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A campanha da fraternidade: dinheiro, dinheiro, dinheiro... (1)

Wagner Braga Batista

 

Sou agnóstico, como polidamente me chamou certa vez um querido preceptor.

 

Afastei-me da igreja e da religião. Talvez, por conta do distanciamento da igreja católica de contingentes sociais mais desfavorecidos.

 

Hoje, apesar dessa ressalva, vejo com bons olhos a temática da Campanha da Fraternidade. “Não se pode servir a dois senhores...”.

 

O objetivo da Campanha Fraternidade é "Colaborar na promoção de uma economia a serviço da vida, fundamentada no ideal da cultura da paz, a partir do esforço conjunto das Igrejas Cristãs e de pessoas de boa vontade, para que todos contribuam na construção do bem comum em vista de uma sociedade sem exclusão" Tem em vista a eficiência econômica ( ? ), a justiça social e a preservação do meio ambiente, evidenciando a íntima relação entre impactos ambientais e o desregrado  desenvolvimento econômico, social e cultural.

 

Seu foco é a economia e suas digressões. Sua ênfase a crítica à produção de bens supérfluos e ao consumismo. Por seu intermédio, revela absurdas disjunções que propiciam elevado poder compras para poucos e privações para muitos. Padrões de vida frívolos em meio a intransponíveis dificuldades de subsistência. Concupiscência coexistindo com a miséria. Valorização do supérfluo em ambientes de escassez. Essa assimetria econômica é típica de culturas regressivas. Que anulam avanços sociais e restauram valores e costumes retrógrados. Confundem essência e aparência. Enaltecem o narcisismo e a vaidade como vetores de visibilidade e de  prestígio social. Reduzem o ser à dimensão do ter.  A existência à propriedade de bens materiais. Instauram o reinado da opulência e da soberba, em absoluto desprezo a pobreza. Promovem a discriminação e a exclusão de contingentes populacionais desfavorecidos. Daqueles que não detêm poder político, nem tampouco bens supérfluos, signos de riqueza nesta sociedade empobrecida.

 

De modo ingente, a Campanha da Fraternidade denuncia o poder e os mitos instaurados pelo dinheiro.

 

Sou simpático a essas críticas, posto que incita o conhecimento das causas das desigualdades sociais.

 

Denuncia o consumo compulsivo que preenche o vazio de uma existência que se consume no desenfreado ato de consumir. O uso perverso de valores simbólicos que se tornam mais importantes do que a efetiva utilização de bens econômicos. De bens rapidamente descartados, posto que não suprem sentimentos e motivações, ausentes no dia a dia.  O consumismo, a cobiça, os negócios, as vantagens privadas e o individualismo desenvolvem-se em um terreno pantanoso. Decorrem da falta de referencias e de compromisso sociais mais consistentes. Medram graças ao absoluto desprezo por valores éticos e por compromissos sociais mais edificantes.

 

Nesse circulo vicioso produzem-se e se reproduzem os vícios econômicos. Os discursos recorrentes e enganosos, bem como práticas que sugerem responsabilidade social e visam tão somente o lucro imediato. Estes são pecados da modernidade excludente e indiferente que sedimenta o cinismo como uma virtude.  O cinismo que denega valores essenciais do cristianismo: a austeridade, a abstinência, a comunhão, o amor e o respeito ao próximo.

 

Na atualidade, essa cultura regressiva tem células máter. Uma delas, os shoppings centers. Estas edificações tornaram-se templos destinados à celebração do consumo.

 

A cultura regressiva valoriza o consumo como um ato fruição, proporcionado pelo arbítrio e pelo exercício da liberdade. Sinaliza os shoppings como ambientes virtuosos destinados a realização de gostos, veleidades e caprichos individuais. Sejam quais forem. Não importando suas implicações e conseqüências. Neles se exacerbam o egocentrismo, as vaidades e o desprezo pelos próximos, certamente aqueles que transitam nas periferias dos shoppings. Aqueles que carregam os signos da pobreza e da exclusão.

 

Aqueles que não usam roupas de marcas, óculos exóticos e tênis personalizados. Aqueles que cotidianamente são alvos preferenciais da segregação, desta violência sutil perpetrada por meio de bens com valores simbólicos. Bens que tentam sinalizar um lugar na sociedade, uma classe de origem. Que identificam todos aqueles que não podem pertencer a esse mesmo grupo social. Como sinais trocados, distinguem-se dos signos colocados em judeus em campos de concentração nazistas, do macacão laranja dos prisioneiros na base norteamericana de Guantánamo, das marcas de sevícias em presos comuns, das cicatrizes em mulheres e crianças oprimidas. Dos estigmas que marcam milhões de podres e miseráveis. Os bilhões de excluídos da economia de mercado.

 

Opulência e miséria andam juntas. A opulência fala por meio da ostentação. De seus rituais restritivos, de suas linguagens herméticas, de seus repertórios exclusivos e de imagens que constroem identidades efêmeras. Constituídas por bens supérfluos e toda sua carga simbólica que propiciam o jubilo, a ostentação de poucos e como contraponto a discriminação e a segregação de tantos outros.

 

 

Wagner Braga é professor aposentado da UFCG


Data: 05/04/2010