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Artigo - Os Barnabés, a promiscuidade em Brasília e a nova classe que se refestela com dinheiro público - Parte 1

Wagner Braga Batista

 

Na Velha República, quando a capital federal estava sediada no Rio de Janeiro, o funcionário público era personagem central de grandes cronistas sociais. Senso saudado, satirizado ou hostilizado entrava na pauta de vários jornais. No imaginário popular, sua notabilidade cresceu graças à musica carnavalesca “Barnabé”, (Haroldo Barbosa e Antonio Almeida, 1947)

A marchinha tratava jocosamente das agruras de um humilde funcionário público:

 

Ai, ai, Barnabé,

Ai, funcionário letra E

Todo mundo anda de bonde

Só você que anda a pé.

 

Vulgarizado como Barnabé, o funcionalismo utilizou esta marchinha carnavalesca em campanha para reposição salarial em 1952. Como nos dias de hoje, seus salários também estavam sujeito a arrocho. Desde 1948, não tinham obtido nenhum reajuste salarial.

 

Neste contexto, aludindo sarcasticamente à data comemorativa do Presidente da República, o jornalista Paulistano, do Diário Carioca, criou o Dia do Barnabé (*).

 

O funcionalismo também era chacoteado nas chanchadas, gênero de filmes preferencial da Atlântida Cinematográfica. Quem não se lembra da chanchada “Barnabé, tu és meu”, 1951, dirigida por José Carlos Burle e estrelado por alguns dos maiores comediantes do cinema brasileiro Oscarito e Grande Otelo, disponível em DVD. Nela um funcionário torna-se um predestinado herdeiro do Rei Salomão porque carimba acidentalmente a estrela de Davi no braço. Daí, vai viver novas agruras na pele de personagem bíblico que terá que ser decapitado após a noite de núpcias.

 

O modesto funcionário público tinha uma imagem típica. Trajava invariável terno azul marinho. Utilizava sapatos rotos, de meia sola. Meias e lenços brancos. Sim, lenços para aliviar a coriza, provocada pelo mofo e pelo pó das repartições públicas.

 

Contrariamente ao que a música afirmava, ia de bonde para o para o trabalho. Quando pegava ônibus, lotação ou aparecia com uma pasta de couro, era sinal de ascensão funcional. De promoção, como se dizia à época. Quando não utilizava bigodes, tinha o rosto escanhoado com Gilete Azul. Barba, nem pensar, pois tirava pontos para a promoção. Os Barnabés também tinham um estilo: no corte de cabelo. No barbeiro, como eram chamados eram então chamados os chamados os coiffeurs, hair designers ou cabeleireiros, tornavam-se exigentes. Queriam corte com máquina um, estilo príncipe Danilo e os cabelos bem assentados com Gumex. Não eram funcionários padrões, mas podemos dizer que eram funcionários padronizados.

 

Quando promovido, o Barnabé imediatamente comprava uma nova gravata. Preferivelmente listrada de cinza e azul, para combinar com o terno. Ia esquecendo, abotoaduras também. Vocês sabem o que são abotoaduras?

 

Em que pesem costumeiras gozações, pilhérias e piadas, era um trabalhador como todos os outros, cumpria horários e exercia devidamente suas funções.

 

Seu luxo era possuir uma caneta Parker 51. A aquisição do jogo completo de canetas incluindo a esferográfica, podia ser vista com inveja e como ambição desmesurada..

 

No entanto, disseminou-se a idéia de que o funcionalismo era uma casta de privilegiados.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG

 

(*) Mauricio Azedo, “Luiz Paulistano, o mestre, o amestrador de focas”, Jornal da ABI- Associação Brasileira de Imprensa, edição especial do centenário, abril de 2008, Vol. I, Rio de Janeiro


Data: 19/04/2010