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Academia passa a utilizar redes sociais da internet para pesquisa

Cientistas utilizam sites de relacionamento e ferramentas virtuais para realizar seus trabalhos de campo, relacionarem-se com fins de estudo e divulgar suas publicações para além das paredes universitárias.

 

Entre as vantagens dessa prática, segundo pesquisadores consultados pelo Jornal da Ciência, estão a rapidez na troca de dados de pesquisa, a possibilidade de integrar mais pessoas a um determinado estudo e o aumento de informações abertas sobre pesquisas em andamento.

 

"Não são poucos os grupos de pesquisa que utilizam a internet como plataforma de interação e troca de informação, mobilização, escrita de artigos científicos etc", garante Raquel Recuero, professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), no Rio de Grande do Sul, e autora do livro Redes Sociais na Internet.

 

Para Raquel, as redes têm muitas outras funções. "Os sites de rede social proporcionam maior contato com pesquisadores que focam o mesmo objeto, que comungam de aportes teóricos semelhantes, e melhor difusão de artigos, periódicos e revistas científicas", enfatiza.

 

Para a pesquisadora Maria Beatriz Bonacelli, chefe do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as redes de relacionamento podem ter ainda outras aplicações. "Elas podem auxiliar na localização de pesquisadores para a formação de grupos, bem como 'vitrines' específicas de profissionais de ciência e tecnologia, como o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e a Plataforma Lattes", analisa.

 

Negócio

 

De olho nesses potenciais, empresas e pesquisadores já constroem sites voltados exclusivamente para cientistas. Entre eles está o Mendeley (www.mendeley.com), que se intitula "o ITunes para artigos de pesquisa". O ITunes é a plataforma de venda eletrônica de música da Apple, empresa inventora do Ipod, o mais famoso tocador de música do mercado.

 

O Mendeley, de acordo com seu diretor e fundador, Jan Reichelt, quer funcionar da mesma forma, porém, voltado para a pesquisa científica. "Fornecemos não só uma plataforma de trabalho para pesquisa, como as ferramentas para ação colaborativa, entre elas o compartilhamento de anotações, listas bibliográficas e meios de correspondência entre as partes", afirma.

 

O site ainda oferece ferramentas de geração de citações, organização de listas de artigos e integração com programas de produção de texto, como o Word, a fim de facilitar a tarefa de indexação de títulos e autores.

 

"O aspecto social dos dados também aumenta a transparência na ciência, pois mostramos métricas baseadas no impacto do uso, como número de leitores, localização dos acessos e, em breve, tempo de leitura de cada artigo, o que provê contatos e conteúdos aos pesquisadores que não teriam essa possibilidade antes", diz Reichelt.

 

Segundo dados da empresa, a rede acadêmica eletrônica abriga mais de 18 milhões de documentos, compartilhados por 250 mil pesquisadores, envolvidos em 21 mil grupos de pesquisa abrigados em sete mil instituições. Os brasileiros são 20 mil, nas contas de Ricardo Vidal, gerente de conteúdo em português do site britânico. "A comunidade brasileira está em quarto lugar no ranking, atrás apenas de EUA, Reino Unido e Alemanha", diz.

 

Brasil

 

Outra rede social na internet que tem chamado atenção é a brasileira Follow Science (www.followscience.com). Criado pelo programador Cleyverson Costa durante seu mestrado em Ciências da Computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o site publica informações sobre chamada de revistas e congressos científicos.

 

A alimentação da página é feita pelos próprios usuários, que também podem publicar artigos que considerem interessantes e acompanhar, gratuitamente, notícias sobre o mundo acadêmico.

 

"Durante meu mestrado, senti falta de um veículo que publicasse chamadas de artigos e aberturas de inscrições para congressos", relembra o pernambucano. "Conhecia outras redes sociais e decidi fazer algo parecido, porém voltado para o mundo da ciência." A inspiração veio da rede de notícias Digg (www.digg.com), também alimentada pelos usuários, que linkam suas notícias favoritas na página e, a partir daí, as comentam com outros internautas.

