topo_cabecalho
Artigo: UFCG: em branco?

Wagner Braga Batista

 

Kant dizia que o homem é o único ser que avalia. Portanto, hesita.

Como ser humano, também hesito. Pensei algumas vezes antes de escrever este texto. Afinal sou professor aposentado e me reporto ao que disseram certa vez: não deveria me meter em coisas que não mais me dizem respeito. Essa afirmação absurda sempre será rechaçada, porém, inevitavelmente, inibe.

 

Pois bem, falarei da UFCG.

 

Ontem ao sair da universidade encontrei-me com Clodoaldo, companheiro de profissão, conversamos longo tempo, hábito que não cultivamos quando estava em atividade. Rememoramos passagens da vida acadêmica e lembramo-nos de antigos colegas que muito contribuíram para a edificação do Centro de Humanidades. O Departamento de Economia era um baluarte das ações sindicais. Grande parte de seus professores tinha claras orientações políticas e convicções bastante sinceras e consistentes. Vivíamos, fraternalmente, às turras. Posto que, não dissimulávamos eventuais divergências. Porém, tínhamos objetivos comuns e inegável coerência política. Sem sombra de dúvida, tínhamos compromissos e laços de companheirismo muito sólidos.

Despedi-me de Clodoaldo, com júbilo e certa tristeza.

 

Estava saindo da universidade, impactado com as suas construções.  Prédios enormes e alamedas repletas de automóveis. Depois de longo tempo retornei a uma área, erma alguns anos atrás. Pela primeira vez dirigia-me ao antigo Departamento de Matemática. Diante da dificuldade de localização, percorri algumas dependências vizinhas à busca de informações. Em vão. Salvo a presença de vários funcionários e três professores, um dos quais meu amigo Mozaniel, todas estavam vazias.

 

Lembrei-me então da poesia de Carlos Drumond de Andrade: os bares estão cheios de homens vazios. Cá comigo pensei: a universidade está repleta de prédios vazios. Este esvaziamento físico e crítico que tem sido denunciado insistentemente.

 

Não se pode generalizar, sei disto. Ao chegar ao Departamento de Matemática encontrei grande parte de meus antigos colegas.

 

Outro fato que me chamou atenção foi a fragmentação e a dilaceração do espaço público. Dependências fechadas tinham na porta diferentes designações. Pareciam às vezes não fazer parte da UFCG ou de suas unidades acadêmicas. Na prática constituem ambientes restritos que vão se formando, fornecem visibilidade e prestígio para seus “posseiros”, mas têm pouca correspondência com objetivos de uma instituição pública de ensino. Muitas vezes são utilizados como instrumentos para a realização de interesses restritos. Não são avaliados por unidades acadêmicas, nem se submetem a mecanismos de controle e de avaliação eficazes. Que também deveriam ser sistematicamente aplicados às instituições públicas.

 

Estou me convencendo que as entidades avaliadoras fizeram do seu fim um meio para obter recursos públicos e privados.

 

Diante deste quadro, cada qual quer ser mais espaçoso. Obter retalhos privados do espaço público. Na falta de planos diretores, de estratégias e de diretrizes abrangentes e integradoras, cada qual se sente no direito de ter seu próprio planejamento. Ou se beneficiar da falta dele.  Virou regra, cada um se sente a vontade para constituir seu feudo.

 

Encontrei-me também com outro colega portador de uma missiva. Informou-me que levada a resposta a um ofício solicitando professores para ministrar disciplinas de um novo curso, entre tantos que foram criados recentemente. Acrescentou que não havia disponibilidade de professores, uma vez que as carências da unidade acadêmica sequer estavam supridas. Justíssimo. No entanto, se fossemos a esta unidade acadêmica, também, não encontraríamos seus professores nos seus respectivos ambientes de trabalho, uma vez que estariam ausentes da universidade.

 

A universidade pública e gratuita se expande. O que é mais do que louvável. Porém, desordenadamente. A comunidade acadêmica clama por democracia e transparência, porém não se obriga a praticá-las coerentemente.

 

Como, em meio a este quadro aparentemente caótico?

