado mal pago, CPF 209903764-54, católico praticante, débito na venda da esquina e dez mil reis na loteca. Tinha 1.73 de altura, paraibano, pai de cinco filhos, tres deles desempregados. Morador do Borel, numa vertente do morro se equilibrava.

 

Neste contexto, ela era apenas uma indignada e certificada militante ecosenhora. Se fosse numa novela essa relação dava um caldo. Quem sabe construiriam até mesmo um final feliz.

 

Mas vida não é uma novela.

 

Ela reiterou sua abnegação e seu compromisso com a sustentabilidade. Veemente, protestou contra a desigualdade:

 

A desigualdade destas políticas públicas que discrimina ecosenhoras.

 

Ele era o soldado Tião, guarda de transito honesto, 44 anos de idade, negro, míope, casado. Vivia com a mulher, a sogra e cinco filhos, três deles desempregados. Morador numa meia água, desconhecia o que era sustentabilidade, mas sabia que era mal pago.

Gemendo de dor de dente, paraibano por índole e guarda por ocupação, sentira-se ofendido com a propina e levara em cana a jovem ecosenhora.

 

Assim termina a estória das desventuras e angústias que assolavam a jovem ecosenhora.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 13/05/2010