 

No ar desde outubro de 2009, a rede brasileira conta com cerca de mil visitas únicas por dia, sendo a maior parte dos acessos oriunda do Brasil, seguido por EUA e Portugal.

 

Consciente de seu potencial internacional, o Follow Science já possui versão em espanhol e inglês. "O legal é que ele permite centralizar informações ao mesmo tempo em que fomenta a colaboração entre estudantes e pesquisadores", analisa Costa, também mantenedor do site.

 

No campo

 

As redes sociais têm gerado benefícios para diversos pesquisadores não só por permitirem interação entre cientistas e facilitar seu trabalho, mas também por facilitar sua comunicação com pessoas envolvidas na pesquisa que não fazem parte da academia.

 

No Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Toxicologia (INCTTox), que envolve diversas instituições de pesquisa, a participação dos estudiosos se dá de forma colaborativa e as redes sociais ajudam no trabalho de campo.

 

Pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, integrante do INCT, por exemplo, costumam se comunicar pelo site de relacionamentos Orkut com moradores de Belterra, município paraense onde realizam algumas de suas pesquisas.

 

"O projeto de pesquisa voltado para a História da Saúde em Belterra vem acompanhando a restauração do Centro de Documentação e Memória do município, o que é facilitado pela inserção de imagens e comentários por representantes locais", conta Djana Contier, pesquisadora do Núcleo de Comunicação do INCT.

 

"As redes sociais podem contribuir muito na comunicação entre os cientistas e os não cientistas. É importante que pesquisadores tenham em mente que muitas vezes esta situação os coloca em um mesmo patamar com o público em geral no que se refere à troca de informações", recorda. "Essa troca pode ser entendida como um desafio para a comunidade científica - que deve entender sua importância e saber tirar proveito desta união."

 

O instituto ainda busca interagir com o público em geral por meio do site Ciência em Rede (www.cienciaemrede.com.br). A página veicula informações sobre a pesquisa e as instituições participantes nos estudos em forma de blog. Também estimula a participação de visitantes e o envio de perguntas.

 

Perigos

 

Apesar do otimismo de usuários desse tipo de ferramentas e muitas pesquisas apontarem diversos benefícios, há que se fazer algumas ressalvas ao uso indiscriminado da internet no mundo acadêmico. Da mesma forma que as demais redes sociais da internet, os sites de relacionamento inseridos no conceito de web 2.0, aquele no qual a participação dos usuários é de extrema importância para o funcionamento da plataforma, suscitam medos.

 

No mundo acadêmico, há quem tema perder controle comercial sobre suas publicações ou facilitar plágios. Ou seja, ser vítima de fraudes. Afinal, como lembra Raquel Recuero, as redes sociais da internet são reflexo do que acontece no mundo offline.

 

"Onde há maior acessibilidade de informações, há maior risco de essas informações serem utilizadas de forma desviante", endossa. "Mas não podemos condenar a acessibilidade das informações científicas por conta de plágios e outras práticas que já aconteciam anteriormente. A rede também facilita a identificação do plágio. O que temos a ganhar, como cientistas, é muito maior do que os riscos que corremos com a disponibilização dos trabalhos na internet."

 

O diretor do Mendeley, por sua vez, garante que não existe a possibilidade de vender informações publicadas pelos autores ou mesmo dados pessoais de quem participa da rede.

 

Segundo Reichelt, o site se financia por meio de cobrança a acesso privilegiado a determinadas informações, como dados agregados, e pela veiculação de publicidade direcionada aos usuários, de acordo com sua navegação.

 

O diretor garante que a intenção da empresa, assim como de outras que atuam no segmento, é abrir essas informações aos próprios usuários para que eles possam construir aplicativos que tornem a comunidade do site mais interessante. "Os brasileiros, por serem bastante inovadores, podem se beneficiar disso", lembra.

 

(Jornal da Ciência)


Data: 26/04/2010