 

Não tenho dúvidas. Por meio de inequívocos compromissos, que impõem a presença ativa na universidade. Há um enorme descompasso na atuação de professores. Um contingente de professores, cada vez menor, assume muitos encargos e responsabilidades coletivas, porquanto a maioria busca meios de se desvencilhar delas.

 

No entanto, professores encontraram justificativas para sua negligência. Montaram seus álibis, entre eles, a falta de infra-estrutura da universidade, o baixo nível de conhecimento dos alunos de graduação e a ausência de funcionários técnico-administrativos. Funcionários são seus alvos preferenciais. Os bodes expiatórios. È óbvio que há também funcionários relapsos, no entanto não justificam as inúmeras transferências, remanejamentos e disponibilidades provocando maior desmantelo. O resultado é a crescente desestruturação da universidade, uma vez que setores importantes ficam inativos e professores encontram mais uma razão para não ter o que fazer.

 

O descompromisso da comunidade universitária e a indiferença das administrações são notórios. O reitor,  diretores de centro e chefes de unidade acadêmicas tem conhecimento do absenteísmo e de inúmeros casos de burla ao regime de dedicação exclusiva. Mantem-se inermes. Sabem também que qualquer ação para coibir tais desvios de conduta terá conseqüências sobre suas aspirações. Implicará em remoção do cargo que ocupam na próxima eleição. Daí, parece-me que há um acordo tácito e silencioso por meio do qual estas atitudes não sejam questionadas.

 

Há uma gritante contradição na universidade pública. Expressa-se pela disjunção entre discurso e prática de alguns de seus integrantes. Defende-se a universidade pública como um espaço privilegiado para a realização de inconfessáveis interesses privados. 

 

Sindicatos, associações de classe e entidades de representação não estão imunes destas deformidades. São diariamente contaminados, inclusive pelo agravante da cooptação de seus dirigentes e militantes.

 

Esses organismos, que pela sua natureza e desempenho crítico, estariam mais aptos a construir alternativas para a superação deste quadro, mostram-se impotentes ou inócuos. Quando muito, exercem uma ação fiscalizadora, denunciam. Porém não conseguem aprofundar estas iniciativas por conta de seu esvaziamento ou falta de representatividade.

 

No entanto, nunca é tarde para ousar. Para a construção coletiva de alternativas viáveis para superar este cenário crítico e dar consistência aos objetivos da universidade pública.

 

Outro aspecto crítico, digno de menção.

 

Estão em cursos três grandes eventos, responsáveis pela formulação de políticas públicas. São as conferencias nacionais por meio das quais se exercita o planejamento estratégico e a definição das diretrizes que irão compor os planos nacionais de cultura, de educação, bem como de ciência e tecnologia. Meu amigo Marinho, já me chamou atenção: tem desvios e limitações. Concordo, porém não se pode jogar fora o bebe com a água do banho.

 

Supus que a Universidade Federal de Campina Grande fosse um dos principais protagonistas destes eventos. Alavancando e contribuindo com inúmeras proposições para políticas afetas as suas áreas de intervenção.

 

Qual não foi minha surpresa quando constatei a sua quase ausência. Ausente da Conferencia Nacional de Cultura, participou com uma representante da Conferencia Nacional e Educação. Na Conferencia Nacional de Ciência e Tecnologia, possivelmente esteja representada por dois colegas integrantes de uma fundação privada, o Parque Tecnológico.

 

O saldo, até então, praticamente zero. Não há registro. Não há balanço. Não há avaliação do significado destes eventos e de seus desdobramentos. Parece que a universidade está se colocando num universo aparte do mundo real.

 

Na semana passada a universidade completou mais um ano de vida. A Universidade Federal de Campina, a duras penas, amplia-se e tenta se consolidar. Expande-se para viabilizar a educação pública numa região de grandes carências. Repetirei um lugar comum: é um patrimônio inestimável que escapou da sanha privatista de anos precedentes. Temos muito a fazer para preservá-lo, para coibir abusos que atentam contra a instituição e a educação pública.

 

Oito anos de UFCG não podem ser passados em branco...

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 16/04/2010